O oncologista André Murad (foto) explica o RNA mitocondrial e sua correlação com o câncer invasivo, em mais um tópico da coluna ‘Drops de Genômica’. Confira.
Por André Marcio Murad*
As mitocôndrias são os fornecedores de energia das células. Pequenas e de estrutura semelhante a bactérias, elas possuem seus próprios genomas circulares e RNA. Isso inclui o (t)RNA de transferência, pequenas moléculas de RNA que ajudam o código genético no (m)RNA mensageiro a se tornar uma proteína utilizável.
Modificações na 5-metilcitosina do tRNA mitocondrial podem resultar em produção excessiva de mRNA mitocondrial, que por sua vez alimenta as etapas de metastatização do câncer, fornecendo energia para todo o processo. As células tumorais podem sobreviver utilizando uma fonte de energia alternativa através de um processo de glicólise, mas esta via é menos eficiente e pode até mesmo dificultar a disseminação das células malignas.
Por outro lado, modificações no RNA mitocondrial podem tornar mais provável que o câncer se dissemine, tornando-se metastático. A importância das modificações do RNA mitocondrial foi previamente estudada em certas doenças metabólicas, mas recentemente seu papel na disseminação do câncer tem ganhado atenção.
Estudos mais recentes identificaram que uma enzima, a metiltransferase NSUN3, é responsável por inúmeras modificações do tRNA. Quando esta enzima é desativada em uma linhagem de células tumorais, a disseminação metastática ocorre com muito menor intensidade. Quando um grupo de pacientes com câncer de cabeça e pescoço foi testado quanto à presença de níveis celulares elevados de NSUN3, estes, mais 5-metilcitosina, foram associados a metástases linfonodais e progressão mais grave da doença. Por outro lado, quando os pesquisadores bloquearam a ação de uma enzima responsável pelas alterações de RNA em linhagens de células tumorais no laboratório, eles descobriram que as metástases foram reduzidas. Eles também experimentaram antibióticos como cloranfenicol ou doxiciclina nas células cancerígenas, que são conhecidas por bloquear a produção de proteínas mitocondriais, mas não outras proteínas, e descobriram que a disseminação invasiva foi bloqueada.
Os investigadores também utilizaram um modelo de camundongo para demonstrar que antibióticos com capacidade de bloquear a síntese de proteínas mitocondriais, como cloranfenicol ou doxiciclina, podem ajudar a bloquear a disseminação do câncer e as metástases nos linfonodos da mesma forma que bloqueiam a ação da proteína NSUN3.
Por conseguinte, a inibição de NSUN3 é uma opção promissora de retardar a formação de metástases, porque a enzima é a única responsável pelo rótulo de RNA de 5-metilcitosina, promotor de metástases. No entanto, os potenciais efeitos colaterais de longo prazo do bloqueio da síntese de proteínas mitocondriais devem paralelamente ser melhor explorados.
*André Murad é diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), diretor clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada, professor adjunto coordenador da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, e oncologista e oncogeneticista da CETTRO Oncologia (DF)