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AtualizadoTer, 16 Abr 2024 2am

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Daichii Sankyo

 

Ano de surpresas na oncoginecologia

ANGELICA GLAUCO NET OKO ano de 2018 surpreendeu a oncoginecologia com avanços significativos no tratamento sistêmico do carcinoma epitelial de ovário (CEO), alerta de cautela com algumas incorporações recentes na arena cirúrgica e o reaquecimento das discussões sobre HIPEC. Confira a análise dos médicos Angélica Nogueira-Rodrigues e Glauco Baiocchi Neto (foto), do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG).

No CEO, o estudo de fase III SOLO1 avaliou o uso de olaparibe como manutenção em primeira linha após cirurgia e quimioterapia em pacientes com subtipo seroso de alto grau ou endometrioide, estágios III ou IV, com mutação em BRCA. Com 390 pacientes randomizadas 2:1, a sobrevida livre de progressão (SLP) mediana foi de 13,8 meses nas pacientes que receberam placebo e ainda não foi atingida nas expostas ao inibidor de PARP (iPARP), estimando-se ganho de três anos comparado ao braço controle [HR 0,30; IC 95%: 0,23, 0,41; p<0,0001]. Manteve-se o benefício na SLP2, de 41,9 meses no braço placebo e também não atingida nas pacientes que receberam iPARP (HR: 0,50; IC95: 0,35, 0,72; p=0,0002).

Os eventos adversos graus ≥3 mais comuns com olaparibe foram anemia (22%) e neutropenia (8%). Além disso, 1% das pacientes apresentaram leucemia mieloide aguda, complicação descrita em outros estudos com iPARPs. Com deficiência de recombinação homóloga presente em mais de 50% das pacientes, o CEO foi a neoplasia em que os iPARPs demonstraram maior eficácia, à luz dos dados atuais.

É um momento de mudança de paradigma no câncer de ovário, não só com o robusto ganho em eficácia, mas pela nova classificação molecular, essencial para a definição terapêutica (com ou sem mutação em BRCA, com ou sem deficit de recombinação homóloga) e pelo necessário reconhecimento e abordagem do câncer de ovário como uma doença hereditária.

Já o principal alerta de cautela veio para a incorporação de cirurgia minimamente invasiva em câncer de colo de útero. O estudo LACC (Histerectomia Radical Via Minimamente Invasiva vs. Via Abdominal) foi apresentado no congresso da Society of Gynecologic Oncology (SGO) e publicado na New England Journal of Medicine (NEJM) em outubro de 2018.

Nesse estudo, 319 pacientes foram randomizadas para cirurgia minimamente invasiva e 312 para cirurgia aberta. O objetivo primário seria mostrar a não inferioridade em relação à sobrevida livre de doença em 4,5 anos da cirurgia minimamente invasiva para pacientes estádios Ia2 e Ib1 submetidas à histerectomia radical. Porém, o estudo foi interrompido precocemente devido à antecipação dos resultados a favor da cirurgia aberta.

No LACC, a sobrevida livre de doença foi de 86% vs. 96,5% em 4 anos (p=0,002) para minimamente invasiva e aberta, respectivamente. A sobrevida global em 3 anos também foi favorável à cirurgia aberta, 93,8% vs. 99%. Importante ressaltar que essa diferença se manteve quando ajustadas as variáveis clínicas e patológicas. Mesmo assim, houve um risco 4,4 vezes maior de recidiva ou óbito quando a cirurgia foi feita por via minimamente invasiva.

Análise do banco de dados SEER norte-americano no período de 2010-2013 publicada na mesma edição da NEJM incluiu 2461 pacientes estádios Ia2 e Ib1 (49,8% via minimamente invasiva). A mortalidade em 4 anos para o grupo submetido à cirurgia minimamente invasiva e aberta foi de 9,1% vs. 5,3%, respectivamente (RR 1,65; p<0,001). A adoção da histerectomia radical por via minimamente invasiva após o ano de 2006 coincidiu com o aumento relativo de 0,8% por ano na mortalidade. Interessante ressaltar que não houve diferença em mortalidade para tumores <2cm.

O Congresso da International Gynecological Cancer Society (IGCS), em setembro de 2018, destacou dois trabalhos referentes ao estudo LACC.

Andreas Obermair, professor da Universidade de Queensland, apresentou os dados referentes à prevalência de eventos adversos entre os grupos submetidos à cirurgia de histerectomia radical via minimamente invasiva (CMI) ou cirurgia via aberta (LP-laparotomia). Foram incluídas na análise 571 pacientes que tinham ao menos 6 meses de seguimento (274 CMI vs. 297 LP).

No geral, a proporção entre complicações intraoperatórias, pós-operatórias e complicações graves foi semelhante entre os grupos. Porém, alguns detalhes merecem destaque. Para o grupo LP, houve maior prevalência de perda sanguínea (200ml vs. 100ml), transfusão sanguínea e infecção de ferida operatória (6.2% vs 1.4%), mas com menor tempo operatório (196min vs. 226min).

Ainda em relação ao estudo LACC, foram apresentados os resultados dos questionários de qualidade de vida. Todos os resultados dos questionários gerais e específicos de câncer do colo do útero foram praticamente semelhantes entre os grupos CMI e LP em 1 semana após a cirurgia e em período posterior. Apenas a mobilidade foi diminuída no grupo da LP até 1 semana da cirurgia, mas a diferença se resolveu em 6 semanas. Assim como os resultados de sobrevida, também os resultados de eventos adversos e qualidade de vida do estudo LACC surpreenderam os especialistas, já que dados de diversos estudos retrospectivos sugeriam o beneficio da cirurgia minimamente invasiva em relação a complicações e qualidade de vida. Trata-se de um estudo importante, único e que leva a mudança de paradigma.

No câncer de colo de útero metastático, o estudo de fase II braço único KEYNOTE-158 avaliou a eficácia de pembrolizumabe em 98 pacientes previamente tratadas com ≥1 linha de quimioterapia. Apresentado na ASCO 18, com seguimento mediano de 11,7 meses, a taxa de resposta global foi de 14,3% (IC 95%, 7,4-24,1), e 91% das respondedoras tiveram uma duração de resposta de seis meses ou maior. Este resultado, apesar de modesto, pelo cenário órfão que explora, levou à aprovação de pembrolizumabe para pacientes com câncer de colo de útero avançado pelo FDA em 2018.

Outro destaque em CEO, o esperado estudo MITO16B-MaNGO OV2B-ENGOT OV17 foi apresentado na ASCO18. Trata-se de estudo de fase III que avaliou uma segunda exposição a bevacizumabe em pacientes com CEO recidivado pelo menos 6 meses após a última dose de platina. Foram randomizadas 405 pacientes para terapia à base de platina, combinada a paclitaxel, doxorrubicina lipossomal ou gencitabina, com ou sem bevacizumabe. A droga era administrada concomitante à QT, e como manutenção até a progressão. As pacientes retratadas com bevacizumabe apresentaram SLP mediana superior (11,8 x 8,8m; p<0,001).

Também na ASCO foram apresentados três importantes estudos sobre o papel da cirurgia no CEO. Na doença avançada ao diagnóstico, o estudo JCOG0602 avaliou 301 pacientes estádios IIIC e IV em um desenho de não inferioridade para quimioterapia neoadjuvante (QT neo) comparada à cirurgia primária. Foi realizada citorredução com doença residual <1cm em 37,4% no grupo da cirurgia primária e em 82,3% após QT neo. As sobrevidas medianas global e livre de doença para cirurgia primária e QT neo foram de 49 vs. 44 meses e 15,1 vs 16,4 meses, respectivamente, mas sem diferença estatisticamente significativa. Assim, os autores concluíram que a não inferioridade da QT neo quando comparada à cirurgia primária não pôde ser confirmada.

O segundo estudo apresentado na ASCO18 foi o italiano SCORPION, delineado para testar a superioridade de QT neo vs cirurgia primária em pacientes com grande volume tumoral baseado no escore laparoscópico (≥8). Um total de 171 pacientes foram randomizadas, sendo citorredução com doença residual <1cm em 92,8% (cirurgia primária) e 98,6% (QT neo). Houve maior taxa de complicações precoces e tardias no grupo submetido à cirurgia primária, dado que já havia sido publicado previamente. As sobrevidas medianas global e livre de doença para cirurgia primária e QT neo foram de 41 meses vs. não alcançada e 14 vs 15 meses, respectivamente, sem diferença estatisticamente significativa nos dois casos. Os dois estudos corroboram a necessidade de melhor seleção para as pacientes no que se refere à escolha entre QT neo ou cirurgia primária.

Na contramão dos resultados do estudo DESKTOPIII, vieram os resultados do GOG 213 sobre o papel da citorredução na recidiva (secundária) do câncer de ovário. Foram incluídas 485 pacientes com intervalo >6 meses para recidiva (platina sensível) para citorredução secundária vs. quimioterapia (QT). Receberam citorredução completa 68% das pacientes. Após 34 meses de seguimento mediano, não houve diferença estatisticamente significativa para sobrevida livre de doença e global entre os grupos citorredução vs. QT, sendo 18,2 vs. 16,5 meses e 53 vs. 65 meses, respectivamente. Apesar de haver diferença em sobrevida livre de doença entre os grupos com citorredução completa e QT (21 vs. 13 meses), não houve diferença estatisticamente significativa para sobrevida global quando comparados esses grupos (55 vs. 65 meses). Importante destacar algumas singularidades do estudo: a sobrevida do grupo de QT foi acima do esperado, a taxa de citorredução completa foi adequada mesmo sem uso de escores preditivos (no DESKTOPIII, 72,5%) e a alta taxa de uso de Bevacizumab (84%) em comparação ao estudo DESKTOPIII (20%). Esse estudo coloca em xeque o papel da cirurgia no câncer de ovário recidivado e aumenta a expectativa acerca dos resultados de sobrevida global do estudo DESKTOPIII.

Sobre HIPEC em CEO, a NEJM publicou em 2018 o estudo holandês, com resultados que trazem novamente à cena a discussão da quimioterapia intraperitoneal e da quimioterapia hipertérmica. No estudo de van Driel e col. foram incluídas 245 pacientes submetidas a QT neo e citorredução de intervalo ± HIPEC. Foram encontradas sobrevida livre de doença e global a favor do grupo que recebeu HIPEC, sendo 10,2 vs. 14,2 meses (p=0,003) e 33,9 vs. 45,7 meses (P=0,02), respectivamente. (LEI A ÍNTEGRA). Porém alguns questionamentos são necessários: as sobrevidas do grupo sem HIPEC foram abaixo do esperado, a randomização foi realizada antes da cirurgia, não são claros os critérios para indicação de QT neo, a diferença entre os 2 grupos foi de apenas 15 óbitos e com poder estatístico (1-β) de 80%, há diferença entre a distribuição das variáveis clinicopatológicas (tipo histológicos, ciclos de QT) e ainda os resultados de morbidade não são claros. De qualquer forma é um importante estudo e que coloca a HIPEC no arsenal do tratamento do câncer de ovário.

Em leiomiossarcoma, contexto de escassas possibilidades, infelizmente não foi conseguido progresso. Foram apresentados os resultados do Gynecologic Oncology Group (GOG) 277, estudo que avaliou papel de poliquimioterapia adjuvante com docetaxel e gencitabina por quatro ciclos, seguidos por doxorrubicina por quatro ciclos adicionais, em mulheres com leiomiossarcoma confinado ao útero, de alto grau. O estudo foi realizado pelo NCI em colaboração internacional, e contou com a participação de 701 centros. Apesar desse esforço coletivo, foram recrutados apenas 38 pacientes dos 216 planejados entre junho/2012 e setembro/2016, tendo sido encerrado por não atingir as metas de recrutamento. Das pacientes randomizadas, 20 foram para o braço da quimioterapia (QT) e 18 para observação (OBS), sendo que três pacientes do braço QT não receberam tratamento. Ocorreram 06 óbitos (5- QT, 1- OBS), todos relacionados a progressão da doença, e em 48 meses a SG das pacientes que receberam QT foi de 34.3 meses (IC 95%: 25.3– 43.3 meses) versus 46.4 meses no braço OBS (IC 95%: 43.6– 49.1 meses). Ocorreram 08 recorrências em cada braço e a sobrevida livre de recorrência (SLR) foi de 18,1 meses (IC 95%: 14.2– 22.0 meses) no braço da QT versus 14,6 mos (IC 95%: 10.3– 19.0 meses). Nenhuma das comparações foram estatisticamente robustas devido ao reduzido tamanho da amostra e número total de eventos. Além de não se mostrar superior, o braço da QT foi mais tóxico, com 47% das pacientes apresentando toxicidade graus 3/4 versus apenas uma paciente no braço OBS (hipertensão grau 3). Por fim, apesar do reduzido tamanho da amostra e do pequeno número de eventos, os  dados sugerem que os desfechos SG e SLP não são superiores entre pacientes tratadas com quimioterapia adjuvante, e que portanto, oferecer observação à essa população é  mais apropriado.

 


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