Perfil epidemiológico do melanoma da mucosa no Brasil

daniel cohen 2019 bxO estomatologista Daniel Cohen (foto), pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (INCA), é primeiro autor de trabalho publicado na Scientific Reports1 que traça um perfil epidemiológico do melanoma da mucosa no Brasil, com ênfase nos preditores de morte precoce da doença. “Os dados epidemiológicos dos melanomas das mucosas no Brasil são escassos, daí a motivação para a realização deste trabalho de pesquisa”, afirmam os autores.

Os melanomas da mucosa são neoplasias malignas primárias originadas de melanócitos nas membranas mucosas de qualquer parte do revestimento da superfície da mucosa, mais comumente na mucosa da cavidade nasal e seios da face, cavidade oral, lábios, faringe, vulva, vagina, colo uterino e anorretal. O melanoma da mucosa é raro e representa aproximadamente 1% de todos os casos de melanoma2. Além disso, a doença tem um prognóstico terrível, com uma taxa de sobrevida em cinco anos de apenas 25% em comparação com 80% nos melanomas cutâneos2,3.

Métodos

O estudo de coorte retrospectivo considerou pacientes diagnosticados com melanoma da mucosa entre 2000 e 2016. As informações do registro hospitalar de câncer hospitalar foram obtidas por meio do Sistema Integrador (Instituto Nacional do Câncer - INCA) e do Registro de Câncer do Hospital de São Paulo (Fundação Oncocentro). O banco de dados final incluiu informações de 310 hospitais de câncer dos 25 estados e do Distrito Federal. Os dados foram obtidos em 7 de agosto de 2018, e não houve revisão patológica central.

Os pacientes foram acompanhados até o final do primeiro ciclo de tratamento (INCA) ou 12 meses (Fundação Oncocentro). Foram coletadas as seguintes variáveis: idade ao diagnóstico, gênero, ano do diagnóstico, localização anatômica e tipo histológico, estágio clínico no diagnóstico (Melanoma localizado - estágios I e II versus metástases regionais ou distantes - estágios III, com metástases linfonodais e IV, com metástases distantes), tempo desde o diagnóstico até o tratamento (≤60 dias versus> 60 dias), terapia de primeiro curso (cirurgia, quimioterapia, radioterapia) e status ao final do primeiro curso de tratamento. O desfecho considerado foi a morte precoce, definida como morte antes do final do primeiro tratamento ou antes de 12 meses.

Resultados

Um total de 801 pacientes foram incluídos na análise. A ressecção cirúrgica é frequentemente a primeira abordagem aos tumores primários (65,3%), embora a utilidade da cirurgia linfonodal e da radioterapia não estejam bem estabelecidas. Estágio avançado foi observado em mais de dois terços dos pacientes.

A vulva, a vagina e o colo uterino são os locais mais prevalentes com 33,7% dos casos, seguidos pelos lábios, cavidade oral e faringe (23,1%), anal e retal (17,9%) e mucosas nasais e paranasais (17,7%).

Nos homens, a localização anatômica mais frequente do melanoma da mucosa foi labial, cavidade oral e faríngea, com 93 (35,6%) dos 261 casos. Por outro lado, as mulheres apresentaram 270 (50,0%) casos relacionados à vulva, vagina e colo do útero em 540 casos. Os pacientes apresentam melanoma da mucosa geralmente em idade mais avançada, principalmente de 50 a 79 anos (dois terços dos casos). Um total de 26% dos pacientes apresentou a doença entre 60 a 69 anos.

Mais de dois terços dos pacientes apresentavam metástases regionais ou distantes no momento do diagnóstico. A maioria dos casos, variando de 76,9% no melanoma da mucosa anorretal a 89,2% no melanoma da mucosa labial, faríngeo e oral, recebeu qualquer tipo de tratamento. As modalidades de tratamento foram cirurgia combinada com outra modalidade em qualquer momento (65,3%), radioterapia combinada com outra modalidade a qualquer momento (36,9%) e quimioterapia combinada com outra modalidade a qualquer momento (31,7%).

A mortalidade por melanoma da mucosa antes do final do primeiro tratamento ou antes de 12 meses no Brasil variou de 17,1% na mucosa nasal e paranasal a 44,1% nos órgãos digestivos, trato respiratório e órgãos intratorácicos, pênis e outros órgãos do trato urinário masculino não especificado, trato geniturinário, peritônio e retroperitônio. Em relação ao status dos pacientes no final do primeiro ciclo de tratamento, a doença progressiva, a doença recidivada ou a morte foram as mais altas (68,9%) no melanoma da mucosa anorretal; e remissão parcial, doença estável e resposta completa atingiu 63,0% nos melanomas da mucosa nasais e paranasais.

A morte precoce foi observada em 28,3%. Os casos de melanoma da mucosa com metástases regionais ou distantes, bem como aqueles localizados em locais incomuns, tiveram risco quase quatro vezes maior de morte precoce. Além disso, os melanomas da mucosa localizados nos lábios, cavidade oral e faringe e os que receberam quimioterapia tiveram duas vezes mais risco de morte precoce.

Casos de MM com metástases regionais ou distantes, bem como aqueles localizados nos órgãos digestivos, trato respiratório e órgãos intratorácicos, pênis e outro trato urinário masculino não especificado, trato geniturinário, peritônio e retroperitônio não especificados tiveram risco quase quatro vezes maior de morte precoce.

Além disso, melanoma da mucosa localizados nos lábios, cavidade oral e faringe e aqueles que receberam quimioterapia tiveram 2 vezes, melanoma da mucosa anal e retal 2,6 vezes e melanoma da mucosa em locais incomuns tiveram 3,8 vezes mais risco de morte precoce do que melanoma da mucosa nasal e paranasal. Quando faltava o estágio clínico, o risco de morte era 3 vezes maior.

Referências:

1 - Cohen Goldemberg, D., de Melo, A.C., de Melo Pino, L.C. et al. Epidemiological profile of mucosal melanoma in Brazil. Sci Rep 10, 505 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-019-57253-6 

2 - Ballester Sanchez, R., de Unamuno Bustos, B., Navarro Mira, M. & Botella Estrada, R. melanoma: an update. Actas Dermosifiliogr. 106, 96–103 (2015). 

3 - Mihajlovic, M., Vlajkovic, S., Jovanovic, P. & Stefanovic, V. Primary mucosal melanomas: A comprehensive review. Int. J. Clin. Exp. Pathol. 5, 739–753 (2012).