Uma análise genômica em larga escala concluiu que os padrões de alterações genéticas detectados em amostras de sangue (biópsia líquida) refletem, de maneira muito aproximada, os padrões identificados na biópsia tradicional do tumor. Com amostras de sangue de mais de 15 mil pacientes e 50 tipos diferentes de tumores, este é um dos maiores estudos genômicos de câncer já realizados.
A análise utilizou o teste de sequenciamento de próxima geração (Next-Generation Sequencing - NGS) Guardant360, que realiza a segmentação de 70 genes. Os dados foram apresentados na terça-feira, 7 de junho, na ASCO 2016.
“Este estudo mostrou que é possível conseguir material suficiente no plasma para analisar grandes painéis gênicos, como se fosse uma biópsia tradicional. Essa era uma grande dúvida, pelo fato de ter muito menos material circulante. Do ponto de vista laboratorial isso é muito bacana. Mostra que as técnicas de extração e enriquecimento de DNA do plasma estão ficando mais sofisticadas, mais sensíveis”, afirma Mariano Zalis, diretor científico do laboratório Progenética.
Por seu caráter minimamente invasivo, a biópsia líquida pode ser utilizada periodicamente para monitorar a progressão da doença, a resposta à terapia, e o desenvolvimento de resistência ao tratamento. "Antes, todo o tratamento estava baseado na biópsia cirúrgica do tumor. E com a medicina de precisão nós percebemos que o tumor tem uma heterogeneidade, muitas vezes tem um perfil fotográfico, do ponto de vista genético, que vai se alterando durante todo o processo de desenvolvimento da doença. A questão da re-biópsia é complexa. Como você vai rebiopsiar pacientes que já estão debilitados, tumores que estão com difícil acesso, para coletar quantidades ínfimas de material que podem acabar se perdendo. A biópsia líquida contribui muito nesse sentido", diz Mariano. Além disso, como as alterações genéticas no DNA tumoral circulante (ctDNA) ocorrem muitas vezes antes que os sinais de crescimento do tumor sejam visíveis em um exame, a biópsia líquida pode ajudar os médicos a ajustar o tratamento mais cedo. "Ela tem inclusive um valor preditivo", acrescenta.
Outra vantagem é que as alterações genéticas muitas vezes variam em diferentes partes do tumor. Como a biópsia de tecido remove apenas pequenos pedaços de tumor, mutações-chave podem ser perdidas, dependendo da área do tumor que está representada na amostra. Já a análise do ctDNA fornece informações sobre todas as diferentes alterações genéticas que podem estar presentes no tumor.
O estudo
Foram incluídos 15.191 pacientes, sendo 37% com câncer de pulmão avançado, 14% com câncer de mama, 10% com câncer colorretal, e 39% com outros tipos de câncer, com sensibilidade clínica de ctDNA de 86%, 83%, 85%, e 78%, respectivamente. Cada paciente forneceu uma ou mais amostras de sangue para análise do ctDNA.
O estudo utilizou duas formas para avaliar a precisão das biópsias líquidas em comparação com as amostras do tumor. Primeiro, comparou os padrões de alterações genômicas no ctDNA aos encontrados em 398 pacientes com resultados disponíveis de testes genéticos do tecido tumoral. A precisão global de sequenciamento de ctDNA em comparação com testes de tecidos combinados foi de 87% (336/386). A precisão aumentou para 98% quando o sangue e o tumor foram recolhidos com menos de seis meses de intervalo.
Quando o ctDNA foi positivo para anormalidades-chave no EGFR, BRAF, KRAS, ALK, RET e ROS1, as mesmas mutações foram relatadas no tecido em 94-100% dos casos. A maioria das alterações do ctDNA foram encontradas em níveis muito baixos. Metade ocorreu com uma frequência abaixo de 0,4% do total do DNA em circulação, mas a exatidão manteve-se alta, mesmo com estes níveis baixos.
Os autores também avaliaram a consistência nas frequências de alterações específicas no ctDNA contra dados previamente publicados a partir de análises genômicas de tecido tumoral, incluindo dados do Cancer Genome Atlas. Os resultados sugerem que a biópsia líquida fornece uma fotografia exata do cenário genômico do tumor.
Entre os múltiplos genes do câncer e diferentes classes de alterações, as correlações normalmente variaram de 0.92-0.99. No entanto, descobertas do ctDNA muitas vezes não foram vistas em biópsias de tumores, como a detecção de novas alterações genômicas associadas à resistência às terapias-alvo do câncer, a exemplo das mutações de resistência EGFR T790M em pacientes em tratamento com inibidores de EGFR. Os autores levantam a hipótese de que estas alterações estavam ausentes nos dados de tecido de base populacional porque esses pacientes ainda não tinham recebido tratamento.
Com base nas alterações genéticas reveladas no teste de sangue, os pesquisadores forneceram aos médicos dos participantes do estudo uma relação de possíveis opções de tratamento. No geral, o teste do ctDNA revelou uma possível opção de tratamento para cerca de dois terços dos pacientes testados (63,6%), que incluiu medicamentos aprovados pelo FDA, bem como a elegibilidade para ensaios clínicos.
A utilidade clínica foi evidente em pacientes com câncer de pulmão. Em 362 casos da doença, o tecido foi insuficiente para teste total ou parcial em 63%. Entre estes casos, o teste ctDNA identificou mutações genéticas importantes em frequências compatíveis com a sua prevalência publicada na literatura.
Aperfeiçoamento
Embora as mutações do ctDNA tenham sido detectadas em 83% das amostras de sangue neste estudo, nem todos os pacientes tinham ctDNA suficiente para o teste. Os pesquisadores verificaram, por exemplo, que a capacidade de detectar o ctDNA é menor para os pacientes com glioblastoma, possivelmente porque a barreira sangue-cérebro torna mais difícil para o ctDNA de um tumor cerebral entrar na circulação.
Para lidar com esse tipo de situação, eles estão buscando aumentar a sensibilidade do ensaio para detectar mutações em níveis extremamente baixos de ctDNA, tornando o teste mais sensível para todos os tipos de câncer sólidos em estágios avançados, e também contribuindo para a aplicação da tecnologia para a doença em estágios iniciais.
"Na minha opinião, essa é uma tendência que está apenas no começo. A biópsia líquida veio para quebrar vários paradigmas: de diagnóstico, de acompanhamento, de screening. Não vai substituir o patologista, porque a primeira biópsia, do início do tratamento, indica exatamente toda a morfologia do tumor, que é algo que o DNA não vai oferecer. Mas é uma tecnologia que vai contribuir de diversas maneiras para a precisão do tratamento", conclui Mariano.
O estudo recebeu financiamento do Guardant Health, Inc., que produz o teste utilizado no estudo.
Referência: Somatic genomic landscape of over 15,000 patients with advanced-stage cancer from clinical next-generation sequencing analysis of circulating tumor DNA - Abstract No: LBA11501 - Citation: J ClinOncol 34, 2016 (suppl; abstr LBA11501)