O alto valor de TILs (>= 17%) e a presença de comedonecrose foram independentemente associados à recorrência do carcinoma ductal in situ da mama. Os resultados são de estudo brasileiro selecionado para apresentação no SABCS 2023. O estudo é fruto da tese de mestrado de Camila Pasetto, e tem o mastologista Rodrigo Gonçalves, orientador do Programa de Pós-Graduação da USP, como autor sênior.

“O carcinoma ductal in situ (CDIS) representa cerca de 20% dos diagnósticos iniciais de câncer de mama em todo o mundo. Alguns estudos avaliaram fatores de risco associados à recorrência do CDIS. Dentre estes, destacam-se idade, margens cirúrgicas, comedonecrose (CN), alto grau nuclear, receptores hormonais negativos e expressão de HER2. Abordagens recentes também têm avaliado o papel do microambiente imunológico e sua associação com a recorrência e progressão do CDIS”, contextualizaram os autores.

Nesse estudo, o objetivo foi avaliar a associação entre linfócitos tumorais infiltrantes (TILs) em amostras de CDIS e recorrência da doença. Os pesquisadores buscaram caracterizar o microambiente imunológico do CDIS, analisando a presença de TILs, “touching TILs” e reação desmoplásica e sua associação com recorrência. Também foram avaliadas características epidemiológicas, clínicas, histológicas e imunohistoquímicas (IHQ).

Este estudo de coorte retrospectivo foi realizado com pacientes diagnosticadas com carcinoma ductal in situ da mama tratadas no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Foram incluídas mulheres maiores de 18 anos com diagnóstico de CDIS tratadas entre janeiro de 2007 e dezembro de 2020. Foram excluídos pacientes do sexo masculino, pacientes com diagnóstico de doença invasiva ou microinvasiva no exame anatomopatológico da peça cirúrgica ou pacientes com história de qualquer neoplasia.

O endpoint primário foi a análise de sobrevida de acordo com a quantificação de TILs, ajustada para potenciais fatores de confusão. Para tanto, foram coletados dados sobre idade, presença de massa palpável, achados de imagem, características histológicas e imuno-histoquímicas como expressão de receptor de estrogênio (RE), receptor de progesterona (PR) e hiperexpressão de HER2, tipo de abordagem cirúrgica, tipo de radioterapia, uso de terapia endócrina, duração do acompanhamento, recorrência e seu tipo.

Dois patologistas avaliaram os TILs na amostra com maior representação tumoral e quantificaram-no numericamente em porcentagem. Avaliaram também a presença de “touching tils” (linfócitos em contato com a membrana basal) e reação desmoplásica no estroma tumoral. Curvas de Kaplan-Meier, testes log-rank e modelos de regressão de Cox foram utilizados para avaliar a sobrevida, e testes de qui-quadrado avaliaram a associação entre variáveis categóricas.

Resultados

Foram elegíveis 283 pacientes, com mediana de 55 anos de idade. 15% apresentavam nódulo palpável ao exame físico. Microcalcificações amorfas agrupadas foram a apresentação mamográfica mais prevalente, encontradas em 41% das pacientes. As características histológicas e imuno-histoquímicas mais frequentes foram apresentação cribriforme (73%) e positividade do receptor de estrogênio (86%), respectivamente.

A reação desmoplásica esteve ausente em 10,5%, discreta em 51,9%, moderada em 24% e intensa em 13,6% dos pacientes. A cirurgia conservadora da mama foi realizada em 189 pacientes, e 100 delas receberam radioterapia adjuvante. O seguimento médio foi de 77,2 meses, com taxa de recorrência de 9,2%. Os pesquisadores observaram que tumores com necrose focal (HR 6,4 [1,39-34,71] p 0,018) ou comedonecrose (HR 4,53 [1,34 – 15,28] p 0,015) apresentaram maiores riscos de recorrência.

As pacientes com um valor percentual de TILs superior ou igual a 17% também apresentaram maiores riscos de recorrência (HR 2,97 (1,17-7,51) p 0,02). A maioria desses pacientes tinha menos de 65 anos de idade (OR 0,45 [0,21 - 0,97] p 0,049). Num modelo multivariado, comedonecrose e TILs>17% permaneceram significativamente associados à recorrência (p=0,034 e p=0,035 respectivamente). Houve tendência de recorrência invasiva em 76,9% dos pacientes que recidivaram quando o valor de TILs foi maior ou igual a 17% (p 0,062). “Touching TILs” esteve presente em 12,9% dos pacientes, mas não foi associado à recorrência (p=0,575).

“Em nossa coorte, o alto valor de TILs (>= 17%) e a presença de comedonecrose foram independentemente associados à recorrência do CDIS. Nossos achados sugerem que os TILs são um biomarcador imunológico prognóstico no CDIS e justificam uma investigação mais aprofundada em ensaios prospectivos para determinar o ponto de corte mais adequado”, concluíram os autores.

O estudo contou com a participação dos pesquisadores Fernando Aguiar, Marcella Peixoto e Edmund Baracat, da Universidade de São Paulo (USP); Maira Doria, do Hospital Nossa Senhora das Graças; e Bruna Mota, Jonathan Maesaka, e Jose Roberto Filassi, do ICESP.