Onconews - Câncer de cólon e antibióticos

alexandre palladino inca bxEstudo apresentado no ESMO GI 2021 sugere que o uso desnecessário de antibióticos pode aumentar o risco de câncer de cólon, especialmente em pessoas com menos de 50 anos.1 Apesar de não mostrar uma relação direta de causa e efeito, os resultados levantam novas preocupações sobre o impacto do aumento estimado de 65% no consumo global de antibióticos relatado entre 2000 e 2015.2 "A importância do uso racional de antibióticos sempre foi defendida como boa prática em medicina para evitar seleção de cepas de germes resistentes a antimicrobianos, e agora temos mais um forte argumento", afirma o oncologista Alexandre Palladino (foto), chefe da oncologia clínica do Hospital do Câncer I (INCA). 

“Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a vincular o uso de antibióticos ao risco crescente de câncer de cólon de início precoce, doença que tem aumentado a uma taxa de pelo menos 3% ao ano nas últimas duas décadas.3 Junk food, bebidas açucaradas, obesidade e álcool provavelmente contribuíram para esse aumento, mas nossos dados enfatizam a importância de evitar antibióticos desnecessários, especialmente em crianças e jovens adultos”, disse Sarah Perrott, da Universidade de Aberdeen, Reino Unido, primeira autora do estudo.

O estudo caso-controle foi conduzido usando dados de um grande banco de dados escocês de cuidados primários, e analisou quase 8 mil pessoas com câncer colorretal diagnosticados entre 1999 e 2011, combinados com até 5 controles. As análises foram conduzidas separadamente em casos câncer colorretal de início precoce (EOCRC, da sigla em inglês - diagnosticados <50 anos) e casos de início tardio (diagnosticados > = 50 anos).

As prescrições de antibióticos orais (por classe de drogas e por efeito anaeróbio / não anaeróbio) foram extraídas e o período total de exposição ao antibiótico determinado para cada conjunto correspondente. O tempo total de exposição em dias foi categorizado em 0, 1-15, 16-60 e > 60 dias.

Resultados

Foram identificados 7.903 casos de câncer colorretal (5.281 cólon, 2.622 retal) e 30.418 controles. Desses, 445 casos de pacientes com idade inferior a 50 anos. 45% receberam prescrição de antibióticos durante o período de exposição. O uso de antibióticos foi associado ao aumento do risco de câncer de cólon em ambos os grupos etários, particularmente na coorte EOCRC (<50 anos: odds ratio ajustado (ORadj) 1,49 (95% CI 1,07, 2,07), p = 0,018); > = 50 anos (ORadj (95% CI) 1,09 (1,01, 1,18), p = 0,029).

O uso de antibióticos foi associado a um risco significativamente aumentado de câncer de cólon proximal (pCC) entre os menores de 50 anos (ORadj (95% CI) 3,78 (1,60, 8,92), p = 0,002), mas não entre a faixa etária mais avançada (ORadj (95% CI) 0,89 (0,72, 1,11), p = 0,315). Essa diferença foi estatisticamente significante (p = 0,001).

“Descobrimos que o uso de antibióticos estava associado a um risco aumentado de câncer de cólon em todas as idades, mas o risco aumentou quase 50% nas pessoas com menos de 50 anos em comparação com 9% naqueles com mais de 50 anos. Na faixa etária mais jovem, o uso de antibióticos foi associado a tumores no lado direito do cólon”, destacam os autores.

Entre os dois grupos etários, a maioria das classes de antibióticos não foi significativamente associada ao câncer de cólon, reto ou distal. No entanto, quinolonas e sulfonamidas / trimetoprima foram associadas a câncer de cólon proximal apenas na coorte EOCRC (quinolonas ORadj (95% CI) 7,47 (1,40, 39,94), p = 0,019; sulfonamidas / trimetoprim ORadj (95% CI) 4,66 (1,66, 13,09), p = 0,003). O câncer retal não foi associado ao uso de antibióticos em nenhum dos grupos etários, com exceção dos antibióticos não anti-anaeróbios na coorte EOCRC (ORadj (95% CI) 1,70 (1,06, 2,74), p = 0,029). Houve evidência limitada de uma relação positiva de exposição-resposta entre o uso de antibióticos e o risco de câncer colorretal, com exceção de câncer de cólon proximal na coorte mais jovem (tendência de p 0,004).

“Nossos resultados sugerem que os antibióticos podem ter um papel na formação de tumor de cólon em todas as faixas etárias, particularmente em pessoas com menos de 50 anos. É possível que a exposição a antibióticos possa estar contribuindo para os aumentos observados em câncer de cólon de início precoce, particularmente no cólon proximal. Se confirmado, nosso estudo fornecerá outras razões para reduzir, quando possível, a prescrição frequente e desnecessária de antibióticos”, afirmam os pesquisadores. 

Palladino observa que a carcinogênese do câncer colorretal é complexa e envolve diversos fatores genéticos e ambientais, como estilo de vida e alimentação, podendo também ter correlação com a microbiota. "Este estudo mostrou uma correlação do uso de antibióticos e o aumento da incidência de câncer colorretal, principalmente os casos de início precoce. Mais uma vez ficou demostrada a complexidade da carcinogênese do câncer colorretal, com este efeito no câncer de início precoce ocorrendo apenas no cólon direito. Neste momento ainda não podemos definir com certeza se a razão deste aumento de incidência está relacionado a uma alteração da microbiota ou a uma outra ação do antimicrobiano. De qualquer maneira, fica a informação da importância do uso racional de antibióticos", conclui. 

O estudo foi financiado pela Cancer Research UK (C37316/A25535).

Referências: 

1 - Abstract SO-25 - Global rise in early-onset colorectal cancer: an association with antibiotic consumption? - Sarah Perrott et al

2 - Klein EY, Van Boeckel TP, Martinez EM et al. Global increase and geographic convergence in antibiotic consumption between 2000 and
2015.Proc Natl Acad Sci U S A. 2018 Apr 10;115(15):E3463-E3470.

3 - Vuik FE, Nieuwenburg SA, Bardou M et al. Increasing incidence of colorectal cancer in young adults in Europe over the last 25 years. Gut 2019
Oct;68(10):1820-1826.