A oncologista Daniela Lessa da Silva (foto), da clínica Oncosinos, em Novo Hamburgo, é a autora principal de estudo selecionado para apresentação em pôster no ESMO 2022 que utilizou uma avaliação hiperpragmática geriátrica para analisar possíveis diferenças na função física e risco de comprometimento cognitivo entre pacientes idosos com câncer atendidos nos sistemas de saúde público e privado. O trabalho foi premiado como melhor pôster da sessão ‘Políticas e Estratégias Preventivas’ do congresso europeu.
“Pacientes oncológicos atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS) frequentemente apresentam dificuldades de acesso ao tratamento oncológico especializado em menos de 60 dias do diagnóstico inicial do câncer. Por oferecer tratamento tanto a pacientes do SUS como do sistema privado de saúde, decidimos avaliar possíveis diferenças na função física (através do teste de velocidade de marcha de 4 metros) e risco de comprometimento cognitivo (através do teste Mini-Cog) entre essas populações de pacientes idosos com câncer”, esclarecem os autores.
Entre janeiro de 2019 e março de 2022, 905 pacientes idosos (>60 anos), sendo 691 do sistema público de saúde e 214 pacientes atendidos pelo sistema privado foram avaliados por uma velocidade de marcha (GS) de 4 metros e testes Mini-Cog antes da primeira consulta oncológica. A mediana de idade foi de 70 anos (variação de 60-94), e 45% dos pacientes eram mulheres.
A média de velocidade de marcha foi de 0,89 m/seg em pacientes do SUS e 0,93 m/seg nos pacientes do sistema privado (P=0,042). Esta diferença estatística na velocidade da marcha está concentrada na população masculina (0,9 m/seg vs 0,99 m/seg, P=0,0042). Não há diferença na população feminina em relação à velocidade de marcha.
O teste MINICOG de triagem positivo estava presente em 48% dos pacientes do sistema público em comparação com 38% dos pacientes do sistema privado (P <5). Essa diferença estatisticamente positiva concentra-se na população feminina, P=0,03.
Em conclusão, a Avaliação Geriátrica Hiperpragmática pode detectar vulnerabilidades específicas relacionadas ao sexo nos estratos sociais da população brasileira de câncer. “A população masculina de pacientes idosos com câncer tratada no sistema público de saúde tem velocidade de marcha menor em comparação com os pacientes do sistema privado. Em relação ao risco de déficit cognitivo, as idosas com câncer do SUS são particularmente vulneráveis e merecem atenção redobrada”, destacam os autores.
Daniela ressalta que embora os pacientes geriátricos sejam a maioria dos pacientes oncológicos, o uso de avaliações geriátricas é praticado por poucos serviços de oncologia. As principais barreiras citadas para a sua ampla incorporação no Brasil e no mundo são as limitações ao acesso a especialistas geriatras e o tempo considerado longo para a execução dos testes. “Desenvolvemos a Avaliação Geriátrica Hiper-Pragmática com o objetivo de simplificar e aumentar a aderência ao teste, onde avaliamos dois parâmetros essenciais de triagem: mini-COG e marcha. Em especial nos serviços de alta demanda e volume de pacientes como no Sistema Único de Saúde, é fundamental não sobrecarregar ainda mais os profissionais de saúde envolvidos para garantir que todos os pacientes recebam o tratamento adequado”, observa.
Segundo a especialista, o estudo buscou responder como principal pergunta se o teste de marcha e mini-Cog ajudaria a identificar possíveis diferenças entre as populações oncológicas geriátricas do SUS comparando com os pacientes do âmbito Privado. “Nossos resultados demonstraram que sim, trata-se de populações com níveis de fragilidades distintos e as diferenças foram significativas para ambos os testes, demonstrando maior fragilidade nos pacientes do SUS. Em particular, estas diferenças se concentraram no mini-COG nas mulheres e no teste de marcha nos pacientes masculinos. Não identificamos uma explicação imediata para esta distinção entre os sexos”, afirma.
“A avaliação geriátrica hiperpragmática permite identificar fragilidades específicas das diferentes populações e é factível em larga escala com recursos mínimos de tempo e profissionais, desde que devidamente treinados. Devemos olhar para os pacientes oncológicos geriátricos muito além estadiamento e performance status para melhor atendê-los, e a partir destas observações implementar ações terapêuticas e preventivas específicas”, conclui a oncologista.
Referência: D.S. Daniela Lessa, A.F. Ferreira Filho, R. Van der Ham, B. Caroline, V. Kipper, B. Estela. Onco-geriatric assessment can be used to detect social disparities between populations of older patients with cancer. ESMO Congress 2022, 1347P