Onconews - Quimioterapia adjuvante não oferece benefício de sobrevida para pacientes com câncer cervical localmente avançado

angelica 21 1 bxA quimioterapia adjuvante administrada após o tratamento padrão de quimiorradioterapia não melhora a sobrevida de mulheres com câncer cervical localmente avançado e está associada a efeitos colaterais adicionais. É o que mostram os resultados de ensaio internacional de Fase III destacado no encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), com dados que mudam a prática clínica. A oncologista Angélica Nogueira-Rodrigues (foto), pesquisadora da UFMG e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), comenta os resultados.

Neste estudo multicêntrico (OUTBACK) de Fase III, do Gynecologic Cancer InterGroup (GCIG), foram incluídas pacientes com câncer cervical localmente avançado, com doença estágio IB1 e linfonodo positivo, IB2, II, IIIB ou IVA (FIGO 2008) indicadas para o tratamento primário com quimiorradioterapia com intenção curativa. As pacientes foram randomizadas para receber quimiorradioterapia padrão à base de cisplatina com ou sem quimioterapia adjuvante (QTad) com 4 ciclos de carboplatina e paclitaxel, estratificadas por status nodal, estágio FIGO, idade e radioterapia de campo estendido planejada. O endpoint primário foi a sobrevida global (SG) em 5 anos. Endpoints secundários incluíram sobrevida livre de progressão (SLP), efeitos adversos e padrões de recorrência da doença.

Resultados

919 de 926 mulheres recrutadas de abril de 2011 a junho de 2017 foram elegíveis e incluídas na análise primária: 463 para quimioterapia adjuvante e 456 para o grupo controle. A QTad foi iniciada em 361 (78%) das mulheres. Em um acompanhamento médio de 60 meses (IQR 45-65), a SG em 5 anos foi semelhante entre QTad versus controle (72% vs 71%, diferença <1%, IC 95% -6 a +7; P = 0,91; Hazard Ratio: 0,91 (95% CI 0,70-1,18). A SLP em 5 anos foi semelhante entre QTad versus controle (63% vs 61%, diferença 2%, IC 95% -5 a +9; P = 0,61; HR: 0,87, (IC 95% 0,70 a 1,08).

No período de um ano da randomização, eventos adversos de graus 3-5 ocorreram em 81% das pacientes que receberam ACT contra 62% das mulheres no braço controle. Os padrões de recorrência da doença também foram semelhantes nos dois grupos de análise.

“A quimioterapia adjuvante administrada após quimiorradioterapia à base de cisplatina padrão para mulheres com câncer cervical localmente avançado não melhorou SG ou SLP”, concluem os autores. ”Em síntese, não há benefício com a quimioterapia adjuvante e os efeitos colaterais graves também aumentam”, destacou a primeira autora, Linda R. Mileshkin,  oncologista do Peter McCallum Cancer Centre em Melbourne, Austrália.

Segundo Angélica, os resultados do estudo Outback eram muito aguardados pela comunidade de oncoginecologistas. “Desde a publicação em 2011 do estudo de fase III conduzido por Dueñas-Gonzales que reportou ganho em sobrevida global com a combinação de gencitabina à cisplatina concomitante à radioterapia e em manutenção em pacientes com câncer do colo do útero localmente avançado, persistia em aberto qual o papel específico da adjuvância com citotóxicos. O resultado negativo do Outback dissipa a dúvida”, diz.

Lori J. Pierce, presidente da ASCO, reforça que o trabalho fornece evidências claras de que a adição de quimioterapia após a quimiorradioterapia não estende a sobrevida. “Os resultados mudam imediatamente a prática, mostrando que essa abordagem não deve ser usada para tratar o câncer cervical localmente avançado. Agora podemos poupar nossas pacientes dos efeitos colaterais e da toxicidade que vem com a quimioterapia adicional”, afirma.

Angélica acrescenta que o resultado deixa um desafio. “No Brasil, cerca de 60% das pacientes com câncer do colo do útero têm doença localmente avançada ao diagnóstico, e destas 30-50% recidivam. Segue grande a necessidade de avanços terapêuticos neste contexto clínico”, conclui.

Referência: LBA3: Adjuvant chemotherapy following chemoradiation as primary treatment for locally advanced cervical cancer compared to chemoradiation alone: The randomized phase 3 OUTBACK Trial (ANZGOG 0902, RTOG 1174, NRG 0274) - Linda R. Mileshkin et al.