O mastologista Gustavo Zucca-Matthes (foto), coordenador do Departamento de Mastologia/Reconstrução Mamária do Hospital de Câncer de Barretos, comenta os resultados de dois estudos apresentados no San Antonio Breast Cancer Symposium. Um deles demonstrou que a terapia de conservação da mama obteve melhores resultados do que a mastectomia em pacientes com câncer de mama inicial. O outro mostrou que mastectomias associadas a reconstruções imediatas apresentam custos e taxas de complicações mais elevadas.
Ambos os estudos apresentados são importantes, elucidativos e complementares.
Por volta de 2004, com a incorporação da ressonância magnética no arsenal diagnóstico para o câncer de mama, notou-se uma ascensão na indicação de mastectomias. As possibilidades de reconstrução mamária imediata, principalmente impulsionadas por implantes mamários mais evoluídos, seguros e permitindo resultados estéticos favoráveis, fortaleceu a indicação cirúrgica de tratamentos mais “radicais", mesmo que desnecessários, com o pretexto de oferecer maior segurança e, ainda, possibilidade de correção de simetria contralateral. Isto vem ao encontro do anseio da paciente por um tratamento eficaz, seguro, próximo da cura e com cirurgiões de mama habilitados a promover esse tipo de conforto. Tudo isso seria perfeito se o tratamento conservador e a radioterapia não existissem ou não fossem eficazes. No entanto, os benefícios do tratamento conservador da mama foram reforçados com os resultados de 10 anos comparativos entre tratamentos conservadores e mastectomias.
Ao indicar uma mastectomia poupadora de pele, o cirurgião jamais deve esquecer que precisa esclarecer ao seu paciente que os resultados podem ser os mais variados possíveis. Por melhor que seja a curva de aprendizado do cirurgião existem muitas variáveis envolvidas: a reconstrução será feita pelo mesmo cirurgião ou por equipes diferentes? Houve uma gentil manipulação dos retalhos? Qual a chance de infecção? A paciente possui comorbidades que não foram esclarecidas? Usou-se dreno e o mesmo foi competente? A mastectomia seguiu preceitos adequados visando à reconstrução imediata? Os fios de sutura estão adequados e são de boa qualidade? Os curativos foram bem feitos? A paciente comportou-se adequadamente no pós-operatório? Possui algum outro tratamento complementar ou associado? Qual a expectativa da paciente e seus familiares? Enfim, são variáveis que não podem ser ignoradas e que explicam o porquê de mastectomias associadas a reconstruções imediatas apresentarem custos e taxas de complicações mais elevadas.
O tratamento atual do câncer de mama vive um momento de individualização que deve levar em conta, sem sombra de dúvida, a experiência do cirurgião e o desejo da paciente. Cirurgião e paciente precisam atuar como se fossem uma dupla jogando uma partida de xadrez, precisam estar cientes de que seus movimentos serão orientados de acordo com as peças apresentadas pela doença. Devem tentar adequar seus anseios,porém sem arriscar completamente o jogo. Ao individualizar um tratamento cirúrgico é fundamental expor todas as possibilidades, riscos e segurança oncológica.
Recomendo sempre aos meus alunos que optem pelo raciocínio que vai de procedimentos mais simples até os mais complexos. Ao abordar tratamentos para estadios iniciais do câncer de mama com cirurgias conservadoras que podem ou não receber detalhes oncoplásticos, a paciente estaria se beneficiando de uma segurança oncológica, mantendo sua própria mama ou, até mesmo, tirando proveito da adversidade e saindo do hospital com sua auto-estima preservada, com taxas de complicação que não ultrapassariam as esperadas. Os custos dos procedimentos são inferiores aos de uma reconstrução, pois o tempo de sala deverá ser menor, ausência de necessidade de materiais aloplásticos ou técnicas mais complexas e menor ocupação hospitalar, sem falar no retorno precoce da paciente para suas atividades profissionais ou do lar.
Além disso, não sentiriam o estigma da mutilação, teriam preservadas suas próprias mamas, havendo um pequeno ou inexistente distúrbio de seu cotidiano, não interferindo em sua qualidade de vida. Ao meu ver, o tratamento conservador, sempre que bem indicado, deve ser considerado um preditor de qualidade de vida e, portanto, deve ser respeitado dentro dos preceitos epigenéticos de pacientes oncológicas. Claro que nestes casos a radioterapia deve ser associada. Hoje, com as modalidades de radioterapia conformacional, braquiterapias e possibilidades de realizar o tratamento mais condensado, este conceito é reforçado, associado a um estabelecido controle local da doença.
Mais estudos precisam esclarecer eventuais diferenças no tratamento para os possíveis subtipos específicos da doença. No momento, o tratamento conservador para o câncer de mama associado a radioterapia deve ser considerado padrão ouro, principalmente em estadios iniciais, ainda mais agora, com resultados estimulantes mostrando benefícios principalmente para a sobrevida global em 10 anos, sinalizando com melhores taxas, menor custo e menos complicações em relação a mastectomia e reconstruções associadas.
Equipes cirúrgicas e "Breast Units" devem estar aptas para um xeque-mate, discutindo e ouvindo os anseios das pacientes, mas sem sombra de dúvida, esclarecendo-as de que o melhor deva ser feito para cada caso, respaldando-se nas condições clínicas, físicas, sociais, econômicas e psicológicas apresentadas.
Referência: Higher 10-year overall survival after breast conserving therapy compared to mastectomy in early stage breast cancer: A population-based study with 37,207 patients
S3-07 Title: Complication and economic burden of local therapy options for early breast cancer