Osimertinibe é um inibidor de tirosina quinase do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR-TKI) de terceira geração, de uso oral, hoje a espinha dorsal da estratégia de tratamento do paciente com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) com mutação do EGFR. Depois do estudo FLAURA, que demonstrou sobrevida global mediana de mais de 3 anos com osimertinibe em monoterapia, evidências do estudo FLAURA 2 mostram a eficácia e segurança da adição de osimertinibe à quimioterapia com platina-premetrexede, aumentando em quase 9 meses a SLP mediana, com redução de 38% no risco de progressão da doença ou morte.
A terapia-alvo osimertinibe inibe potente e seletivamente as mutações de sensibilização do EGFR-TKI e de resistência (EGFR T790M), com eficácia demonstrada no câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) com mutação do EGFR, inclusive em pacientes com metástases do sistema nervoso central (SNC).
No estudo FLAURA 2, um ensaio clínico aberto, internacional, de fase 3 (NCT04035486), foram inscritos pacientes com CPCNP localmente avançado ou metastático, com mutação do EGFR (deleção do exon 19 ou mutação L858R), sem tratamento prévio para doença avançada. Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1) para receber osimertinibe (80 mg uma vez ao dia) com quimioterapia (pemetrexede [500 mg por m2 de área de superfície corporal] mais cisplatina [75 mg/ m2] ou carboplatina [dose farmacologicamente orientada]) ou para receber monoterapia com osimertinibe (80 mg uma vez ao dia). O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP) avaliada pelo investigador (RECIST V1.1). A resposta e a segurança também foram avaliadas (Fig1).
Um total de 557 pacientes foram submetidos à randomização, com características bem equilibradas entre os braços de análise. Entre os participantes, 41% dos pacientes do ensaio FLAURA 2 tinham metástases cerebrais e 53% apresentavam metástases extratorácicas.
Os resultados foram relatados por Planchard, D. et al. na New England Journal of Medicine e mostram que a sobrevida livre de progressão avaliada pelo investigador foi significativamente maior no grupo osimertinibe-quimioterapia do que no grupo osimertinibe (razão de risco para progressão da doença ou morte, 0,62; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,49 a 0,79; P < 0,001). Aos 24 meses, 57% (IC de 95%, 50 a 63) dos pacientes no grupo osimertinibe-quimioterapia e 41% (IC de 95%, 35 a 47) daqueles no grupo osimertinibe estavam vivos e livres de progressão.
A SLP avaliada por revisão central independente cega foi consistente com a análise primária (razão de risco, 0,62; IC de 95%, 0,48 a 0,80). Uma resposta objetiva (completa ou parcial) foi observada em 83% dos pacientes no grupo osimertinibe-quimioterapia e em 76% daqueles no grupo osimertinibe; a duração mediana da resposta foi de 24,0 meses (IC de 95%, 20,9 a 27,8) e 15,3 meses (IC de 95%, 12,7 a 19,4), respectivamente.
“Houve um benefício significativo na adição de osimertinibe à quimioterapia de primeira linha, com ganho de 9 meses na SLP mediana. A magnitude do benefício entre pacientes com mutação L858R foi ainda maior, com ganho de 11 meses na SLP mediana (24,7 meses versus 13,9 meses)”, destaca Martha Mesquita, oncologista clínica da Rede D’Or, em Brasília (Fig 2).
No subgrupo com metástases de SNC, os resultados da adição de osimertinibe-quimioterapia também superam o braço-controle, alcançando SLP mediana de 24,9 meses versus 13,8 meses em favor da combinação. “Novamente a magnitude do benefício chama a atenção, com mediana de SLP de mais de 2 anos, o que representa um benefício muito importante para esses pacientes de pior prognóstico”, analisa. Após dois anos de acompanhamento, 73% dos pacientes tratados com esse esquema de combinação tiveram resposta no sistema nervoso central, contra 69% dos que receberam osimertinibe em monoterapia, e 59% alcançaram resposta completa.
Para Victor Rondim, oncologista do grupo Américas, no Rio de Janeiro, os dados do FLAURA 2 demonstram claramente o benefício da combinação de osimertinibe-quimioterapia e dão respaldo ao oncologista no momento de definir a estratégia inicial. “Graças a osimertinibe, temos a oportunidade de uma SLP muito longa até a progressão, assim como temos hoje a possibilidade de tratamento locorregional para oligoprogressões, mas sabemos que existem pacientes que vão demandar a intensificação do tratamento”, diz.
Em relação à segurança, a incidência de eventos adversos de grau 3 ou superior de qualquer causa foi maior com a combinação do que com a monoterapia — motivada por eventos adversos conhecidos relacionados à quimioterapia. O perfil de segurança de osimertinibe mais pemetrexede e um agente à base de platina foi consistente com os perfis estabelecidos dos agentes individuais.
Esses resultados de eficácia e segurança embasaram a decisão das principais autoridades reguladoras mundiais, inclusive a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de aprovar a terapia-alvo osimertinibe combinada à quimioterapia baseada em platina e pemetrexede como primeira linha de tratamento para pacientes com CPCNP avançado ou metastático com mutação do EGFR.
O câncer de pulmão permanece globalmente como a primeira causa de morte por câncer. No Brasil, segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de pulmão é o terceiro mais comum em homens (18.020 casos novos para cada ano do triênio de 2023 a 2025) e o quarto em mulheres (14.540 casos novos para cada ano do triênio de 2023 a 2025) - sem contar o câncer de pele não melanoma. Somente em 2020, o câncer de pulmão foi responsável por 28.618 mortes no Brasil.
Cerca de 84% dos casos de câncer de pulmão são descobertos em estágio avançado. Dos pacientes com CPCNP, aproximadamente 25% apresentam mutação do EGFR.
Novos dados apoiam osimertinibe em pacientes com alto volume de doença
Análise post-hoc apresentada na conferência mundial de câncer de pulmão (World Conference on Lung Cancer - WCLC 2024) mostrou a sobrevida livre de progressão de pacientes tratados com osimertinibe no ensaio FLAURA 2, de acordo com a carga tumoral basal (número de sítios anatômicos metastáticos).
Em pacientes com 3 ou mais sítios metastáticos, a adição de osimertinibe à quimioterapia resultou em SLP de 24, 9 meses versus 16,4 meses entre aqueles tratados exclusivamente com quimioterapia (HR (95% CI) 0.57 (0.43, 0.77). Em pacientes com presença de metástase em Sistema Nervoso Central (SNC), muitos deles também com metástase hepática e óssea desde o baseline, a adição de osimertinibe confirmou o benefício frente à quimioterapia isolada, com SLP de 24,9 vs 13,8 meses (HR (95% CI) 0.47 (0.33, 0.66), praticamente duplicando o benefício de sobrevida livre de progressão da doença nessa população com alto volume de doença.
Em vídeo:
FLAURA 2: Nova opção de intensificação de tratamento do CPNPC EGFRm 1ª linha
Os oncologistas Martha Tatiane Mesquita dos Santos, da Rede D’Or em Brasília, e Victor Braga Gondim Teixeira, do Américas Oncologia do Rio de Janeiro, discutem em vídeo a adição de Osimertinibe à quimioterapia como tratamento do câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) para pacientes com mutação do EGFR. Entre os estudos discutidos está a análise post-hoc apresentada na Conferência Mundial de Câncer de Pulmão (World Conference on Lung Cancer - WCLC 2024) que mostrou a sobrevida livre de progressão de pacientes tratados com osimertinibe + quimioterapia no ensaio FLAURA 2, de acordo com a carga tumoral basal (número de sítios anatômicos metastáticos). “Os dados apresentados no WCLC 2024 mostram quais são os pacientes que mais se beneficiam dessa combinação”, observa a oncologista Martha Mesquita, da Rede D’Or em Brasília. Assista.
Referências:
- Ramalingam SS et al. Overall Survival with Osimertinib in Untreated, EGFR-Mutated Advanced NSCLC. N Engl J Med. 2020 Jan 2;382(1):41-50. doi: 10.1056/NEJMoa1913662. Epub 2019 Nov 21. PMID: 31751012.
- Planchard, D; Janne, PA; Cheng, Y; et al. Osimertinib with or without Chemotherapy in EGFR-Mutated Advanced NSCLC. N Engl J Med. 2023 Nov 23;389(21):1935-1948. doi: 10.1056/NEJMoa2306434.
- Jänne PA.CNS Efficacy of Osimertinib With or Without Chemotherapy in Epidermal Growth Factor Receptor-Mutated Advanced Non-Small-Cell Lung Cancer. J Clin Oncol. 2024 Mar 1;42(7):808-820. doi: 10.1200/JCO.23.02219. Epub 2023 Dec 2.
- Diário Oficial da União. RESOLUÇÃO-RE Nº 1.437, DE 15 DE ABRIL DE 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-re-n-1.437-de-15-de-abril-de-2024-554193324 Acesso em 4 de setembro de 2024.
- Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa 2023. Incidência de Câncer no Brasil. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2023.pdf Acesso em 4 de setembro de 2024.
- World Health Organization WHO, Lung cancer, 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/lung-cancer
- WCLC 2024, MA12.04 FLAURA2: Impact of Tumor Burden on Outcomes of 1L Osimertinib ± Chemotherapy in Patients with EGFR-mutated Advanced NSCLC N. Valdiviezo et al.