Imunoterapia, a nova vanguarda

TABAK NET OK 2Nome de referência da oncohematologia brasileira, o especialista Daniel Tabak (foto), diretor-médico do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON), no Rio de Janeiro, discute avanços e perspectivas da imunoterapia no tratamento do câncer.


Onconews: A imunoterapia vive um momento de grande euforia e a oncohematologia participa desse entusiasmo, com a aprovação do nivolumabe para linfoma de Hodgkin. É uma tendência que veio para ficar?

Daniel Tabak: Sem dúvida. Nos últimos 5 anos, a imunoterapia foi consagrada como a nova vanguarda no tratamento do câncer. Não é à toa que a Sociedade Americana de Oncologia Clínica reconheceu a imunoterapia como uma nova fronteira, com excelentes perspectivas para o tratamento dos pacientes. Os inibidores de checkpoint imune estão tomando conta do cenário da oncologia, não só nos linfomas, mas em uma diversidade de doenças. Os inibidores de PD-1 já estão no tratamento de carcinomas de pulmão, melanomas, no carcinoma renal e temos acompanhado a imunoterapia em tumores raros, como o carcinoma de Merkel. Este ano, o grande avanço, pela primeira vez, foi o reconhecimento de que agora nós vamos tratar uma doença através de seu biomarcador. Em maio foi publicado o primeiro estudo que caracterizou um grupo de tumores pelo número de mutações sensíveis a esses inibidores de PD-1. Enfim, uma nova era se abre diante da possibilidade de não tratar mais apenas um tipo histológico, mas sim doenças que apresentam a mesma caracterização molecular. Isso foi rapidamente aceito pelo FDA e um desses inibidores de checkpoint foi estabelecido comercialmente para ser utilizado nesta gama de pacientes. Foi um marco na oncologia, mas estamos longe de ter todas as respostas. Eu tenho uma preocupação com a super-simplificação, com a ideia de que imediatamente nós temos uma solução para todos os problemas. Na verdade, temos muito mais dúvidas do que respostas. Na ASCO deste ano, o grupo de Laurence Zitvogel caracterizou a importância do microbioma em pacientes com câncer de pulmão tratados com inibidores de PD-1. Pacientes que usaram antibióticos no mesmo período em que receberam o anti-PD-1 tiveram uma resposta menor do que aqueles que não receberam antibióticos, mostrando claramente que esta interação é crítica. Evidentemente, ampliar esse conhecimento vai ser o grande desafio, mas sem dúvida essas moléculas estão mudando a história da doença e vieram para ficar.

No contexto de tanta novidade, cresce o debate em torno da sustentabilidade da assistência. Qual a sua visão?

Acho que essas moléculas precisam resolver uma questão fundamental, que é a questão do acesso, pela pressão do custo. Enfim, imaginar que um tratamento de aproximadamente 140 mil dólares vai ser mantido indefinidamente para pacientes que apresentam resposta, isso representa um desafio não só para o Brasil, mas para todo o mundo. Então, eu diria que a etapa seguinte é reconhecer que essa relação PD-1/PD-L1 precisa ser muito mais depurada. Um desafio para os próximos anos é certamente a caracterização de outros biomarcadores.

E que caminhos devem ajudar a refinar a seleção de pacientes?

Hoje vários modelos estão sendo estudados. No congresso da SBOC assistimos a uma apresentação fantástica de dois pesquisadores, Christian Blanke e Jason Luke, que abordaram exatamente essa questão. Como nós caminhamos daqui para o futuro? A expressão de PD-L1 só tem sentido dentro de um contexto, seja da infiltração tumoral pelas células T, seja pela forma como essas células T reconhecem os antígenos ou, ainda, pela presença de outros checkpoints, que são ativadores ou inibidores da resposta imune. A importância desses marcadores é muito clara e não tenho dúvida de que vamos avançar nessa direção. Acho que um outro braço vem da CART-Cells, porque as células CAR, as Chimeric Antigen Receptor T Cells, hoje fazem parte dessa realidade. Elas representam o braço armado dos linfócitos T, porque a gente tem que reconhecer que os inibidores de checkpoint não fazem nada, a não ser atrair os linfócitos. O que acontece é resultado da ativação do sistema imune, através de seu braço efetor. São os linfócitos T que vão determinar a morte do tumor. E a grande questão é exatamente como vamos fazer isso, se pelo reconhecimento de como esses antígenos são apresentados às células T, como essas células T são sensibilizadas, como efetivamente migram, enfim, existem muitos modelos que precisam ser estudados e que amplificam essa resposta. Outro ponto-chave é como vamos inserir essas moléculas no contexto dos tratamentos convencionais, como quimioterapia e radioterapia. Se o processo representa a ativação do sistema imune, quando nós irradiamos um tumor, esses antígenos são liberados. Agora, começam a aparecer os primeiros estudos do chamado efeito abscopal. A quimioterapia também não é necessariamente um tratamento que bloqueia o sistema imune, ao contrário do que se imaginava. Esse conceito de que a quimioterapia é sempre imunossupressora vai se modificar por completo nos próximos anos. A gente precisa entender exatamente como esse mecanismo ocorre. Continuamos com muita coisa para aprender, mas obviamente estamos diante de novas possibilidades.

E as reações imuno-mediadas, a comunidade médica está atenta a isso?

Eu acredito que sim. Foram publicadas diretrizes para orientar oncologistas e hematologistas. Precisamos garantir que esses efeitos colaterais sejam reconhecidos rapidamente para que as estratégias sejam adotadas e os pacientes não venham a sofrer das consequências desses tratamentos. Isso tem implicações muito importantes. Uma das questões, por exemplo, é a preocupação com o uso de antibióticos. O diagnóstico diferencial de uma colite mediada pelo efeito imunológico e por algum processo infeccioso precisa ser feito, mas muitas vezes esses pacientes são iniciados em antibióticos antes mesmo dessa avaliação. Como mencionei, a modificação da flora modifica a capacidade de resposta ao tratamento. Então, o conhecimento exato dos mecanismos biológicos não é simplesmente uma sofisticação etérea. É preciso que a gente tenha a biologia muito presente na nossa prática diária para entender como manusear o nosso paciente. A mesma coisa em relação ao uso de corticosteroides. Apesar dos estudos iniciais sugerirem que os corticosteroides não interferem na resposta aos anticorpos anti-PD1, na verdade isso ainda não foi totalmente elaborado e é possível que interfira na resposta de alguns indivíduos. Agora fica muito claro que a resposta é determinada pela inflamação e não propriamente pelo anticorpo. O tumor inflamado, cheio de células T, é o tumor responsivo. Se nós utilizarmos uma droga como o corticoide, que pode modificar essa relação, podemos modificar aquele potencial de resposta. Então, o conhecimento dos efeitos colaterais e o conhecimento da biologia são críticos para o manuseio da imunoterapia. Todos nós estamos aprendendo, todos os dias, porque tudo isso é muito recente, mas já tivemos a oportunidade de ver pacientes com miocardites, com pancreatites graves, colites letais associadas ao anti-PD1. São reações que acontecem em pelo menos 15% dos pacientes e são graves, potencialmente letais. É preciso ter a humildade de reconhecer que temos que aprender todos os dias como cuidar desses pacientes.

O senhor ficou muitos anos à frente do Centro de Transplante de Medula Óssea do INCA. Qual o saldo dessa experiência?

Foram 17 anos de uma experiência fantástica, porque eu não estaria aqui hoje se não tivesse tido a oportunidade de trabalhar no INCA. Quando deixei minha formação nos Estados Unidos, achava que a prática da oncologia e, principalmente, a do transplante de medula óssea não seriam possíveis na realidade brasileira. E o INCA provou que era exatamente o oposto. Eu pude verificar que dentro de uma instituição pública era possível praticar medicina de excelência, com o investimento adequado. Aprendi que é possível garantir que pacientes, independentemente de cor, credo ou condição socioeconômica, possam receber o melhor tratamento. Muitos desses pacientes eu acompanho até hoje, porque nós nos correspondemos. Então, eu tive que reconhecer que é possível fazer aqui medicina de excelência como se faz fora daqui, e ainda superando muito mais dificuldades. Foi um período muito importante, inclusive na minha formação.

A saída foi um pouco traumática diante desses processos políticos que se sucederam, mas tudo isso só acabou fortalecendo o modelo do INCA. Hoje, não tenho dúvida de que, desde a minha saída do INCA, o transplante de medula óssea no Brasil melhorou muito. Houve uma evolução fantástica no acesso e um número muito maior de unidades de transplantes está disponível hoje, permitindo que mais pacientes sejam transplantados. Sem dúvida, avanços como o acesso aos transplantes não-aparentados, a evolução dos transplantes reconhecidos como haploidênticos, que hoje já são realizados no Brasil, certamente tiveram como base o estabelecimento do Registro Brasileiro de Doadores, do qual eu também tive a felicidade de participar na sua criação. Mesmo estando afastado, do ponto de vista emocional eu nunca vou me afastar do INCA. Eu tenho a felicidade de verificar isso todas as vezes que volto lá e sou recebido por muitas pessoas com quem tive a oportunidade, a felicidade e a honra de poder dividir aquele espaço.

Apesar de tantos avanços, que desafios ainda cercam o transplante de medula no Brasil?

Em relação ao transplante autólogo, hoje ele está disponível, coberto pelo SUS e pelos planos de saúde, mas precisamos evoluir nas indicações e reconhecer os pacientes que realmente podem se beneficiar, para não fazer disso uma panaceia. Não dá para utilizar de forma indiscriminada. Precisamos reconhecer que o transplante tem um preço, porque pacientes tratados com altas doses de quimioterapia podem desenvolver leucemias secundárias daqui a 20 anos. Então, não é um almoço grátis. Em relação aos transplantes halogênicos, ainda é um desafio muito grande reconhecer os aspectos da doença do enxerto contra o hospedeiro. As reações imunológicas ainda são um desafio e continuam como a grande causa de morbidade. Hoje, 30% dos pacientes transplantados morrem no primeiro ano após o transplante, em consequência dessas complicações. O Brasil é o terceiro banco de doadores do mundo, mas devido a nossa miscigenação as minorias étnicas ainda são muito pouco representadas dentro do banco e isso, sem dúvida, precisamos superar.

Perfil

Daniel Tabak é médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1979, com Residência em Medicina Interna pela Universidade de Miami e Fellowship em Hematologia-Oncologia pela Universidade de Washington, EUA. Atualmente, é diretor-médico do Centro de Tratamento 0ncológico (CENTRON), no Rio de Janeiro.