Na ASCO 2015, Anil D'Cruz, do Tata Memorial Hospital, vai apresentar os resultados do trabalho que investiga a extensão do esvaziamento cervical em pacientes com câncer oral (LBA3 - J Clin Oncol 33, 2015). O cirurgião Luiz Paulo Kowalski (foto), do A.C.Camargo Cancer Center, comentou sobre o estudo, um dos mais aguardados em câncer de cabeça e pescoço, e apontou alguns outros possíveis destaques do encontro de Chicago.
A metástase cervical é o fator prognóstico mais importante no câncer oral, o que explica porque o manejo adequado do pescoço é de extrema importância no curso do tratamento. No entanto, muitas controvérsias ainda tornam difícil estabelecer a situação ideal, principalmente em tumores iniciais (T1/T2) com linfonodo negativo.
“Não dá para classificar todos os pacientes com T1 e T2 como sendo pacientes de risco igual. Na verdade, é possível separar em grupos de maior e menor risco conhecendo fatores preditivos do risco de metástases. Essa discussão é mais complexa do que simplesmente esvaziar ou não o T1 e T2. Existem subgrupos favoráveis onde realmente a alternativa pode ser o acompanhamento, e outros subgrupos desfavoráveis em que o esvaziamento é obrigatório”, explica Kowalski.
Por muito tempo a terapêutica era realizar o esvaziamento cervical eletivo, até surgir a pesquisa do linfonodo sentinela como uma alternativa que se mostrou interessante. Mas existem subgrupos de pacientes com um risco tão baixo que talvez nem seja preciso. “O próprio Anil D'Cruz tem estudos que confirmam que nesses pacientes não esvaziar não significa aumentar o risco de piora de sobrevida”, afirma Kowalski.
Em pacientes com tumor com espessura inferior a 3 a 4 milímetros sem infiltração perineural e sem embolização vascular, uma alternativa é fazer apenas o acompanhamento. Mesmo para pacientes com tumores com mais de 4 milímetros de espessura, alguns estudos mostraram que não existe diferença entre acompanhar, fazer linfonodo sentinela ou fazer o esvaziamento cervical eletivo.
No Brasil, o único estudo a respeito do tema foi realizado no início da década de 1990 pelo grupo do Instituto Nacional do Câncer (INCA), liderado pelo oncologista Jacob Kligerman, emostrou que, no país, talvez por problemas de seguimento, o grupo que não esvaziava tinha um prejuízo grande. “Essa é a razão pela qual aqui no Brasil nós continuamos fazendo o esvaziamento dos pacientes de alto risco, que são esses com espessura do tumor superior a 4 mm”.
Os resultados preliminares do estudo indiano mostram que independente do esvaziamento, se o paciente faz o seguimento e detecta a recorrência precocemente, não há prejuízo no prognóstico. “Esse é o problema-chave. Para não esvaziar o pescoço é preciso um bom seguimento, com exames de imagem periódicos”.
Em sua prática, Kowalski faz a ressecção do tumor primário e o seguimento em pacientes de baixo risco, e o acompanhamento não tem mostrado diferença nas taxas de sobrevida. “Além de terem essas características de prognóstico mais favorável, os pacientes têm que ser passíveis de seguimento sem maior dificuldade. Esse paciente não tem nenhum prejuízo em não esvaziar, com as vantagens de não ter as sequelas do esvaziamento”.
A conduta para pacientes de maior risco, assim como em outros serviços como Memorial Sloan Kettering e MD Anderson Cancer Center é fazer o esvaziamento seletivo do pescoço, com ressecção limitada aos linfonodos de maior risco e preservação das estruturas que têm importância tanto funcional quanto estética do pescoço. “É um esvaziamento de morbidade baixa e que garante mais segurança, porque reduz o risco de recorrência. O que muda o prognóstico é quando essas recorrências são diagnosticadas no estadio mais avançado”, diz.
Estudos com imunomoduladores são aguardados
A exemplo do observado em outros tipos de câncer, os estudos com imunomoduladores estão entre os mais aguardados também no cenário de cabeça e pescoço. Os resultados do trabalho que avalia o pembrolizumab em pacientes com câncer de cabeça e pescoço (Findings from an early-stage trial of the PD-1 targeted drug pembrolizumab in patients with advanced head and neck cancers - Abstract LBA6008) são cercados de muita expectativa. “Ainda não temos nenhum estudo de fase III em cabeça e pescoço, mas os resultados de fase II são realmente surpreendentes. Alguns estudos fase II já mostraram resultados bem interessantes do pembrolizumabe em doença avançada, com respostas equiparáveis ou até mais frequentes e mais completas do que o esperado com outras terapias. E teremos ainda outros estudos além desse”, diz Kowalski.
O especialista explica que há algum tempo o tratamento dos cânceres de cabeça e pescoço está estabilizado em relação às alternativas de drogas utilizadas na área, e por isso a imunomodulação é aguardada como uma promessa importante. “Em cabeça e pescoço, como são tumores com uma gravidade grande, com cirurgias que têm um certo grau de mutilação em pacientes com câncer avançado, qualquer avanço que possa modificar o tratamento é bem-vindo”.
Outro tema apontado por Kowalski que deve ser destaque na ASCO esse ano diz respeito aos ensaios de desintensificação do tratamento em pacientes com tumores HPV positivos em cabeça e pescoço. Vários estudos em andamento têm comparado alternativas de cirurgia versus quimioterapia e terapia-alvo, radioterapia e quimioterapia, e radioterapia e terapia- alvo, geralmente utilizando doses um pouco mais baixas de radioterapia. “Esses ensaios encontram-se em andamento nos Estados Unidos e na Europa e alguns resultados preliminares serão apresentados esse ano. Os resultados podem trazer mudanças radicais no tratamento desse grupo específico de pacientes”, afirma.
Referências: Elective versus therapeutic neck dissection in the clinically node negative early oral cancer: A randomised control trial - LBA3
Findings from an early-stage trial of the PD-1 targeted drug pembrolizumab in patients with advanced head and neck cancers - Abstract LBA6008