Onconews - Highlights em onco-ginecologia da ESMO 2017

EVA logo 300pxOs oncologistas Angélica Nogueira-Rodrigues e Eduardo Paulino, membros do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), comentam os destaques do Congresso anual da Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO 2017) em tumores ginecológicos.

 

ESMO 2017 apresenta resultados do ICON 8

O aguardado estudo clínico ICON8 apresentado na ESMO 2017 revelou resultados que corroboram o padrão de paclitaxel a cada três semanas no tratamento de primeira linha do câncer de ovário epitelial em mulheres ocidentais. Os achados do ICON8 contrastam com os dados do estudo japonês JGOG3016, que mostrou aumento significativo na sobrevida livre de progressão mediana (SLP) e sobrevida global (SG) nos pacientes tratados com dose densa semanal, regime que se mantém como standard na população asiática. Os resultados do estudo ICON 8 também vão na contramão do estudo GOG 262 que comparou o esquema de paclitaxel a cada 3 semanas com o esquema semanal em população do ocidente revelando maior SLP com o esquema em dose densa, nas pacientes que não receberam bevacizumabe.

O ICON8 randomizou 1566 pacientes predominantemente europeias para receber seis ciclos do regime de dose padrão a cada três semanas (carboplatina AUC 5/6-paclitaxel 175 mg/m2, braço 1), em comparação com dois regimes diferentes, que incluíram paclitaxel dose densa semanal (carboplatina AUC 5/6 + paclitaxel 80 mg/m2 semanalmente, braço 2 e carboplatina AUC2 + paclitaxel 80 mg/m2 semanal, braço 3).

Resultados

Todas as pacientes foram inscritas no ICON8 após a cirurgia primária imediata ou quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia. O estudo não encontrou benefício para nenhum dos regimes semanais. A SLP foi de 24,4 meses com a dosagem padrão, em comparação com 24,9 e 25,3 meses nos braços 2 e 3, respectivamente. Outro objetivo do estudo foi avaliar a viabilidade da quimioterapia em dose densa no cenário neoadjuvante. Cerca de 50% da população do estudo recebeu quimioterapia neoadjuvante. O tratamento em dose densa não aumentou as taxas de cirurgia ótima (ausência de doença residual): 60% x 57% x 51% para os braços 1, 2 e 3, respectivamente. Também, quando analisado em separado, a quimioterapia dose densa não aumentou a SLP nas pacientes que receberam tratamento neoadjuvante (13.8 x 14.6 x 15.4 meses nos braços 1, 2 e 3).

Em termos de toxicidade, houve discreto aumento da toxicidade de graus 3 e 4 nos braços 2 e 3, em comparação com o braço 1 (63% contra 53% contra 42%, respectivamente), predominantemente da toxicidade hematológica.

Ainda não está completamente esclarecida a diferença entre o ICON8 e o JGOG3016 e porque mostraram resultados contrastantes. É possível que existam diferenças da biologia tumoral e/ou farmacogenômicas entre esses dois grupos étnicos (Abstract 929O_PR).

Referências: Abstract 929O_PR ‘ICON8: A GCIG Phase III randomised trial evaluating weekly dose- dense chemotherapy integration in first-line Epithelial Ovarian/ Fallopian Tube/ Primary Peritoneal Carcinoma (EOC) treatment: Results of Primary Progression- Free Survival (PFS) analysis’. 2. Katsumata et al. Lancet 2009/ Lancet Oncol 2013.

Quimioterapia neoadjuvante em câncer de colo de útero localmente avançado

A quimioterapia neoadjuvante em câncer de colo de útero sempre foi uma alternativa bastante utilizada em países do leste europeu e em alguns países latino-americanos, nestes principalmente pela dificuldade das pacientes em ter acesso ao tratamento combinado. A maioria dos dados disponíveis de neoadjuvância vem da era pré-quimiorradioterapia.

Apresentado na ESMO 2017 o primeiro estudo que compara o atual tratamento padrão de quimiorradioterapia com quimioteraia neoadjuvante seguido de cirurgia (histerectomia radical).

Neste estudo, 635 pacientes com câncer de colo uterino estádio IB2, IIA-IIB foram randomizados para um dos dois braços. Aquelas que no braço cirúrgico apresentassem critérios para risco intermediário (dois dos seguintes: T>4 cm, invasão angiolinfática presente e invasão do terço profundo da miocérvice) ou alto risco (qualquer um dos seguintes: linfonodo ou paramétrio ou limite positivos) recebiam tratamento adjuvante com radioterapia ou quimiorradioterapia, respectivamente. Os braços foram bem balanceados com cerca de 57% das pacientes em estágio IIB e 15% com linfonodos pélvicos positivos em exames de imagem.

Aproximadamente 28% das pacientes no braço experimental não foram levadas a cirurgia e 23% receberam tratamento adjuvante com quimiorradioterapia (13,3%) ou radioterapia (9,8%). Após um follow-up de 58 meses, o tratamento experimental não atingiu seu endpoint primário de sobrevida livre de doença, inclusive demonstrando o inverso (SLD em 5 anos de 69.3 x 76.7% para terapia neoadjuvante e tratamento combinado, respectivamente, HR 1.38, IC 1.02-1.87, p=0.038).

Em análise de subgrupo, o estágio IIB foi o que se mais beneficiou do tratamento combinado. Os autores concluem que o tratamento combinado permanence como tratamento padrão para câncer de colo localmente avançado (estágios IB2, IIA-IIB).

O professor Sandro Pignata diretor do departamento de Uro-Ginecologia doUro- Istituto Nazionale Tumori IRCCS "Foundation G. Pascale”, em Napoles-Itália, comentou os dados do estudo indiano: “Esta é o primeiro estudo que compara as duas modalidades terapêuticas e o tratamento combinado continua sendo a escolha para estas pacientes”. Ele ainda acrescenta que o segundo estudo (da EORTC) já está completo e que uma análise conjunta será realizada com os dois estudos.

Referência: Abstract 928O_PR - ‘Neoadjuvant chemotherapy followed by surgery (NACT-surgery) versus concurrent cisplatin and radiation therapy (CTRT) in patients with stage IB2 to IIB squamous carcinoma of cervix: A randomized controlled trial (RCT)’

Imunoconjugado no câncer colo uterino metastático

A primeira linha de tratamento no câncer de colo uterino recorrente, persistente ou metastático é baseada na combinação de quimioterapia com bevacizumabe, aos moldes do GOG 240. Não há nenhum tratamento de segunda linha que possa ser recomendado com base em estudos de fase III. Neste cenário, as drogas estudadas (irinotecano, gemcitabina, nab-paclitaxel, etc) demostraram taxas de resposta que variam de 5-29%.

Neste contexto, foi apresentado um estudo de fase II com um imunoconjugado (Tisotumab Vedotin) composto de um anticorpo específico (IgG1) para o Fator Tecidual acoplado ao um agente antimicrotúbulo (monomethyl auristatin E - MMAE) em pacientes com tumores sólidos avançados que haviam falhado a terapia padrão.

Neste estudo, apresentado pelo professor Ignace Vergote, foram incluídas 34 pacientes com câncer de colo uterino, sendo que 53% falharam a duas ou mais linhas paliativas. Cerca de 91% das pacientes haviam recebido platina e taxane previamente, 71% também haviam recebido bevacizumabe e 68% recebido esquema de tratamento conforme o estudo GOG 240. O efeito adverso mais comum foi conjuntivite (50% qualquer grau e 3% graus ¾), sendo que a incidência deste efeito foi drasticamente reduzida com medidas profiláticas com colírio de corticóide e lubrificantes. Taxa de resposta global foi de 32% e taxa de controle da doença em 12 semanas foi de 50%.

O professor Mansoor Mirza, da Nordic Society of Gynaecological Oncology e Copenhagen University Hospital, na Dinamarca, comentou o estudo: “Com a eficácia premilinar demonstrada neste estudo, há um forte racional de se testar esta medicação em estudo randomizado”. E complementa que “caso demonstre atividade em segunda liha através de estudo randomizado, esta medicação deve ser testada em linhas mais inicias”.

Referência: 1-Abstract 931 A phase IIa study of tisotumab vedotin (HuMaxVR -TF-ADC) in patients with relapsed, recurrent and/or metastatic cervical cancer apresentado pelo Dr Ignace Vergote

Rucaparibe no câncer de ovário recorrente BRCA mutado

A terapia de manutenção com o inibidor de PARP rucaparibe aumentou em 77% a sobrevida livre de progressão (SLP) no câncer de ovário recorrente BRCA mutado. Também houve ganho de SLP para as pacientes que receberam o inibidor da PARP independente da positividade do teste para avaliar deficiência da recombinação homológa (perda da heterozigosidade – LOH). Os resultados são do estudo ARIEL3, um dos late-breaking abstracts selecionados para o Congresso ESMO 2017, e foram apresentados por Jonathan Ledermann, primeiro autor do estudo e professor de oncologia médica no UCL Cancer Institute, em Londres, Reino Unido.

A maioria das pacientes com câncer epitelial de ovário (CEO) se apresenta ao diagnóstico em estágio avançado da doença e 80% destas pacientes recidivam após o tratamento de primeira linha. As pacientes frequentemente respondem novamente à quimioterapia, particularmente à base de platina, mas quase inevitavelmente têm novas recidivas, e a maioria morre em decorrência de falha terapêutica. Tratamentos que evitem recidivas, ou que aumentem o intervalo livre de recorrência, são essenciais para melhorar a sobrevida e a qualidade de vida das pacientes com a doença.

A maior compreensão recentemente da biologia molecular do CEO tem permitido o desenvolvimento de terapias personalizadas para as pacientes, e o desenvolvimento dos inibidores da enzima PARP são um exemplo bem sucedido desta história.O estudo ARIEL3 é o 3O estudo randomizado de fase III a revelar benefícios robustos com o uso de inibidores de PARP em pacientes com CEO revidivado, platino sensível. Seus dados corroboram os achados dos estudos SOLO2, com olaparibe, e do estudo NOVA, com niraparibe.

O estudo ARIEL 3 incluiu 564 pacientes com câncer de ovário de alto grau. As pacientes elegíveis receberam ≥2 terapias anteriores à base de platina, apresentavam doença sensível à platina (progressão da doença ≥ 6 meses após a penúltima platina) e obtiveram uma resposta completa (RECIST v1.1) ou resposta parcial (RECIST v1.1 ou critérios CA-125 do Gynecologic Cancer InterGroup) para sua exposição mais frequente 'a platina.

As pacientes foram randomizadas 2:1 para terapia de manutenção com rucaparibe (n=375; 600 mg oral BID) ou placebo (n=189). O endpoint primário foi sobrevida livre de progressão, medida sequencialmente em três grupos caso o benefício fosse encontrado no grupo anterior: no grupo 1, foram incluídas pacientes com mutação em BRCA (germinativa ou somática); no grupo 2, pacientes com recombinação homóloga deficiente (BRCA mutado ou BRCA selvagem com alto grau de perda de heterozigosidade genômica - LOH) ; e, no grupo 3, a população intent to treat (população inteira do estudo).

A sobrevida livre de progressão também foi avaliada por avaliação central independente cega (endpoint chave secundário) e status LOH em pacientes com câncer de ovário BRCA selvagem (endpoint exploratório).

Resultados

Rucaparibe levou a uma melhoria estatisticamente significativa na sobrevida livre de progressão nos três grupos. A sobrevida livre de progressão aumentou de 5,4 meses para 16,6 meses (grupo 1), 13,6 meses (grupo 2) e 10,8 meses (grupo 3), com hazard ratio de 0,23, 0,32 e 0,36, respectivamente. A melhora na sobrevida livre de progressão foi maior no grupo BRCA mutado, que teve um aumento de 77%, mas não foi restrita a ele.

Nas análises exploratórias, as pacientes sem mutação BRCA (tipo selvagem) foram divididas em LOH alto e baixo. Como esperado, pacientes com LOH alto apresentaram maior impacto na sobrevida livre de progressão em comparação com aqueles com LOH baixo. No entanto, em ambos os subgrupos, rucaparibe foi melhor que o placebo. Outro análise interessante foi realizada nas pacientes com doença residual mensurável após a quimioterapia com platina. Pacientes nos grupos 1, 2 ou 3 apresentaram taxa de resposta global de 37,5, 27,1 e 18,4% no braço do rucaparibe comparado a 8,7, 7,3 e 7,6% no braço do placebo.

Segundo o autor principal Dr Ledermann, era esperado que o teste LOH distinguisse os respondedores dos não respondedores, mas os grupos de LOH alto e baixo se beneficiaram. No entanto, a magnitude do benefício de sobrevida livre de progressão foi maior nos pacientes com BRCA selvagem/LOH alto.

O perfil de segurança foi consistente com os estudos anteriores de fase II. Os eventos adversos ≥ grau 3 relacionados com o tratamento mais comuns foram anemia (18,8% e 0,5%) e aumento de alanina/aspartato aminotransferase (10,5% rucaparibe; 0% placebo). Na data de cut off (15 de abril de 2017), 13,4% (rucaparib) e 1,6% (placebo) dos pacientes interromperam o tratamento devido a eventos adversos (excluindo a progressão da doença); 1,6% (rucaparibe) e 1,1% (placebo) dos pacientes morreram devido a eventos adversos (incluindo a progressão da doença).

Os inibidores de PARP são o maior desenvolvimento na terapia do câncer de ovário desde a introdução dos medicamentos à base de platina, no final da década de 1970 e início da década de 1980. Rucaparib é claramente um membro exemplar desta classe de drogas.

Referência: Abstract LBA40_PR 'ARIEL3: A Phase 3, Randomised, Double-Blind Study of Rucaparib vs Placebo Following Response to Platinum-Based Chemotherapy for Recurrent Ovarian Carcinoma (OC)' - J. Ledermann et al