Estudo brasileiro selecionado para apresentação em pôster no Congresso da Sociedade Europeia de Radioterapia (ESTRO 2020) avaliou o impacto da infecção por HIV em pacientes com linfoma difuso de grandes células B que recebem tratamento com radioterapia de consolidação. O médico especialista em radioterapia Geovanne Pedro Mauro (foto), da Universidade de São Paulo (USP), é o primeiro autor do estudo.
Mesmo sendo frequente, não se sabe como a infecção pelo HIV e seu tratamento impactam na radioterapia de consolidação do linfoma não Hodgkin difuso de células B (DBCL).
No estudo, os pesquisadores avaliaram uma coorte retrospectiva de pacientes DBCL tratados com quimioterapia e radioterapia de consolidação entre 2010 e 2018. Todos os pacientes tinham linfoma comprovado por biopsia e foram incluídos se a radiação fazia parte do tratamento. Além disso, foram selecionados aqueles pacientes com pelo menos 6 meses de acompanhamento ou até o óbito.
Resultados
Foram selecionados 359 pacientes com mediana de idade ao diagnóstico de 57,7 anos (13-90 anos). O acompanhamento médio foi de 48,0 meses. 51,3% dos pacientes eram mulheres e a maioria tinha bom desempenho na escala ECOG (78,8% ECOG 0-1). A mediana de sobrevida global não foi alcançada, mas a SG média foi de 50,1 meses com 86 mortes. A mediana de sobrevida livre de progressão foi de 48,7 meses.
A infecção pelo HIV não teve impacto na sobrevida global (p = 0,580) ou sobrevida livre de progressão (p = 0,347) entre os pacientes tratados com radioterapia. Pacientes HIV positivos foram mais frequentemente estadiados apenas com tomagrafia computadorizada (p> 0,05) sem impacto na SLP (p = 0,191).
Nenhum paciente HIV positivo recebeu rituximabe devido às restrições locais, sendo mais propensos a receber quimioterapia tipo CHOP (p <0,05), principalmente com etoposídeo (CHOEP). CHOP foi associado a melhor sobrevida (p = 0,015) na população geral e na população HIV-negativo (p = 0,002), mas não na população HIV-positivo (p = 0,982). No geral, as toxicidades da radioterapia não foram mais frequentes na população HIV-positivo (p = 0,567), exceto fadiga (p <0,05) e toxicidades hematológicas (p = 0,022).
Os autores concluíram que o status HIV não teve impacto na sobrevida quando os pacientes são tratados com radioterapia de consolidação. Para pacientes HIV-positivos, parece haver um aumento da fadiga e toxicidades hematológicas de qualquer grau com radiação. “O ponto mais importante deste trabalho é lançar luz nesta subpopulação de pacientes vivendo com o vírus HIV, quase sempre excluídos de estudos prospectivos. Apesar da amostra expressiva, estes pacientes raramente conseguem completar o tratamento curativo”, avalia Mauro.
O especialista observa que um estudo prévio com os pacientes do ICESP e do Emílio Ribas publicado em 2010 no Annals of Hematology já mostrava que a maior parte destes pacientes vivem menos de um ano e não chegam a serem avaliados para terapia de consolidação. “Nesta amostra de sobreviventes que conseguimos comparar com a amostra de pacientes soronegativos, vimos que quando o HIV está controlado com terapia antirretroviral, conseguimos os mesmos resultados de sobrevida.
Também é um aspecto novo para a comunidade de radio-oncologistas. Poucos trabalhos levam em consideração a interação entre radioterapia e HIV, ainda mais no contexto clínico. Nossa especialidade tem muito a aprender com estes pacientes e seus cuidados especiais. Acredito também ser um contexto novo para infectologistas, que precisam ser trazidos para a equipe multidisciplinar de tratamento oncológico no caso especial dos pacientes vivendo com HIV”, conclui.
O trabalho conta com a participação dos médicos especialistas em radioterapia Carolina Trindade Mello Medici, do Hospital de Amor Amazônia, em Porto Velho (RO), Lucas Coelho Casimiro, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), e Eduardo Weltman, do Hospital Israelita Albert Eintein; além do hematologista Antonio Adolfo Guerra Soares Brandão, do ICESP.
Referência: PO-0914 Impact of HIV infection on consolidative radiotherapy for non-Hodgkin diffuse large B-cell lymphoma - C. Trindade Mello Medici1, L. Coelho Casimiro2, A. Adolfo Guerra Soares Brandão3, G.P. Mauro4 – 1 - Barretos Cancer Hospital, Radiotherapy, Porto Velho, Brazil ; 2 - Instituto do Câncer do Estado de São Paulo ICESP, Radiotherapy, Sao Paulo, Brazil ; 3 - Instituto do Câncer do Estado de São Paulo ICESP, Hematology, São Paulo, Brazil ; 4 - University of Sao Paulo, Radiology and Oncology, Sao Paulo, Brazil