O oncologista André Murad (foto) analisa o ensaio LOGIC (Low-pass Genomic Instability Characterisation), que avalia um método sensível e específico para detectar a deficiência do sistema de reparo de incompatibilidade (MMR-D) em tecidos tumorais e normais com desempenho superior aos ensaios diagnósticos atualmente utilizados. Confira, em mais um tópico da coluna ‘Drops de Genômica’.
Por André Marcio Murad*
A deficiência de reparo genômico de incompatibilidade constitucional resulta em uma síndrome de predisposição ao câncer extremamente agressiva, na qual os portadores são acometidos por cânceres no início da vida, comumente neoplasias cerebrais, gastrointestinais e hematopoiéticas. Tanto a imunoterapia quanto a detecção precoce do câncer por meio de um protocolo de vigilância demonstraram recentemente melhorar a sobrevida desses pacientes. Portanto, uma ferramenta robusta e acessível para detecção da deficiência do sistema de reparo de incompatibilidade (MMR-D) em células tumorais e normais pode permitir tanto a terapia de precisão do câncer, quanto o aconselhamento genético para os pacientes e seus familiares.
O acúmulo de indels ou instabilidade de microssatélites (MSI) é uma característica única dos cânceres MMR-D e tem sido convencionalmente usado para diagnosticar esses tumores. Existem vários testes de diagnóstico baseados em MSI, como o painel por PCR ou Sanger que analisa cinco loci de microssatélites. No entanto, esses cinco loci não são suficientes para detectar MSI em tecidos não epiteliais, como malignidades cerebrais e hematopoiéticas, mesmo no contexto de deficiência de reparo de incompatibilidade constitucional. A análise de número maior de microssatélites pode alcançar melhor sensibilidade e especificidade.
Como o genoma humano abriga mais de 23 milhões de microssatélites, pesquisadores do Programa de Genética e Biologia Genômica do Hospital Sick Children de Toronto, Canadá, desenvolveram um novo ensaio denominado LOGIC (Low-pass Genomic Instability Characterisation) para testar o papel diagnóstico do sequenciamento do genoma de baixa cobertura simultaneamente em tecidos tumorais e normais. O desempenho diagnóstico do LOGIC foi comparado com o dos atuais ensaios estabelecidos, incluindo carga mutacional tumoral, imuno-histoquímica e o painel MSI. O LOGIC foi então aplicado a vários tecidos normais de pacientes com deficiência de reparo de incompatibilidade constitucional com dados clínicos abrangentes, incluindo a idade da apresentação do câncer.
O LOGIC foi 100% sensível e específico na detecção de MMR-D em cânceres pediátricos. Foi mais sensível do que o painel MSI (14%, p = 4,3 × 10−12), imuno-histoquímica (86%, p = 4,6 × 10−3) ou carga mutacional do tumor (80%, p = 9,1 × 10−4). Também se demonstrou capaz de distinguir a deficiência de reparo de incompatibilidade constitucional de outras síndromes de predisposição ao câncer usando DNA de sangue e saliva (p <0,0001).
Importante também ressaltar que o LOGIC é capaz de distinguir entre a síndrome de Lynch e a deficiência de reparo de incompatibilidade constitucional usando DNA de tecido não maligno (linhagem germinativa), pois os pacientes com síndrome de Lynch retêm a função MMR do alelo não afetado. A perda bialélica de MMR nas células de pacientes com deficiência de reparo de incompatibilidade constitucional é detectada como um aumento no escore do denominado “MMRDness”, em comparação com pacientes com Síndrome de Lynch. Isso é fundamental, dadas as diferenças na triagem e no manejo clínico entre as duas síndromes.
Em células normais, os escores de MMRDness diferiram entre os tecidos (gastrointestinal > sangue > cérebro), aumentaram ao longo do tempo no mesmo indivíduo e revelaram associações genótipo-fenótipo dentro dos genes de reparo de incompatibilidade. É importante salientar que o aumento do escore de MMRDness foi associado à idade mais jovem da primeira apresentação do câncer em indivíduos com deficiência de reparo de incompatibilidade constitucional (p = 2,2 × 10−5).
Portanto, o ensaio LOGIC é um método sensível e específico para medir a deficiência de reparo da replicação em tecidos tumorais e normais com desempenho superior aos ensaios diagnósticos atualmente usados. Esta ferramenta genômica funcional rápida, robusta e econômica pode ser usada na maioria dos laboratórios em todo o mundo e é especialmente vantajosa, pois permite a detecção rápida (96 amostras analisadas simultaneamente), robusta e de custo acessível da linhagem germinativa MMR-D. Isso contrasta com as ferramentas atuais que são complexas, mais caras e menos sensíveis.
(A) Comparação de TMB com LOGIC em suas habilidades para detectar deficiência de reparo de incompatibilidade em tumores clinicamente caracterizados.
(B) Comparação da capacidade diagnóstica de imuno-histoquímica, painel do Microssatélite Instability Analysis System, TMB e LOGIC em tumores com deficiência de reparo de incompatibilidade.
(C) Sensibilidade e especificidade das ferramentas de diagnóstico na detecção de MMR-D em cânceres pediátricos
*André Murad é diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), diretor clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada, professor adjunto coordenador da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, e oncologista e oncogeneticista da CETTRO Oncologia (DF)