O oncologista André Murad, diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP) e Diretor Clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada, explica quais as diferenças entre as mutações somáticas direcionadoras e de passagem.
Por André Murad
As mutações somáticas em um genoma de células cancerígenas podem abranger várias classes distintas de alteração da sequência de DNA. Isso inclui substituições de uma base por outra; inserções ou deleções de pequenos ou grandes segmentos de DNA; rearranjos, nos quais o DNA foi quebrado e depois se juntou a um segmento de DNA de outras partes do genoma; o número de cópias aumenta de duas cópias presentes no genoma diplóide normal, às vezes para várias centenas de cópias (conhecidas como amplificação de genes); e reduções no número de cópias que podem resultar na completa ausência de uma sequência de DNA do genoma do câncer.
Cada mutação somática em um genoma de células cancerígenas, independentemente de sua natureza estrutural, pode ser classificada de acordo com suas consequências para o desenvolvimento do câncer. As mutações chamadas de direcionadoras ("driver") conferem capacidade de crescimento e multiplicação às células que as transportam e foram selecionadas positivamente durante a evolução do câncer. Elas residem, por definição, no subconjunto de genes conhecidos como 'genes do câncer'. O restante das mutações são as chamadas de passagem ("passengers") que não conferem estímulo ao crescimento ou multiplicação celular, mas estavam presentes em um ancestral da célula cancerígena quando ela adquiriu uma de suas mutações direcionadoras.
O número de mutações direcionadoras é um parâmetro conceitual central do desenvolvimento do câncer. É altamente provável que a maioria dos cânceres tenha várias mutações direcionadoras e que o número varie entre os tipos de câncer. Com base nas estatísticas de incidência de idade, sugeriu-se que os cânceres epiteliais adultos comuns, como mama, colorretal e próstata, requeiram de 5 a 7 eventos limitantes da taxa, possivelmente equivalentes às mutações direcionadoras, enquanto os cânceres do sistema hematológico possam requerer um número menor. Essas estimativas são corroboradas por estudos experimentais que mostram que alterações de engenharia nas funções de pelo menos cinco ou seis genes em células humanas primárias normais são necessárias para convertê-las em células cancerígenas. No entanto, análises recentes de dados de mutações somáticas de cânceres indicam que o número de mutações direcionadoras pode ser muito maior.
Uma subclasse importante de mutações direcionadoras é a que confere resistência à terapia do câncer. Estas são tipicamente encontrados em recorrências de tumores que responderam inicialmente ao tratamento, mas que posteriormente se tornaram refratários. As mutações de resistência geralmente conferem sinalização de crescimento e multiplicação às células cancerígenas na ausência da terapia. Algumas precedem o tratamento, existindo como mutações de passagem em subclones menores da população de células cancerígenas até que o ambiente seletivo seja alterado pelo início da terapia. As mutações de passagem são convertidas em direcionadoras, e o subclone resistente se expande, ocasionando a sinalização molecular para a manifestação da recorrência tumoral.