Vol.II Número 05 Out. 2020

SABR em pacientes com câncer de pulmão: quando, como e para quem?

daniel 200 foto2 bxA radioterapia estereotática ablativa (SABR, do inglês stereotactic ablative radiotherapy) cresce como estratégia para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão não pequenas células com doença inicial, mas que não são candidatos potenciais à cirurgia. Em artigo de revisão, Maria Thereza Mansur Starling e Daniel Przybysz (foto) discutem evidências e indicações da SABR na oncologia torácica.

Autores: Daniel Przybysz1 e Maria Thereza Mansur Starling2

1 - Rádio-oncologista; membro do UpToDate Oncologia e do Comitê de Radioterapia Avançada da International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC)
2 - Rádio-Oncologista; Preceptora da Residência em Radioterapia do Hospital Sírio-Libanês. 

Resumo: A radioterapia estereotática ablativa (SABR, do inglês stereotactic ablative radiotherapy), também descrita como radioterapia ou radiocirurgia estereotática corporal (SBRT, do inglês stereotactic body radiation therapy) cresce como estratégia para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão não pequenas células com doença inicial, mas que não são candidatos potenciais à cirurgia. Neste artigo de revisão, Maria Thereza Mansur Starling e Daniel Przybysz discutem resultados da SABR frente à cirurgia, ao fracionamento convencional e em combinação com inibidores de checkpoint imune.

Introcução e Desenvolvimento

A neoplasia de pulmão não pequenas células (NPNPC) configura-se entre as neoplasias mais incidentes e de maior letalidade em ambos os sexos no Brasil e no mundo. Aproximadamente 17% dos pacientes são diagnosticados em estádio inicial, número que tende a aumentar com a progressiva implementação da tomografia de baixa dose para rastreamento em pacientes de alto risco, com estudos demonstrando redução na mortalidade quando esta estratégia é adotada. Desta forma, os tratamentos disponíveis para esta população devem ser cada vez mais discutidos, de preferência em reuniões multidisciplinares, diminuindo assim o viés de cada especialidade.

Com epidemiologia característica, a NPNPC acomete pacientes entre a 5ª e 7ª décadas de vida, com idade mediana ao diagnóstico de 71 anos. Boa parte destes pacientes é inoperável devido a comorbidades cardíacas ou respiratórias, muitas vezes relacionadas ao tabaco, principal fator de risco relacionado. Assim, seja por contraindicação médica pelo alto risco cirúrgico ou por opção do paciente, outras modalidades não-cirúrgicas devem ser empregadas.  Neste contexto, a radioterapia estereotática ablativa corpórea (SABR) surge como a opção de tratamento mais segura e de maior potencial curativo, com nível de evidência 1 e grau de recomendação A em pacientes inoperáveis T1-T2 N0.

Por definição, a SABR consiste no emprego de doses altas de radiação (ablativa), definidas em doses maiores que 6 Gy/fração, entregues em 1 a 5 frações com técnica altamente conformada, que só foi passível de implementação e validação com a evolução tecnológica da Radioterapia nas últimas décadas.

Neste cenário, destacam-se as técnicas de tomografia 4D, IGRT (Image Guided Radiation Therapy) e gerenciamento do movimento respiratório (gating, compressor abdominal, inspiração profunda, breath holding e tracking). Tais modalidades aumentam a precisão na definição do alvo no delineamento e na entrega da dose durante o tratamento. Além disso, a arcoterapia volumétrica modulada (VMAT) – que entrega doses moduladas de radiação continuamente durante a rotação do aparelho – permite que o tratamento seja realizado com menor tempo intra-fração, com menor probabilidade de incerteza no que tange o alvo.

Estudos prévios demonstraram que o tratamento com dose biológica efetiva (BED) acima de 100 Gy10 oferece melhor controle tumoral local e sobrevida global, com diversos fracionamentos podendo ser empregados. Em tumores centrais (localizados até 2 cm da árvore brônquica proximal), e até em tumores ultra-centrais (contíguos à árvore brônquica proximal ou próximos de grandes vasos e/ou esôfago) é seguro e endossado pela Sociedade Americana de Radioterapia (ASTRO) o uso de 4 a 5 frações, uma vez que a proximidade com a árvore brônquica, pericárdio, coração e esôfago são potenciais limitantes de dose devido à toxicidade.

Em tumores mais periféricos, esquemas de 3 a 5 frações podem ser empregados, sendo o esquema de 3 frações de 18 Gy bastante utilizado. O mesmo é validado pelo estudo fase II RTOG 0236, que demonstrou controle em lesão primária e lobo envolvido de 91 e 80% em 3 e 5 anos, respectivamente. Vale destacar também os esquemas de 4 frações de 12 Gy e 1 fração de 34 Gy, com toxicidade grau 3 ou mais de 11 e 2,6%, e controle local da lesão primária em 5 anos de 93 e 89%, respectivamente, validados pelo também fase II RTOG 0915.

É válido citar algumas situações desafiadoras da prática clínica, onde as evidências são de moderada ou baixa qualidade. Historicamente, tumores maiores que 5 cm foram excluídos dos principais estudos clínicos, muito pela preocupação com a potencial toxicidade para os pacientes. Na Holanda, esquemas de 8 a 12 frações foram utilizados em tumores de alto risco e tumores acima de 5 cm foram analisados prospectivamente. Os esquemas variavam de 12 a 5 frações, com 7,5 Gy a 12 Gy por fração, respectivamente, e a sobrevida livre de doença em 5 anos alcançou 82,1%. Entretanto, a toxicidade foi alta nesta população, com 30% apresentando toxicidade grau 3 ou superior.  Mais estudos são necessários para validar a SABR em situações como esta, e, definitivamente, as indicações devem ser feitas com cautela, ponderando-se os possíveis riscos e benefícios de maneira individualizada.

Com uso crescente, faltavam ainda evidências sobre a superioridade da SABR comparada ao fracionamento convencional, o que foi então demonstrado no CHISEL, estudo Fase III e randomizado, publicado em 2019, que analisou os desfechos oncológicos de 3 frações de 18 Gy (ou 4 frações de 12 Gy se tumor a menos de 2 cm da parede torácica) versus 33 frações de 2 Gy ou 20 frações de 2,5 Gy. A SABR aumentou não somente o controle local (89 x 65%), como também aumentou a sobrevida global em 2 anos em pacientes inoperáveis (77 x 59%), com toxicidade similar entre os esquemas.

Algumas evidências, ainda prematuras, apontam potencial benefício da SABR combinada à imunoterapia. Destacamos aqui o estudo Fase I/II (ISABR Study), ainda em fase de recrutamento, que vai testar os esquemas de 3, 4 ou 10 frações de 54, 50 ou 65 Gy, respectivamente, com ou sem durvalumabe, além do estudo Fase III, PACIFIC 4. Em ambos, é de extrema importância a avaliação da segurança dos esquemas em relação às taxas de pneumonite, pericardite e toxicidades gastrointestinais (como esofagite, gastrite e enterocolite). (estudo em recrutamento não aponta nada e menos ainda constitui base de evidências).

Quanto a estudos randomizados que comparam a SABR com a cirurgia em pacientes operáveis, destacam-se dois, também ainda em fase de recrutamento (VALOR e STABLE-MATES), ambos motivados pela publicação da análise combinada do ROSEL e STAR, que mostraram melhor sobrevida em 3 anos com SABR quando comparada à lobectomia. Entretanto, é importante lembrar que o período de seguimento foi curto, o número de pacientes foi baixo, os estudos foram fechados precocemente e o resultado contradiz achados de diversos outros estudos retrospectivos já publicados, sendo importante aguardar essas futuras publicações antes de qualquer mudança de conduta.

É fundamental destacar a conveniência do tratamento, oferecendo a logística de realizar o tratamento em 1 a 5 dias úteis, comparado a 35 dias úteis do fracionamento convencional. No Brasil, isto ganha ainda mais relevância considerando-se a sobrecarga do sistema público de saúde, além da baixa capilaridade de serviços de Radioterapia fora de cidades de médio ou grande porte, o que muitas vezes leva ao deslocamento do paciente por grandes distâncias.

A SABR é um tratamento seguro, eficaz e com crescente indicação na Radioterapia, principalmente na neoplasia de pulmão estádio inicial, em pacientes inoperáveis. Quando bem indicada, de preferência em reuniões multidisciplinares e com decisão conjunta com o paciente, é sem dúvida um tratamento promissor, com evidências já publicadas e importantes estudos em andamento que endossam esta prática.

Link para o guideline da ASTRO: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28596092/ 

Referências:

1-         International Agency for Reasearch on Cancer, World Health Organization – Cancer Today. Disponível em: https://gco.iarc.fr/today/fact-sheets-cancers.

2-         Estimativa 2020, Incidência de Câncer no Brasil, Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva – Rio de Janeiro: INCA, 2019. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf

3-         de Koning HJ, van der Aalst CM, de Jong PA, et al. Reduced Lung-Cancer Mortality with Volume CT Screening in a Randomized Trial. N Engl J Med. 2020;382(6):503-513. doi:10.1056/NEJMoa1911793

4-         Ball D, Mai GT, Vinod S, et al. Stereotactic ablative radiotherapy versus standard radiotherapy in stage 1 non-small-cell lung cancer (TROG 09.02 CHISEL): a phase 3, open-label, randomised controlled trial. Lancet Oncol 2019;20:494-503.

5-         National Comprehensive Cancer Network, Inc. 2020. NATIONAL COMPREHENSIVE CANCER NETWORK, Version 8.2020, 09/21/20, Non-Small Cell Lung Cancer NCCN Evidence Blocks. 

6-         Videtic GMM, Donington J, Giuliani M, Heinzerling J, Karas TZ, Kelsey CR, et al. Stereotactic body radiation therapy for early-stage non– small cell lung cancer: An ASTRO Evidence-Based Guideline. Pract Radiat Oncol. 2017; 7: 295-301.

7-         Nyman J, Hallqvist A, Lund J-Å, et al. SPACE – A randomized study of SBRT vs conventional fractionated radiotherapy in medically inoperable stage I NSCLC. Radiother Oncol 2016;121:1-8.

8-         Timmerman R, Paulus R, Galvin J, et al. Stereotactic Body Radiation Therapy for Inoperable Early Stage Lung Cancer. JAMA 2010;303:1070-6.

9-         Timmerman RD, Hu C, Michalski JM, et al. Long-term Results of Stereotactic Body Radiation Therapy in Medically Inoperable Stage I Non-Small Cell Lung Cancer. JAMA Oncol 2018;4:1287–1288. doi:10.1001/jamaoncol.2018.1258

10-       Przybysz, Daniel & Bradley, Jeffrey. (2017). Challenging Situations for Lung SBRT. Journal of Thoracic Oncology. 12. 916-918. 10.1016/j.jtho.2017.04.007

11-       Videtic GMM, Hu C, Singh AK, et al. A Randomized Phase 2 Study Comparing 2 Stereotactic Body Radiation Therapy Schedules for Medically Inoperable Patients With Stage I Peripheral Non-Small Cell Lung Cancer: NRG Oncology RTOG 0915 (NCCTG N0927). Int J Radiat Oncol Biol Phys 2015;93:757-64.

12-       Videtic GM, Paulus R, Singh AK, et al. Long-term Follow-up on NRG Oncology RTOG 0915 (NCCTG N0927): A Randomized Phase 2 Study Comparing 2 Stereotactic Body Radiation Therapy Schedules for Medically Inoperable Patients With Stage I Peripheral Non-Small Cell Lung Cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2019;103:1077-84.

13-       Onishi H, Shirato H, Nagata Y, Hiraoka M, Fujino M, Gomi K, et al. Hypofractionated stereotactic radiotherapy (HypoFXSRT) for stage I non-small cell lung cancer: updated results of 257 patients in a Japanese multi- institutional study. J Thorac Oncol 2007; 2(7 Suppl. 3): S94–100

14-       Stephans KL, Djemil T, Reddy CA, Gajdos SM, Kolar M, Mason D, et al. A comparison of two stereotactic body radiation fraction- ation schedules for medically inoperable stage I non-small cell lung cancer: the Cleveland Clinic experience. J Thorac Oncol 2009; 4: 976–82.