Fadiga em sobreviventes de câncer de mama

azambuja ok bxEstudo apresentado no ESMO Breast Cancer Virtual Meeting 2020, realizado nos dias 23 e 24 de maio, demonstrou que a fadiga relacionada ao câncer entre sobreviventes de câncer de mama precoce é um assunto negligenciado. “A fadiga relacionada ao câncer acomete uma a cada três mulheres e muitas vezes não é um assunto abordado em consultas de rotina. Esses resultados reforçam a necessidade de discutir diferentes métodos para ajudar essas pacientes”, observa o oncologista Evandro de Azambuja (foto), do Institut Jules Bordet, em Bruxelas, Bélgica.

A fadiga relacionada ao câncer (do inglês, CRF – Cancer-related fatigue) é altamente prevalente no câncer de mama precoce. Diversas meta-análises mostraram que a atividade física e intervenções psicossociais são estratégias eficazes e recomendadas para seu gerenciamento. Alguns estudos randomizados sugerem ainda o uso da acupuntura, enquanto não existem dados mostrando os benefícios da homeopatia para a CRF.

No estudo, os pesquisadores avaliaram a aceitação e utilização das recomendações de atividade física e cuidados de suporte entre as sobreviventes de câncer de mama precoce no mundo real. O trabalho se baseou em dados do estudo de coorte CANTO2, que avaliou toxicidades a longo prazo em mais de 10 mil pacientes com câncer de mama precoce tratadas em 26 centros de câncer na França por pelo menos cinco anos a partir do diagnóstico. Foram incluídas na análise apenas mulheres que concluíram o tratamento primário e estavam livres de doença, grupo que examinou a utilização das estratégias  para tratar a fadiga durante 12 meses após a avaliação no baseline.

Métodos e resultados

Pacientes com câncer de mama estágios I-III foram incluídas prospectivamente na coorte CANTO (NCT01993498). A fadiga relacionada ao câncer  foi avaliada no baseline e logo após o tratamento com o questionário EORTC-C30 para a CRF global e o questionário EORTC-FA12 para seus domínios físico, emocional e cognitivo. Uma pontuação de 40 ou superior definiu a fadiga relacionada ao câncer como severa (Abrahams HJ, Ann Oncol 2016). Os dados sobre a adesão às recomendações de atividade física (10 horas-MET/semana ou mais) e as consultas de cuidados de suporte com um psicólogo, acupunturista ou homeopata foram coletadas no CANTO e, portanto, serviram como resultados.

Entre 9691 pacientes incluídas no CANTO, 6282 apresentavam dados sobre atividade física e 7598 pacientes dispunham de dados sobre consultas em cuidados de suporte. No baseline, 36% das pacientes relataram fadiga global severa e 36%, 23% e 14% relataram fadiga física, emocional e cognitiva severas, respectivamente. No geral, 64% das pacientes aderiram às recomendações de atividade física e apenas 10% das pacientes se consultaram com um psicólogo, enquanto 8% foram atendidas por acupunturista e 7% por  homeopata.

As pacientes que relataram CRF global severa (vs não severa) tiveram menor probabilidade de aderir às recomendações de atividade física (60% v 67%; adjusted odds ratio [aOR] 0,82, 95% CI 0,72-0,94), mas com maior probabilidade de procurar um psicólogo (14 % v 7%; aOR 1,31, 1,07-1,59), acupunturista (10% v 6%; aOR 1,51, 1,22-1,86) ou homeopata (10% v 6%; aOR 1,55, 1,25-1,92).

Os resultados também demonstraram diferenças na utilização de atividade física e cuidados de suporte por domínio da fadiga relacionada ao câncer: as pacientes que relataram CRF física severa apresentaram menor adesão à atividade física (59% v 67%; aOR 0,73, 0,63-0,85), enquanto as pacientes com CRF emocional severa foram mais propensas a participar de consultas com psicólogos (17% v 8%; aOR 1,41, 1,10-1,82).

"A maioria dos participantes do estudo (64%) cumpriu as recomendações de atividade física no ano seguinte, mas uma proporção preocupante de mulheres (36%) não foi suficientemente ativa ou foi completamente inativa durante esse período", observou Antonio Di Meglio, do Gustave Roussy, em Villejuif, França, primeiro autor do estudo."Precisamos trabalhar mais para incentivar as pacientes a permanecerem ativas e fazê-las entender que, mesmo que pareça contraditório, é o exercício, e não o descanso, que as ajudará a superar o cansaço", acrescentou.

Di Meglio destaca ainda a baixa utilização geral de cuidados de suporte relatada nessa população de pacientes. "Chama a atenção as mesmas taxas de utilização de estratégias para as quais temos evidências robustas, como psicoterapia, daquelas que não temos dados suficientes de eficácia e, portanto, não podemos recomendar, como homeopatia. Precisamos garantir que essas mulheres sejam instruídas sobre as opções para reduzir a fadiga. Uma orientação mais adequada pode ajudar a diminuir os medos e estigmas que ainda são frequentemente associados a intervenções psicossociais", salientou.

O estudo está registrado em Clinical trial identification: NCT01993498.

Referências:

1 - Abstract 183O 'Use of physical activity (PA) and supportive care (SC) among patients (pts) with early breast cancer (BC) reporting cancer-related fatigue (CRF)' will be presented by Antonio Di Meglio during the Proffered Paper session 1 on Saturday, 23 May, 12:45 to 14:15 (CET) on Channel 1. 
Annals of Oncology, Volume 31, Supplement 2, May 2020 

2 - CANTO cohort study: https://esmoopen.bmj.com/content/4/5/e000562