Estudo de Fase II com publicação simultânea na New England Journal of Medicine foi destaque no ASCO 2021 com resultados de sotorasibe em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) com mutação KRAS p.G12C. “Os resultados são animadores, pois se trata de uma medicação oral, bem tolerada e com resultados até o momento superiores nessa população”, destaca o oncologista Gilberto de Castro Junior (foto), professor da disciplina de oncologia da Faculdade de Medicina da USP e médico do ICESP e do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.
Neste estudo, pesquisadores avaliaram a atividade do sotorasibe, administrado por via oral na dose de 960 mg uma vez ao dia, em pacientes com CPCNPC avançado com mutação KRAS p.G12C previamente tratados com terapias padrão. O endpoint primário foi a resposta objetiva (resposta completa ou parcial) de acordo com revisão central independente. Endpoints secundários incluíram duração da resposta, controle da doença (definida como resposta completa, resposta parcial ou doença estável), sobrevida livre de progressão, sobrevida global e segurança. Os biomarcadores exploratórios foram avaliados quanto à associação com a resposta à terapia com sotorasibe.
Resultados
Os autores descrevem que entre os 126 pacientes inscritos, a maioria (81,0%) havia recebido quimioterapia à base de platina e inibidores de checkpoint imune (anti PD-1/PD-L1). De acordo com a revisão central, 124 pacientes tinham doença mensurável no início do estudo e foram avaliados quanto à resposta. Resposta objetiva foi observada em 46 pacientes (37,1%; intervalo de confiança [IC] de 95%, 28,6 a 46,2), incluindo 4 (3,2%) pacientes com resposta completa e 42 (33,9%) com resposta parcial. A duração mediana da resposta foi de 11,1 meses (IC de 95%, 6,9 a não avaliado). O controle da doença ocorreu em 100 pacientes (80,6%; IC 95%, 72,6 a 87,2). A sobrevida livre de progressão mediana foi de 6,8 meses (IC de 95%, 5,1 a 8,2), e a sobrevida global mediana foi de 12,5 meses (IC de 95%, 10,0 a não avaliada).
Em relação ao perfil de segurança, os eventos adversos relacionados ao tratamento ocorreram em 88 de 126 pacientes (69,8%), incluindo eventos de grau 3 em 25 pacientes (19,8%) e um evento de grau 4 em 1 paciente (0,8%). As respostas foram observadas em subgrupos definidos de acordo com a expressão de PD-L1, carga mutacional do tumor e mutações em STK11, KEAP1 ou TP53.
“Neste estudo de Fase II, a terapia com sotorasibe levou a um benefício clínico durável sem novos sinais de segurança em pacientes com CPCNP com mutação KRAS p.G12C previamente tratados”, concluem os autores.
Mutação KRAS G12C: um novo alvo em pacientes CPCNP avançado
Por Gilberto de Castro Junior, Professor da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da USP, Médico do Serviço de Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês
As mutações no gene KRAS são comumente encontradas no câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) avançado, correspondendo a cerca de 30% das mutações consideradas condutoras (driver mutations). Dentre as mutações KRAS, a mutação G12C (substituição do aminoácido glicina por cisteína na posição correspondente ao códon 12) é a mais comumente detectada no CPCNP não escamoso, numa frequência de 13%. Até recentemente, todos os estudos avaliando estratégias direcionadas à inibição da proteína KRAS não haviam tido sucesso.
No ASCO 2021, durante a sessão de apresentações orais em câncer de pulmão metastático em 04 de junho de 2021, foi apresentada a atualização do estudo CodeBreak 100 pelo Dr. Ferdinandos Skoulidis, do Departamento de Oncologia Torácica e de Cabeça e Pescoço do MDAnderson Cancer Center, EUA, com publicação simultânea na The New England Journal of Medicine (DOI: 10.1056/NEJMoa2103695), avaliando a molécula sotorasibe (previamente conhecida como AMG510) na dose diária de 960 mg em pacientes portadores de CPCNP com a mutação KRAS G12C.
Trata-se de um estudo de fase 2 que incluiu 126 pacientes portadores de CPCNP metastático, 82,9% tabagistas ou ex-tabagistas e 81% previamente tratados com quimioterapia citotóxica baseada em platina e inibidores de PD-(L)1, cujo tumor albergava a mutação KRAS G12C. A taxa de resposta observada (desfecho principal do estudo) foi 37,1%, com resposta parcial em 33,9% dos pacientes, e num seguimento mediano de 15,5 meses, a duração mediana de resposta foi 11,1 meses e a sobrevida livre de progressão, 6,8 meses. A sobrevida global mediana dos pacientes foi 12,5 meses.
Eventos adversos ocorreram em 69,8% dos pacientes, sendo diarreia, náuseas, elevação de transaminases e fadiga os mais frequentes (>10% dos pacientes). Toxicidade G3 ou superior, relacionadas ao sotorasibe, foi observada em 19,8% dos pacientes.
Numa análise exploratória, os autores observaram que respostas ocorreram em diferentes subgrupos analisados (de acordo com diferentes frações alélicas, carga mutacional tumoral, ou mesmo a presença de comutações em TP53, STK11 ou KEAP1).
Docetaxel isoladamente ou em associação com antiangiogênicos é alternativa de tratamento atual para esses pacientes, com taxas de resposta entre 10-25% e sobrevida livre de progressão inferior a 6 meses. Nesse cenário, os resultados do sotorasib são animadores, pois se trata de uma medicação oral, bem tolerada e com resultados até o momento superiores nessa população. É um novo alvo que precisamos identificar em nossos pacientes. Será muito importante aguardarmos os resultados do estudo CodeBreak 200, que compara sotorasib versus docetaxel na fase III, que teve a participação de investigadores brasilieros.
A agência regulatória americana FDA (Food and Drug Adminstration) aprovou no último dia 28 de maio o sotorasibe como tratamento para pacientes portadores de CPCNP KRAS previamente tratados e a plataforma diagnóstica Guardant360 CDx como companion diagnostic test, empregado na seleção destes pacientes.
Informações do ensaio clínico em ClinicalTrials.gov: NCT03600883
Referência: Sotorasib for Lung Cancers with KRAS p.G12C Mutation - Ferdinandos Skoulidis et al. - DOI: 10.1056/NEJMoa2103695