O mastologista Ruffo de Freitas Jr., presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), analisa com exclusividade para o Onconews os resultados de longo prazo do estudo IBIS-I apresentado no San Antonio Breast Cancer Symposium.
A apresentação do estudo IBIS-I pelo epidemiologista Jack Cuzick veio confirmar a grande importância da utilização do tamoxifeno para prevenção primária do câncer de mama.
É sabido que a incidência do câncer de mama continua aumentando em vários países, principalmente naqueles em desenvolvimento. Uma das estratégias utilizadas nas duas última décadas para redução do risco é a utilização de agentes endócrinos, incluindo o tamoxifeno, o raloxifeno, o anastrozol e o exemestano. Para mulheres no menacme, apenas o tamoxifeno tem sido indicado, sendo que as demais medicações são destinadas para mulheres pós menopáusicas com risco elevado para o câncer de mama.
Entende-se como risco elevado mulheres que apresentam, através de modelo matemático, a chance de desenvolvimento do câncer de mama na ordem de 1,7% para os próximos cinco anos ou eventualmente, acima de 10% se considerada toda a vida (modelo de Gail e modelo de Tyrer-Cuzick).
Vários estudos utilizando as quatros drogas acima mencionadas têm demonstrado uma redução do risco de câncer de mama entre 30% e 65%; entretanto sem um seguimento tão longo. Desta forma, havia uma dificuldade na compreensão do que aconteceria em longo prazo para mulheres hígidas que fizeram uso de tais medicações e se nesse cenário haveria justificativa para utilizar essa estratégia de prevenção do câncer de mama de forma medicamentosa.
Essa apresentação feita pelo professor Cuzick em San Antonio confirmou a redução da incidência do câncer de mama em mulheres que utilizaram 20mg de tamoxifeno durante cinco anos, quando comparado às mulheres que não utilizaram a medicação, da ordem de 29%. O estudo apresentado também confirma o efeito carry over uma vez que as mulheres utilizaram o tamoxifeno por cinco anos e o benefício continuou sendo observado após quase vinte anos de seguimento. Outro aspecto que também chamou atenção para esse estudo foi que o número necessário para tratamento (NNT) foi de 22, o que é altamente satisfatório.
Houve, porém, duas informações importantes que surpreenderam de forma negativa. A primeira, que mulheres que estavam utilizando terapia hormonal (uso de esteróides sexuais femininos durante o climatério e após a menopausa) não tiveram o mesmo benefício do tamoxifeno em relação às mulheres que usaram tamoxifeno e que não estavam em uso de terapia de reposição hormonal para o climatério. Esse é um dado que contradiz a idéia inicial do estudo de prevenção italiano, que mostrou um benéfico do uso do tamoxifeno para as mulheres em terapia hormonal, que eram histerectomizadas. Imaginávamos que o tamoxifeno, tendo mais afinidade pelo receptor de estrogênio que boa parte dos estrógenos endógenos e exógenos, poderia gerar uma proteção adequada também para essas mulheres usuárias de terapia hormonal. Outro importante aspecto foi a ausência da redução de mortalidade no grupo de mulheres que fizeram uso do tamoxifeno. Dessa forma, ainda que observada a redução de 29% dos casos de câncer de mama (deve ser dito que a redução ocorreu nos casos de carcinomas de mama receptores hormonais positivos), essa observação de que a mortalidade foi semelhante entre os dois grupos frustra em parte, a expectativa da prevenção do câncer de mama.
Dessa forma, a utilização do tamoxifeno na prevenção do câncer de mama foi efetiva em longo prazo e indica que a medicação deva ser oferecida para todas as mulheres que apresentem risco aumentando para câncer de mama. A paciente deve ser esclarecida sobre a chance real de redução de risco em praticamente 1/3 dos casos, mas que em um seguimento de até 20 anos, não há redução de mortalidade. Deve ser comentada também a possibilidade, ainda que pequena, do aumento da chance do câncer de endométrio e de tromboembolismo, além da redução do câncer de colón.
Enquanto profissionais, cabe a nós orientar nossas pacientes, com base nas evidências científicas mostradas no estudo e acima comentadas, os benefícios e os contrapontos. Mas caberá de fato à mulher a definição se ela fará ou não uso da quimioprofilaxia com tamoxifeno.
Ruffo de Freitas Junior
Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Professor Ajunto da Universidade Federal de Goiás.