Jennifer Bellon (foto), radio-oncologista do Dana-Farber Cancer Institute e professora de radioterapia da Harvard Medical School, falou da radioterapia da axila no câncer de mama, em conferência durante o Simpósio Internacional do Grupo Oncoclínicas.
Assista (00:00:12). 4º Simpósio Internacional Grupo Oncoclínicas - gravado ao vivoDiversos ensaios randomizados, assim como estudo de metanálise a partir dessa mesma base de dados, confirmaram a equivalência da conservação da mama e da mastectomia. A radioterapia adjuvante após lumpectomia demonstrou diminuir a recorrência e melhorar a sobrevida global, mas não se pode ignorar que a RT também envolve morbidades. Afinal, como selecionar pacientes que realmente podem se beneficiar da radioterapia após a cirurgia do câncer de mama inicial ou até serem poupadas de radioterapia? Quem ensina é Jennifer Bellon, professora da Harvard Medical School e radio-oncologista do Dana-Farber Cancer Institute, em conferência durante a sessão de câncer de mama do 4º Simpósio Internacional do Grupo Oncoclínicas, em São Paulo.
A maior conscientização da biologia do câncer de mama é central para guiar as novas estratégias, permitindo que o tratamento seja adaptado aos riscos individuais de cada paciente. Ao mesmo tempo, a evolução da radioterapia hipofracionada permitiu o uso mais seguro, mas identificar pacientes de baixo risco que podem renunciar ao tratamento radioterápico representa ainda um desafio frequente. “Estudos estão em andamento para ajudar a determinar os melhores candidatos ao hipofracionamento ou mesmo para identificar aqueles que podem ser poupados de radioterapia”, explicou Jennifer, acrescentando que marcadores moleculares capazes de prever a recorrência têm sido desenvolvidos para aperfeiçoar ainda mais as estratégias de seleção na população de baixo risco.
Resultados preliminares do International Breast Cancer Study Group (IBCSG) 23-01 apresentados em 2011 em San Antonio não mostraram benefício da dissecção de linfonodos axilares em pacientes com nódulos sentinela minimamente envolvidos, apoiando assim os resultados do ensaio Z0011 do Grupo de Oncologia do Colégio Americano de Cirurgiões (ACOSOG).
"Parece provável que o IBCSG 23-01 e o ACOSOG Z11 mudem a prática clínica, não permitindo a dissecção dos linfonodos axilares no câncer de mama inicial, especialmente quando existe mínimo comprometimento linfonodal", esclareceu a especialista.
"Parece provável que o IBCSG 23-01 e o ACOSOG Z11 mudem a prática clínica, não permitindo a dissecção dos linfonodos axilares no câncer de mama inicial, especialmente quando existe mínimo comprometimento linfonodal" |
No trabalho do IBCSG, a população por intenção de tratar consistiu em 931 pacientes e após um seguimento médio de 57 meses houve 98 eventos. Aproximadamente dois terços dos pacientes inscritos no estudo tinham tumores <2 cm, mais de 80% eram receptores de estrogênio positivos, 90% foram submetidos à cirurgia conservadora de mama e radioterapia e dois terços tinham terapia hormonal sem quimioterapia.
A taxa de sobrevida livre de doença em 5 anos foi de 87,3% em pacientes submetidos à dissecção de linfonodos axilares e de 88,4% para aqueles que realizaram a biópsia de linfonodo sentinela isoladamente (p = 0,48). A recidiva regional foi observada em um paciente (0,2%) e cinco pacientes (1,1%), respectivamente. A taxa de sobrevida global em 5 anos foi de 98% em cada braço.
Em conclusão, não houve diferença no desfecho primário, a sobrevida livre de doença. A taxa de recorrência do tumor na axila não dissecada foi de 1,1%.
Outro estudo que integrou a apresentação de Jenniffer Bellon foi o AMAROS, da EORTC, publicado no Lancet Oncology (Vol.15, ed.12). O AMAROS é um ensaio clínico de fase III, de não-inferioridade, que avaliou a recorrência axilar em cinco anos e a morbidade após linfadenectomia axilar ou radioterapia em pacientes com câncer de mama e um linfonodo sentinela positivo.
O estudo randomizou 1.425 pacientes com linfonodo sentinela positivo, 744 designados para linfadenectomia e 681 para radioterapia axilar. Esses pacientes constituíram a população intenção-de-tratar e foram acompanhados por um período mediano de 6,1 anos.
A recorrência axilar ocorreu em 4 dos 744 pacientes do grupo de dissecção e em 7 dos 681 pacientes do grupo tratado com radioterapia axilar. Após 5 anos, a recorrência axilar foi de 0,43% (95% CI) após esvaziamento linfonodal axilar versus 1,19% após radioterapia.
“O AMAROs demonstrou que tanto a linfadenectomia axilar quanto a radioterapia fornecem excelente controle axilar no câncer de mama T1/T2 sem linfadenopatia palpável, com resultados comparáveis, sendo que a radioterapia esteve associada à menor morbidade”, disse a conferencista.
RT total ou hipofracionamento
E o volume da irradiação, faz diferença para os resultados finais? Durante o 4º Simpósio Internacional do Grupo Oncoclínicas, Jennifer Bellon lembrou que tanto a indicação de radioterapia para as drenagens linfáticas como a irradiação de toda a mama tem sido objeto de discussão há décadas. Para avaliar as duas abordagens, o estudo canadense MA.20 comparou a adição de irradiação nodal regional à irradiação de toda a mama.
Foram randomizados 1832 pacientes com câncer de mama tratados com cirurgia conservadora para receber radioterapia adjuvante apenas na mama operada e radioterapia na mama + drenagens linfáticas da axila, fossa supraclavicular e mamária interna.
O endpoint primário foi sobrevida global. Foram selecionadas tanto pacientes com linfonodos comprometidos quanto aquelas com linfonodos negativos, porém com alto risco de recaída regional (tumores ≥ 5 cm e tumores ≥ 2 cm e com menos de 10 linfonodos axilares removidos ou grau histológico 3 ou com receptores de estrógeno negativo ou com invasão linfovascular).
Com seguimento mediano de 10 anos, o estudo canadense não mostrou diferença na sobrevida global (82,8% Vs 81,8%; p=0,38) ou na mortalidade por câncer de mama (10,3% Vs 12,3%; p=0,11). Houve aumento da sobrevida livre de doença no grupo de pacientes que recebeu radioterapia nas drenagens linfáticas (82% Vs 77%; p=0,01) e também na sobrevida livre de metástases à distância (86,3% Vs 82,4%; p=0,03). O efeito na sobrevida livre de doença foi ocasionado pela menor taxa de recidiva loco-regional nas pacientes com drenagens linfáticas irradiadas (4,8% Vs 7,8%, p=0,009).
Não houve aumento significativo de toxicidade graus 3 e 4 com a inclusão das drenagens linfáticas. No entanto,observou-se que a taxa de linfedema praticamente duplicou entre os pacientes tratados com irradiação nodal regional, o que é consistente com achados já reportados na literatura.
Para Jennifer Bellon, o grande dado do estudo mostra a importância de irradiar as drenagens linfáticas nas pacientes com um a três linfonodos comprometidos, uma vez que 85% das mulheres randomizadas se enquadravam nessa situação. Outro dado relevante destacado pela especialista é extraído da subanálise e mostra que a diminuição da recidiva regional foi maior entre as pacientes com receptores de estrógeno negativo.
A especialista também apresentou os resultados do estudo realizado pelo Danish Breast Cancer Cooperative Group que reportou análises de resultados de RT pós-mastectomia em mulheres linfonodo-positivas e identificou uma melhora estatisticamente significante nas taxas de recorrência local (32% versus 9%), sobrevida sem doença (34% versus 48%) e sobrevida global (45% versus 54%) em favor de pacientes tratadas com irradiação da parede torácica mais CMF (citoxan, metotrexato e 5-fluorouracil) na comparação com CMF isoladamente. O estudo dinamarquês incluiu pacientes com estadios II e III e teve um período de seguimento médio de 10 anos. O benefício da RT pós-mastectomia alcançou significância estatística, com impacto nas taxas de sobrevida livre de progressão e sobrevida global. O benefício foi independente do tamanho do tumor, número de linfonodos comprometidos ou grau histológico.
A radio-oncologista do DFCI observou, ainda, os dados do estudo europeu, realizado pela EORTC. O estudo randomizou 4004 pacientes com tumores de quadrantes centrais ou internos, independente do status da axila, e de quadrantes externos com axila positiva, para receber radioterapia adjuvante apenas na mama operada ou do plastrão e radioterapia com inclusão das drenagens linfáticas da fossa supraclavicular e da mamária interna.
Após um follow-up mediano de 10,9 anos, as pacientes tratadas com radioterapia nodal tiveram sobrevida global em 10 anos discretamente superior (82,3% Vs 80,7%; p=0,06). A mortalidade por câncer de mama foi menor (12,5% Vs 14,4%; p=0,02), a sobrevida livre de doença maior (72,1% Vs 69,1%; p=0,04), bem como a sobrevida livre de metástase à distância (78% Vs 75%; p=0,02).
Em conclusão, não há dados definitivos para apoiar a escolha da melhor abordagem de RT na axila. A seleção deve ser individualizada, levando em conta o perfil de risco e as características individuais.