Relatório inicial do estudo Atlas do Genoma de Células Circulantes (CCGA) fornece evidências preliminares de que um exame de sangue pode ser capaz de detectar câncer de pulmão em estágio inicial. O estudo foi um dos destaques do programa científico da ASCO 2018, apresentado na sessão oral da oncologia torácica (LBA 8501), e abre espaço para utilizar o cell-free DNA como ferramenta para o diagnóstico precoce do câncer. Quem analisa os resultados é André Marcio Murad (foto)*, coordenador do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP).
O câncer de pulmão é a maior causa de morte por câncer em todo o mundo e é tipicamente diagnosticado nos estágios finais, quando, apesar dos recentes avanços no tratamento, a sobrevida é frequentemente medida em meses. Esses dados iniciais do CCGA são empolgantes porque sugerem que é possível detectar câncer de pulmão por meio de alterações moleculares do DNA no sangue periférico em estágios iniciais, quando as taxas de sobrevida podem ser mais altas. A taxa de sobrevida em cinco anos para câncer de pulmão inicial é de 56%; no entanto, apenas 16% dos cânceres de pulmão são atualmente diagnosticados nesse estágio.
Neste subestudo pré-planejado do CCGA, três ensaios-protótipo de sequenciamento do genoma foram avaliados como métodos potenciais para um teste sanguíneo para detecção precoce do câncer. Na primeira fase, amostras de sangue de 1.627 participantes com e sem câncer foram sequenciadas. Vinte tipos de câncer diferentes em todos os estágios foram incluídos. Para a subanálise, foram consideradas amostras de sangue de 127 participantes com câncer de pulmão.
Os estudos de sequenciamento incluíram: Sequenciamento direcionado (com "hotspots") de DNA livre de células pareadas (cfDNA) e glóbulos brancos para detectar mutações, tais como variantes de um único nucleotídeo e pequenas inserções e / ou deleções;
Sequenciamento do genoma completo do DNA livre circulante pareado com o de glóbulos brancos para detectar alterações no número de cópias somáticas (WGS);
E sequenciamento com o bissulfito do genoma completo de cfDNA (WGBS) para detectar padrões anormais de metilação de cfDNA (alterações epigenéticas).
O sequenciamento dos glóbulos brancos é importante para se eliminar falso-positivos, pois variações encontradas no sequenciamento de DNA do sangue periférico podem ter origem em mutações somáticas que ocorrem em células sanguíneas provenientes da hematopoese clonal, não se tratando portanto de mutações do DNA das células tumorais.
Os resultados encontrados foram animadores. Com uma especificidade de 98%, o painel WGBS foi capaz de diagnosticar 41% dos cânceres de pulmão em estágio inicial (EC I-IIIA) e 89% dos tumores em estágio avançado (estágio IIIB-IV). O painel WGS foi igualmente eficaz, detectando 38% dos cânceres em estágio inicial e 87% dos tumores em estágio avançado, enquanto o sequenciamento direcionado detectou 51% dos cânceres em estágio inicial e 89% dos tumores avançados. Das 580 amostras controle, cinco (<1%) tiveram resultado sugestivo de câncer nos três painéis avaliados. Desses cinco participantes, dois foram posteriormente diagnosticados com câncer (um com câncer de ovário estágio III e um com câncer de endométrio estágio II), destacando o potencial do cfDNA para identificar câncer em estágio inicial.
Estes resultados são bastante promissores e evidenciam que um exame de sangue altamente específico para câncer de pulmão apresenta potencial para ajudar a melhorar as taxas de detecção precoce de um tumor com tão elevada taxa de mortalidade, justamente por ser de diagnóstico tardio. O inconveniente é o elevado custo do exame e a complexidade da execução, pois envolve o sequenciamento de todo o genoma tumoral, além da necessidade de se avaliar concomitantemente fenômenos epigenéticos, como a metilação do DNA e também o emprego do sequenciamento do DNA dos leucócitos, pois mutações somáticas encontradas no DNA circulante podem ser provenientes da hematopoese clonal, e não das células tumorais circulantes, o que resulta em resultados falso-positivos. Novos estudos devem ser conduzidos também para que o painel genômico seja mais restrito, empregando apenas nos futuros testes os genes efetivamente correlacionados com a doença precoce.
*André Márcio Murad MD, MSc, PhD - Diretor Clínico da Personal. Oncologia de Precisão e Personalizada.
Diretor Científico da Personal Diagnóstica, Laboratório de Genética de Precisão de Belo Horizonte e membro da ABMPP - Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão.
Coordenador do GBOP- Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão.