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AtualizadoQui, 18 Abr 2024 6pm

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Daichii Sankyo

 

Caminhos da assistência: da pesquisa clínica ao custo do acesso

ON22 PG6 PESQUISA 2 BXStephanie Annett, pesquisadora do departamento de terapia celular e molecular do Royal College of Surgeons da Irlanda, é autora de artigo que discute o modelo de pesquisa e desenvolvimento das farmacêuticas, drogas de alto custo e o papel do financiamento público. O assunto nunca esteve tão atual, agora que a Anvisa aprovou no Brasil o registro do medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma, da Novartis, com indicação pediátrica para atrofia muscular espinhal1.

“O recorde para o medicamento mais caro foi quebrado, com US $ 2,1 milhões por paciente. O alto custo dos novos medicamentos é justificado pela indústria farmacêutica como uma despesa necessária para manter os custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). No entanto, isso não leva em conta que, globalmente, o público paga entre um e dois terços dos custos iniciais de P&D por meio de impostos ou doações. Os governos estão efetivamente pagando duas vezes pelos medicamentos, primeiro por meio de P&D e depois pelo alto custo pago mediante aprovação. O alto custo dos medicamentos distorce as prioridades de pesquisa, enfatizando ganhos financeiros e não ganhos em saúde”2, critica a autora.

Ao discutir o atual modelo de desenvolvimento de medicamentos baseado em patentes, o artigo aborda questões centrais em torno do ambiente de pesquisa, percorrendo perspectivas da inovação e desenvolvimento, necessidades de saúde pública e acesso a medicamentos.

“Essa pesquisa é financiada em grande parte pelo setor público e conduzida principalmente no ambiente acadêmico ou em  institutos governamentais. O financiamento do setor privado  avança nos medicamentos que são potencial candidatos a processos de aprovação regulatória”, prossegue o estudo irlandês.

Em uma linha do tempo que destaca grandes avanços científicos da segunda metade do século XX, a pesquisadora lembra da vacina contra a poliomielite, do coquetel antirretroviral, “que transformou a AIDS de uma sentença de morte em uma doença crônica”, e do desenvolvimento de novas terapias para o tratamento do câncer, hoje baseadas em descobertas genômicas. Paradoxalmente, o problema é que tanto progresso tem deixado cada vez mais pacientes sem acesso.

“O Zolgensma, por exemplo, custa mais de US$ 2 milhões nos Estados Unidos, por tratamento. Tem indicação para uma doença com uma prevalência muito baixa, mas é um risco imenso para um país pobre ou em desenvolvimento ter que tratar um paciente com essa condição”, analisa o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador da Anvisa e nome de relevo em regulação sanitária. “O remédio cura, mas esse custo de US$2 milhões teria que ser explicado pela indústria”, diz.

O valor da inovação ficou mesmo caro demais e tem pressionado sistemas de saúde do mundo inteiro. Na oncologia, a crítica é antiga e agora ganha repercussão na voz do diretor-geral da EORTC (European Organisation for Research and Treatment of Cancer), Denis Lacombe, hoje à frente da maior organização europeia de pesquisa em câncer. Lacombe coordenou um grande estudo qualitativo e depois de ouvir especialistas em 10 estados-membros, os resultados do survey promovido pela EORTC com apoio da agência europeia de medicamentos (EMA) prometem impactar o ambiente de pesquisa clínica.

“O atual paradigma de desenvolvimento é muito "centrado nas drogas" e não leva suficientemente em consideração os pacientes que receberão a nova terapia. Isso levou ao surgimento de uma pesquisa que traz um gap entre o desenvolvimento de medicamentos antes da aprovação e seu uso pós-aprovação em condições reais”, diz o relatório publicado com a chancela do Panel for the Future of Science and Technology (STOA), especializado na análise de tecnologias sanitárias3.

Segundo o documento, a ponte para fazer a transição para um foco verdadeiramente centrado no paciente passa por otimizar o tratamento e o desenvolvimento de novas drogas.

E enquanto a Europa debate saídas para reconciliar Ciência, Estado e Sociedade,  especialistas e autoridades norte-americanas também discutem limites para o valor dos oncológicos. “A mudança transformadora exige que todas as partes interessadas sejam forçadas, por um mandato legislativo ou administrativo, a chegar a um acordo sobre valor. Se os formuladores de políticas tiverem de fato  esse empenho,  isso será determinante para realmente mudarmos a trajetória de custo dessas drogas, atualmente insustentável”. A afirmação é dos oncologistas Blase Polite e Ajay Major, da Universidade de Chicago,  em artigo na edição de agosto do The Cancer Journal4Com uma edição inteiramente dedicada ao debate de custo e valor na oncologia, o periódico examina diferentes perspectivas – a visão da indústria farmacêutica, de oncologistas, fontes pagadoras, analistas de farmacoeconomia e a moldura regulatória.

No Brasil, não faltam caminhos inspiradores. “Em 1996, contrariando todo o descrédito e vencendo todo o pessimismo, nós conseguimos incorporar o coquetel para o tratamento da AIDS. E que receita foi essa? Nós usamos a capacidade de produção dos laboratórios públicos, copiamos e produzimos medicamentos; usamos licenciamento compulsório de patentes e nossa capacidade de importação. O governo federal dialogou amplamente com outros países produtores e dialogou igualmente com as grandes indústrias farmacêuticas multinacionais. Foi um jogo duro, que envolveu vários jogadores. E deu certo”, recorda Vecina Neto.

Para o médico Roger Chammas, coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), questões como essas são um chamado para uma ação centrada na valoração da atividade de pesquisa. “Que valor é atribuído a uma descoberta? Como a partir dele podemos determinar de maneira transparente o custo de uma inovação e, consequentemente, balizar o preço?’, analisa o especialista. “A Universidade precisa saber atribuir valor a uma inovação. E a indústria igualmente, porque as farmacêuticas também não sabem e o que se faz hoje é um ágio muito grande. Se estamos pensando em justiça social, em uma ciência que sirva à sociedade, precisamos pensar nessa perspectiva”, propõe.

Nem mais, nem menos: o necessário

Iniciativas da ASCO e da ESMO já sinalizaram a importância de critérios bem definidos para equilibrar inovação e acesso, a exemplo das escalas de magnitude de benefício clínico5 e da ASCO Value Framework6, que representaram e um passo adiante para nortear os caminhos da oncologia de precisão. 
A iniciativa Choosing Wisely7 é outro esforço global para engajar médicos e pacientes em diálogos que reflitam sobre sustentabilidade e o excesso de intervenções em saúde. A campanha começou em 2012 nos Estados Unidos, inicialmente abrigada pela ABIN (American Board of Internal Medicine), e hoje está em mais de 20 países. “Há um excesso de testes, um excesso de procedimentos”, critica Guilherme Barcellos, que representa o movimento no Brasil.  Além de desperdiçar os recursos da Saúde, é uma prática que põe em xeque a própria segurança do paciente”, sustenta.

Leia mais: 

Por caminhos mais sustentáveis para inovação e acesso
Como resgatar o valor da ciência
Custo e valor no tratamento do câncer

Referências:

1 - http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/aprovado-registro-de-produto-de-terapia-genica/219201/pop_up?inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fportal.anvisa.gov.br%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dpop_up%26p_p_mode%3Dview%26_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_struts_action%3D%252Fasset_publisher%252Fview

2 - Annett, Stephanie. (2020). Pharmaceutical drug development: high drug prices and the hidden role of public funding. Biologia Futura. 10.1007/s42977-020-00025-5.

3 - Treatment optimisation in drug development. Disponível em https://www.europarl.europa.eu/stoa/en/document/EPRS_STU(2020)641511

4 - Major, Ajay MD, MBA; Polite, Blase N. MD, MPP Bending Versus Transforming the Drug Cost Curve, The Cancer Journal: 7/8 2020 - Volume 26 - Issue 4 - p 304-310 doi: 10.1097/PPO.0000000000000458

5 - Schnipper, L. E., Davidson, N. E., Wollins, D. S., Tyne, C., Blayney, D. W., Blum, D., … Schilsky, R. L. (2015). American Society of Clinical Oncology Statement: A Conceptual Framework to Assess the Value of Cancer Treatment Options. Journal of Clinical Oncology, 33(23), 2563–2577. doi:10.1200/jco.2015.61.6706

6 - Cherny, N. I., Dafni, U., Bogaerts, J., Latino, N. J., Pentheroudakis, G., Douillard, J.-Y., … de Vries, E. G. E. (2017). ESMO-Magnitude of Clinical Benefit Scale version 1.1. Annals of Oncology, 28(10), 2340–2366. doi:10.1093/annonc/mdx310

7 - https://proqualis.net/p%C3%A1ginas/choosing-wisely-brasil

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