Padrões de tratamento no mCPRC e genes de reparo de recombinação homóloga

bernardo garicocheaA triagem precoce das mutações nos genes de reparo de recombinação homóloga (HRR), especialmente BRCA1/2, é fundamental para melhorar o prognóstico do paciente com câncer de próstata metastático resistente a castração (mCPRC), possibilitando tratamento direcionado e melhor prognóstico. É o que mostra estudo de Olmos et al, que corrobora a base de evidências e amplia a compreensão sobre alterações de HRR e os resultados no tratamento do mCPRC. “Fica a forte recomendação para que a testagem se universalize e se torne mais acessível”, destaca o oncologista e oncogeneticista Bernardo Garicochea (foto), que comenta o trabalho.

O câncer de próstata é uma doença heterogênea tanto em nível molecular quanto clínico e até 30% dos pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração (mCPRC) apresentam alterações nos genes de reparo do DNA, mais frequentemente naqueles relacionados aos genes de reparo de recombinação homóloga (HRR).

Neste estudo (CAPTURE), o objetivo foi investigar a prevalência de alterações somáticas/ germinativas de HRR, particularmente BRCA1/2, em pacientes com mCPRC que iniciam tratamento de primeira linha (1L) com inibidores de sinalização de receptores androgênicos (ARSi) ou taxanos, assim como os resultados associados.

Os dados de 729 pacientes com mCPRC foram agrupados a partir de quatro estudos multicêntricos observacionais. A elegibilidade exigia tratamento de primeira linha com ARSi ou taxanos, amostras de tumor adequadas e resultados de painel de biomarcadores.

Os pacientes foram submetidos a análises pareadas de DNA normal e tumoral por sequenciamento de próxima geração usando um painel genético personalizado incluindo ATM, BRCA1, BRCA2, BRIP1, CDK12, CHEK2, FANCA, HDAC2, PALB2, RAD51B e RAD54L.

Os pacientes foram divididos em subgrupos com base nas alterações somáticas/germinativas: com mutações BRCA1/2 (BRCA); com mutações de HRR exceto BRCA1/2 (HRR não BRCA) e sem alterações de HRR (não HRR). Pacientes sem mutações BRCA1/2 foram classificados como não-BRCA. Os pesquisadores avaliaram a sobrevida livre de progressão radiográfica (rSLP), a sobrevida livre de progressão 2 (SLP2) e a sobrevida global (SG).

Dos 729 pacientes, 96 (13,2%), 127 (17,4%) e 506 (69,4%) estavam nos subgrupos BRCA, HRR não-BRCA e não-HRR, respectivamente. Os autores descrevem que pacientes com BRCA tiveram desempenho significativamente pior para todos os desfechos em relação àqueles sem HRR ou não-BRCA (P<0,05), enquanto a SLP2 e a SG foram significativamente menores para pacientes com mutações BRCA em relação àqueles com HRR não-BRCA (P<0,05). Os pacientes com HRR não-BRCA também apresentaram rSLP, SLP2 e SG significativamente piores do que aqueles sem HRR. Análises exploratórias sugeriram que, para pacientes com BRCA, não houve diferenças significativas nos resultados associados à escolha do tratamento de primeira linha (ARSi ou taxanos) ou à origem somática/germinativa das alterações.

Em conclusão, resultados piores foram observados para pacientes com mCPRC no subgrupo BRCA em comparação com subgrupos não-BRCA, seja HRR não-BRCA ou não-HRR. Apesar de sua heterogeneidade, o subgrupo HRR não BRCA apresentou piores resultados que o subgrupo não HRR. “A triagem precoce de mutações de HRR, especialmente BRCA1/2, é fundamental para melhorar o prognóstico do paciente com mCPRC”, concluem os autores.

Olmos et al lembram que os inibidores de PARP demonstraram eficácia significativa e benefício clínico em pacientes com mCPRC com alterações em certos genes relacionados a danos de reparo do DNA direta ou indiretamente relacionados a HRR, particularmente alterações no BRCA1/2.

A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto.

O estudo em contexto

Por Bernardo Garicochea, oncologista, hematologista e oncogeneticista do Grupo Oncoclínicas  

Umas das indicações de testagem germinativa obrigatória é em pacientes com câncer de próstata avançado ou com doença metastática ao diagnóstico.

Diversos estudos populacionais na última década demonstraram não apenas uma frequência elevada de perda de função em genes de reparo de recombinação homologa (HRR), como também resultados positivos ao uso de inibidores de PARP nesse grupo de indivíduos. Esse achado foi uma das grandes descobertas médicas em câncer de próstata na década passada e, imediatamente, levantou uma série de perguntas que teriam aplicação prática imediata: Todos os casos de perda de função em genes HRR respondem da mesma forma a olaparibe? Mutações nesses genes resultam em alteração no prognóstico da doença? Em que momento o teste deveria ser feito?

Alterações somáticas e germinativas em HRR são idênticas em termos de resposta a olaparibe e em termos de prognóstico. Infelizmente, diferentes metodologias foram usadas para responder essas perguntas e, apesar dos resultados apontarem para uma certa direção, a discrepância era muito grande de estudo para estudo. Por exemplo, dois estudos clássicos, PROFOUND e PREVALENCE, acharam alterações em genes HRR em câncer de próstata avançado em 30 e 14% dos casos respectivamente.

O presente estudo tentou responder a várias dessas perguntas, trabalhando com a base de dados multicêntrica CAPTURE, que usa dados de quatro estudos publicados previamente.  Algumas conclusões são realmente valiosas. Inicialmente, os autores se detiveram em casos com doença metastática castração resistente tratados com taxano ou ARSi. Esses pacientes foram divididos em três grupos: aqueles com alteração em BRCA1 ou 2, pacientes com deficiência de HRR, mas sem mutações em BRCA1 e 2 e pacientes sem mutações em HRR. Claramente, o grupo BRCA é o que tem prognóstico mais comprometido, com sobrevida livre de progressão e sobrevida geral muito menor do que os grupos com mutações em HRR ou os grupos sem mutações. Outro achado importante, é que a progressão é mais rápida, independente do uso de taxanos ou ARSi. Alterações somáticas e germinativas em BRCA1 e 2 afetavam os desfechos de prognóstico da mesma forma.

Outro dado interessante é que a presença de comprometimento de HRR não envolvendo BRCA 1 e 2 também se reflete em prognóstico pior quando comparado com casos sem alterações em HRR, mas essa piora nos desfechos foi menos intensa que em BRCA1 e BRCA2 mutantes. Não houve amostragem suficiente para mostrar que BRCA2 seria de prognóstico pior que BRCA1, como estudos prévios sugeriram (TRITON 3), e o estudo também não teve poder para avaliar o tamanho do benefício do uso de olaparibe no grupo isolado de BRCA1 e 2, mas com o que aprendemos com estudos prévios, como PROPEL, MAGNITUDE e TALAPRO-2, o uso precoce da droga deve ter um impacto mais acentuado nos pacientes com mutações BRCA1 e 2.

Assim, esse estudo mostra como é indispensável testar os pacientes com doença avançada mesmo antes de iniciar ARSi ou taxano, já que eles podem ter grandes benefícios com a combinação com inibidor de PARP. Cerca de 30% dos pacientes com mCRPC apresentam alteração em pelo menos um gene HRR e 43% desses tinham alteração em BRCA1 e 2 (13% do total). A pesquisa germinativa e somática é importantes e o papel de outras alterações genéticas HRR não motivam ainda a modificação nas linhas de tratamento.

Fica a forte recomendação para que a testagem se universalize e se torne mais acessível, pelo menos para BRCA1 e BRCA2 em pacientes com câncer de próstata avançado. Esse procedimento pode oportunizar tratamentos muito mais eficazes e sem desperdício para o grupo certo de pacientes.

Referência: Open Access Published: February 26, 2024DOI:https://doi.org/10.1016/j.annonc.2024.01.011