A lavagem peritoneal intraoperatória extensa (EIPL, da sigla em inglês) não reduz o risco de recorrência peritoneal e não tem impacto na sobrevida de pacientes com recorrência peritoneal do câncer gástrico. É o que mostram os resultados de estudo asiático selecionado para apresentação oral no ASCO GI, que discutiu o papel da EIPL após gastrectomia. O cirurgião oncológico Michel Jamil Chebel (foto), titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), comenta o trabalho.
“A disseminação peritoneal de células no câncer gástrico é importante fator prognóstico, visto que a sobrevida média desses pacientes não ultrapassa um ano. Desde os anos 80 a prevenção dessa via de disseminação é motivo de interesse de pesquisas clínicas”, afirma Chebel.
Ele observa que o aumento da eficiência da quimioterapia sistêmica não evidenciou resultados na prevenção de carcinomatose peritoneal. “Quimioterapia hipertérmica intraperitoneal (HIPEC) mostrou resultados iniciais promissores em ensaios clínicos randomizados. Porém, resultados a longo prazo e reanálises estatísticas não se firmaram na prática clínica até o presente momento, restando aguardar o estudo francês GASTRICHIP”, explica o cirurgião do Hospital do Câncer de Uberlândia, COT/Oncoclínicas e Uberlândia Medical Center (UMC).
Sobre o estudo
Este estudo prospectivo, randomizado, de Fase III, envolveu 22 hospitais da Coréia, China, Japão, Malásia e Singapura. Foram elegíveis pacientes entre 21 e 80 anos com câncer de estômago cT3/4 submetidos à ressecção curativa, randomizados para cirurgia e EIPL (lavagem com 10 litros de solução salina) ou cirurgia isolada.
Todas as análises foram realizadas com base na intenção de tratar, considerando os desfechos de sobrevida livre de doença (SLD) e sobrevida global (SG), além de dados de segurança.
Entre março de 2015 e agosto de 2018, 800 pacientes foram randomizados para receber cirurgia isoladamente (n = 402) ou cirurgia +EIPL (n = 398). Após acompanhamento por um período médio de 29 meses, a incidência cumulativa de três anos de mortalidade por todas as causas foi de 23,1% para o grupo tratado com cirurgia +EIPL e de 23,3% para o grupo que recebeu cirurgia isolada ([HR] = 1,09, IC 95%: 0,78 a 1,52, p = 0,615).
A incidência cumulativa de recorrência em três anos também não diferiu entre os dois braços de tratamento, com 28,0% e 25,9%, respectivamente (HR = 1,01, IC 95%: 0,74 a 1,37, p = 0,947), assim como a taxa de recorrência peritoneal, com 7,9% e 6,6%, respectivamente (HR = 1,33 , IC 95%: 0,73 a 2,42, p = 0,347).
O risco de eventos adversos foi maior no braço EIPL em comparação à cirurgia isolada (risco relativo = 1,58, IC 95% 1,07 a 2,33, p = 0,019). Os eventos adversos mais comuns foram vazamento anastomótico, sangramento e abscesso intra-abdominal.
Em conclusão, o EIPL não mostrou nenhum benefício de sobrevida em comparação à cirurgia isolada e não é recomendado para pacientes com câncer gástrico submetidos à gastrectomia curativa. Na terceira análise intermediária, em 28 de agosto de 2019, foi recomendado o encerramento do estudo, com base na futilidade dos resultados.
“Abordagens mais simples, com a lavagem exaustiva da cavidade peritoneal com solução salina após gastrectomia com intenção curativa, que em alguns estudos anteriores que mostraram alguma vantagem em relação à cirurgia isolada na prevenção de carcinomatose peritoneal, não evidenciou os mesmos resultados neste estudo bem desenhado e com bom número de pacientes. Os resultados demonstraram taxas de mortalidade, sobrevida, recorrência e recorrência peritoneal semelhantes nos 2 grupos, e aumento de efeitos adversos no grupo da lavagem peritoneal, principalmente deiscência anastomótica, sangramento e abscesso peritoneal”, conclui Chebel.
Informação do ensaio clínico na Plataforma Clinical Trials: NCT02140034.
Referências: Extensive peritoneal lavage after curative gastrectomy for gastric cancer study (EXPEL): An international multicenter randomized controlled trial. - J Clin Oncol 38, 2020 (suppl 4; abstr 279)