Estudos que devem impactar a prática clínica foram apresentados na 61º ASTRO, reunião anual da American Society for Radiation Oncology, realizada entre os dias 15 e 18 de setembro em Chicago. Quem comenta é o rádio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto), médico do serviço de radioterapia do HCOR-Onco e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
Como nos últimos anos, o congresso americano de radioterapia (ASTRO) trouxe novidades e promessas interessantes para a oncologia. Este ano, o evento trouxe um tema central provocativo - “Podemos curar pacientes oligometastáticos?” – que vem mais uma vez à tona devido a novas publicações, cada vez mais frequentes, utilizando radioterapia ablativa estereotáxica (SABR) para tratar pacientes com até 3-5 sítios de metástases. Lógico que a ideia do título é provocar discussões sobre o tema e as sessões presidenciais foram voltadas para resultados já apresentados anteriormente e pesquisa básica e pré-clínica, onde estamos e como poderemos melhorar.
Com os dados já publicados de fase II e os múltiplos estudos em andamento, incluindo os randomizados de fase III, fica uma sensação de que é um caminho possível e provável, e que nos próximos anos discutiremos com mais frequência a utilização de tratamentos ablativos de radioterapia em oligometástases com nossos pacientes.
Outro tema muito comentado no congresso foi a utilização de um novo método de radioterapia, ainda experimentável e em prova de conceito, chamado de radioterapia FLASH. A teoria data da década de 1970, e com máquinas novas, entre elas prótons, tem tornado uma técnica mais reprodutível e viável. De forma resumida, o conceito envolve a entrega ultrarrápida de radioterapia (RT) a taxas de dose geralmente milhares de vezes superiores às atualmente utilizadas na prática clínica de rotina convencional (CONV-RT). Embora o FLASH-RT versus CONV-RT tenha sido caracterizado inicialmente usando sua taxa de dose média (> 40 Gy/s para FLASH-RT vs 0,01 Gy/s para CONV-RT), a definição completa é mais complexa e envolve vários parâmetros físicos, como taxa de repetição, pulsos (número e largura) e duração total da exposição.
A hipótese é que taxas de dose muito altas (da ordem de 100-1000 Gy/segundo) podem levar a uma economia de tecido normal sadio e uma possibilidade de escalonar a dose no tumor. Se confirmado em um cenário clínico, isso pode ter implicações enormes para a radioterapia moderna.
Só como exemplo, em um dos artigos experimentais em animais, Montal-Gruel mostrou que uma única fração de cérebro total administrada em altas doses não resultou em déficit de memória e dano cognitivo reduzido em camundongos. Outros estudos em porcos, cães e gatos reproduziram dados semelhantes em outros sítios anatômicos. Esse ano um primeiro paciente de linfoma cutâneo refratário foi tratado com a técnica, demonstrando resposta completa com baixa toxicidade. É um tema novo que devemos prestar atenção nos próximos anos.
Destaques de alguns dos principais estudos
1 - Two years of anti-androgen treatment increases other-cause mortality in men receiving early salvage radiotherapy: A secondary analysis of the NRG Oncology/RTOG 9601 randomized phase III trial
Apresentado na sessão plenária por Daniel Spratt, este estudo traz uma interessante análise do RTOG 9601, originalmente publicado no NEJM. No estudo original, mostrou-se ganho de sobrevida global ao se adicionar bicalutamida 150mg/dia por dois anos ao tratamento de salvamento de loja prostática no cenário de recidiva bioquímica pós prostatectomia. Nessa nova análise os investigadores estratificaram os pacientes em PSA acima de 1,5ng/ml, de 0,6 a 1,6 e abaixo de 0,6ng/ml, mostrando diferenças nos ganhos de sobrevida e sugerindo que o nível de PSA pode ser um biomarcador preditivo nessa situação.
Pacientes com PSA acima de 1,5 tiveram ganhos mais expressivos de sobrevida global, enquanto aqueles pacientes com PSA abaixo de 0,6 tiveram mais mortes por causas cardíacas, o que sugere um detrimento ao usar bicalutamida para esse subgrupo. Esse estudo é importante para auxiliar na seleção de quem deve receber hormonioterapia nesse cenário.
É claro que nem tudo é tão simples. A minoria dos pacientes do estudo tinha doença de alto risco (17% Gleason 8-10), a terapia utilizada já não é a usada atualmente e o estudo que utiliza o tratamento mais atual de bloqueio hormonal central por 6 meses (GETUG) ainda não mostrou ganho de sobrevida com 9 anos de seguimento. A mensagem que fica é que devemos estar atentos aos pacientes que receberão hormonioterapia concomitante a radioterapia, principalmente com PSA menores de 0,6. Talvez um subgrupo de menor risco não se beneficie dessa combinação. É preciso ter cautela com pacientes de muito alto risco (ex. Gleason 9 e 10), que não foram a amostra principal do RTOG 9601, e talvez seja um subgrupo que ainda possa se beneficiar de tratamentos mais agressivos.
2 - A Phase III Multi-Centre Randomized Trial comparing Adjuvant versus Early Salvage Radiotherapy following a Radical Prostatectomy: Results of the TROG 08.03 and ANZUP “RAVES” Trial
Outro estudo importante dentro da urologia e já aguardado há alguns anos, o estudo RAVES tentou esclarecer uma dúvida antiga: a radioterapia de resgate precoce (PSA 0,2) é equivalente à radioterapia adjuvante à prostatectomia? Sabemos há muitos anos que a radioterapia adjuvante traz benefício de controle bioquímico a longo prazo e até sobrevida em um dos estudos randomizados comparando radioterapia de salvamento versus adjuvante. A questão é que esses estudos são antigos, realizados em um período de pior qualidade de diagnóstico e detecção precoce de recidiva.
Também sabemos que a radioterapia adjuvante é melhor que a RT de salvamento para pacientes com muitos fatores de risco para recidiva (margem comprometida, PSA não ideal, Gleason alto...etc.), mas que uma parcela desses pacientes provavelmente não se beneficiaria de radioterapia adjuvante e poderia estar sendo super tratados. Assim, o Raves tentou comparar um tratamento de salvamento mais moderno e precoce, com PSA mais baixo, versus adjuvância imediata. O estudo demonstrou que o salvamento precoce é equivalente à adjuvância, com curvas de sobrevida livre de recorrência bioquímica em 5 anos muito sobrepostas; porém, não conseguiu mostrar não inferioridade, uma vez que cruzou o limiar do estudo de 1.48 (0.71-1.75).
A maioria dos pacientes do estudo eram Gleason 7 com margens positivas, uma população bem favorável nesse cenário, mostrando que apesar da estatística, esses pacientes parecem poder receber uma terapia mais tardia com PSA baixo e evitar um pouco mais de toxicidade urinária e melhor recuperação de continência pós-cirurgia do que quando tratados de forma adjuvante. Entretanto, não é possível extrapolar esses dados para pacientes com doença mais avançada com Gleason 8-10, T3a/b e maior risco de comprometimento linfonodal. Nesses casos, ainda devemos aguardar mais estudos como o RADICALS para nos dar informações especificas nessa população de doença mais avançada. Enquanto isso, a abordagem adequada é a discussão multidisciplinar com um rádio-oncologista para a melhor decisão terapêutica junto ao paciente.
3 - Primary outcomes of a phase II randomized trial of observation versus stereotactic ablative radiation for oligometastatic prostate cancer (ORIOLE)
O estudo ORIOLE está totalmente inserido no contexto de oligometástases, tema principal do congresso. Ele é o sexto estudo prospectivo, terceiro estudo de fase II e segundo randomizado a utilizar radioterapia estereotáxica ablativa hipofracionada (SABR) para tratar pacientes com oligometástases de próstata. Além disso, ainda existem outros estudos com múltiplas histologias que incluíram uma porcentagem de pacientes de próstata. Todos os estudos mostraram benefício em seus diversos objetivos e toxicidades bastante baixas e aceitáveis.
Diferente do estudo STOMP, primeiro estudo de fase II randomizado nesse cenário que mostrou sobrevida livre de hormonioterapia (21 versus 13 meses), o ORIOLE nos traz diferenças importantes em sobrevida livre de progressão em 6 meses (61% no grupo observação progrediram e 19% no SABR).
Outro achado muito interessante desse trabalho é que os pacientes foram tratados com imagens de diagnóstico convencionais, mas 36 dos 37 pacientes que receberam SABR fizeram PET/CT Ga68-PSMA antes e 180 dias depois da radioterapia, e os médicos envolvidos não sabiam os resultados deste exame. O que essa subanálise mostrou foi que pacientes que não tinham outras lesões detectadas apenas pelo PET tiveram menos desenvolvimento de novas lesões em 6 meses (16% vs 63% p=0.006) em comparação com aqueles que tinham pelo menos uma lesão adicional detectada pelo PET antes do tratamento. Pacientes que tiveram todas as lesões abladas pelo PET, ou seja, sem outras lesões adicionais pelo PET no tempo do tratamento, tiveram melhor sobrevida livre de progressão (não alcançada vs 11.8 meses, p=.003) e melhor sobrevida livre de metástases (29 vs 6 meses, p.0008).
Os resultados sugerem que a radioterapia está influenciando não somente as lesões tratadas, mas também mudando o curso de desenvolvimento de novas metástases. Outro ponto importante do estudo foi que os pesquisadores investigaram amostras de DNA de receptores de células T, antes e 90 dias após a radioterapia. O grupo que recebeu SABR teve significativas alterações mensuráveis de células T, mas no grupo observação essas alterações não foram mostradas. Os autores relataram que as alterações imunológicas encontradas no grupo SABR foram similares às observadas após a vacinação de pacientes, mostrando que SABR foi capaz de induzir resposta imune sistêmica.
4 - Patterns of disease progression with durvalumab in stage III NSCLC (PACIFIC)
Mais uma vez houve apresentação de dados do estudo PACIFIC, já exaustivamente comentado, com ganho de sobrevida global para adição de imunoterapia (durvalumab) após radio+quimioterapia para pacientes com adenocarcinoma de pulmão com doença localmente avançada. Dessa vez os autores trouxeram dados de padrão de recorrência.
Metade (45,4%) dos pacientes no braço tratado com durvalumab tiveram progressão ou morreram, em comparação com dois terços (64,6%) dos pacientes no grupo placebo. Para a maioria dos pacientes (nos dois braços), novas lesões apareceram pela primeira vez no tórax. Dos pacientes tratados com durvalumab, 36,6% tiveram a primeira progressão apenas no tórax (em comparação com 48,1% daqueles não tratados com durvalumab) e 6,9% tiveram progressão fora do tórax (versus 13,1% no placebo braço). Nos pacientes que tiveram progressão à distância a mais comum foi no cérebro (61.9% no grupo durvalumab vs 66.7& no placebo). O tempo para crescimento de novas lesões também foi maior para o grupo que recebeu durvalumab, tanto para o grupo que recorreu apenas localmente (25.2 vs 9.2 meses HR0.55 IC 0.43-0.7) quanto para os que tiveram progressão à distância (mediana ainda não alcançada HR 0.41 IC0.27-0.63).
Com esses resultados fica claro que durvalumab reduz recorrência local e à distância e muda o padrão de como ocorrem as recorrências (tempo e volume), permitindo talvez que terapias focais possam ser usadas em pacientes com baixo volume de recorrência.
5 - PET-Guided Treatment of Early-Stage Favorable Hodgkin Lymphoma: Final Results of the International, Randomized Phase 3 Trial HD16 by the GHSG
O grupo alemão apresentou os resultados finais do estudo HD16, onde pacientes com doença de Hodgkin estádio inicial favorável eram randomizados para tratamento convencional ABVD x 2 seguido de RT de campos envolvidos 20Gy versus um tratamento guiado pelo PET/CT, onde quem tinha resposta completa após ABVD 2 x seria apenas observado no grupo experimental. Os objetivos do estudo eram avaliar se a radioterapia poderia ser omitida após a quimioterapia com PET negativo (Deauville ≤ 2) e se o PET positivo após a quimioterapia seria um fator de risco de pior prognóstico para os pacientes que receberiam o tratamento convencional com radioterapia.
O primeiro objetivo mostrou que apenas 2 ciclos de ABVD sem radioterapia obteve uma pior sobrevida livre de progressão (93.4% grupo radioterapia versus 86.1% no grupo somente quimioterapia HR 1.78 95% IC 1.02-3.12, p=0.04). A sobrevida global não foi diferente devido às excelentes opções de resgate oferecidas aos pacientes.
Os autores reforçam que a maioria das recorrências apresentadas no grupo da quimioterapia ocorreram dentro do campo da radioterapia (9% no grupo QT vs 2% no grupo RT) e que fora do campo de radioterapia a diferença não foi significativa (4 vs 5%).
Em relação ao segundo objetivo, o estudo mostrou que pacientes com a escala de PET Deauville ≥ 4 tiveram significativa piora de sobrevida livre de progressão após ABVD x 2 + 20Gy IFRT ((80.9% vs 93.4% HR 3.13, 95% IC 1.62-6.08, P=0.0007). 2x ABVD + 20Gy nesse cenário parece ser pouco e talvez seja necessário mais radioterapia, quimioterapia ou ambos para esse subgrupo específico. Para os pacientes com PET negativo pós ABVD x2, radioterapia de campos envolvidos de consolidação continua a ser o tratamento padrão.
6 – Preservação de hipocampo com radioterapia de cérebro total
- Significant Preservation of Neurocognitive Function (NCF) and Patient-Reported Symptoms with Hippocampal Avoidance (HA) during Whole-Brain Radiotherapy (WBRT) for Brain Metastases: Final Results of NRG Oncology CC001
- Phase III Trial of Prophylactic Cranial Irradiation with or without Hippocampal Avoidance for Small-Cell Lung Cancer.
Dois estudos foram apresentados com enfoque na preservação cognitiva após radioterapia de cérebro total. O primeiro, NRG CC001, já apresentado na ASTRO de 2018, trouxe dados de mais longo prazo para consolidar o cérebro total utilizando técnica de IMRT para preservar o hipocampo de doses mais elevadas de radiação. O estudo randomizava pacientes que iriam receber radioterapia de todo cérebro para receber Memantina (já mostrado em outro estudo do RTOG redução de déficit cognitivo com esta droga) com ou sem preservação de hipocampo. Agora, com seguimento mediano de um ano, o estudo reafirma o melhor desfecho cognitivo e mantém taxas de recaída no cérebro similares, com muitos poucos casos com falhas na área do hipocampo.
O segundo estudo trouxe o questionamento para uma área mais específica, pacientes com doença de pequenas células de pulmão que iriam receber radioterapia profilática de crânio (PCI), 10 x 2.5Gy. Nesse estudo não foi usado a Memantina e apenas randomizados para PCI com ou sem preservação de hipocampo. Apesar do estudo ser menor, os autores concluíram que PCI com preservação de hipocampo preserva deterioração cognitiva, sem diferença em falha cerebral, sobrevida global e toxicidades do tratamento.