Apresentados no ESMO 2022, os estudos de fase 3 RADICALS-HD e DADSPORT investigaram o uso de terapia de privação androgênica (ADT) juntamente com radioterapia pós-operatória em pacientes com câncer de próstata. Quem analisa os resultados dos trabalhos é o oncologista Eduardo Zucca (foto), Diretor de Ensino e Pesquisa do Instituto do Câncer Brasil.
“Existem boas evidências sobre o uso de terapia de privação androgênica com radioterapia primária como tratamento inicial para câncer de próstata. Por outro lado, há incertezas sobre o papel e a duração da ADT com radioterapia após a prostatectomia radical”, afirmou Chris Parker, oncologista do Royal Marsden NHS Foundation, em Londres, e principal autor do RADICALS-HD.
O RADICALS-HD, parte do protocolo RADICALS, é um estudo controlado randomizado que avalia o uso e a duração da terapia de privação androgênica (ADT) com radioterapia (RT) pós-operatória. Os principais critérios de elegibilidade foram indicação de radioterapia após prostatectomia e nenhuma ADT pós-operatória. Antes da radioterapia pós-operatória, os pacientes foram randomizados para nenhuma ADT (None), 6 meses de ADT (Short) ou 24 meses de ADT (Long). A randomização de 3 vias foi encorajada, e a randomização de 2 vias entre None-vs-Short ou Short-vs-Long também foi permitida.
O endpoint primário foi a sobrevida livre de metástase (MFS). Desfechos secundários incluíram tempo para ADT de resgate e sobrevida global (SG). Todos os intervalos de confiança (CI) são de 95%.
Resultados
Entre 2007 e 2015, 2.839 pacientes, incluindo 492 na randomização de 3 vias, foram incluídos ao RADICALS-HD no Reino Unido, Canadá e Dinamarca. Os pacientes tinham mediana de 66 anos de idade; 23% pT3b/T4; 20% Gleason 8-10, e a mediana de PSA pré-radioterapia era 0,22 ng/ml. Destes pacientes, 1480 contribuem para None-versus-Short e 1523 pacientes para Short-versus-Long. Os braços foram equilibrados em cada comparação, e os fatores de risco foram mais favoráveis em None-vs-Short em comparação com Short-vs-Long. O acompanhamento médio foi de 9 anos.
No grupo None-vs-Short, com base em 268 eventos de sobrevida livre de metástases, a terapia de privação androgênica de 6 meses não melhorou a MFS (HR 0,89; CI: 0,69-1,14; 79% vs 80% livre de eventos em 10 anos). O tempo para ADT de resgate foi atrasado (HR 0,54; CI: 0,42-0,70); a sobrevida global não melhorou (HR 0,88; CI: 0,65-1,19).
No grupo Short-vs-Long, com base em 313 eventos de sobrevida livre de metástases, a ADT de 24 meses melhorou a MFS (HR 0,77; CI: 0,61-0,97; 72% vs 78% em 10 anos). O tempo para ADT de resgate foi atrasado (HR 0,73; CI: 0,59-0,91); a sobrevida global não melhorou (HR 0,88; CI: 0,66-1,17).
Análises de subgrupos pré-planejadas revelaram resultados de sobrevida livre de metástases favoráveis por 24 meses versus 6 meses de ADT, independentemente do nível de PSA pré-radioterapia (<0,3 ng/mL, 0,3–0,5 ng/mL e >0,5 ng/mL) ou índice de comorbidade de Charlson (0, 1 e ≥2).
“O estudo mostrou resultados encorajadores para radioterapia sem terapia hormonal para alguns pacientes, que podem ter certeza de que este tratamento por si só é uma boa opção. Para outros pacientes com maior risco de recidiva, os resultados mostram que dois anos de terapia hormonal são mais eficazes do que seis meses de tratamento”, observou Parker.
Zucca ressalta que o RADICALS-HD é um estudo longo, agora já com quase 15 anos de duração e 9 anos de follow up, que na verdade compreende dois estudos diferentes, com populações diferentes. “É um estudo que é preciso um olhar um pouco mais crítico. No braço que comparou a hormonioterapia Short-vs-Long, a população tinha doença mais agressiva em comparação com o grupo Short-vs-None. Por isso talvez a gente tenha visto uma diferença em sobrevida livre de metástase”, observa.
O oncologista acrescenta que apesar de ter demonstrado que a associação de 6 meses de hormonioterapia versus nenhuma hormonioterapia não tem diferença em sobrevida livre de metástases, outros trabalhos mostram que há, sim, diferença na sobrevida livre de metástases. “É preciso avaliar em conjunto também os resultados da meta-análise desses estudos apresentada na mini-sessão oral, o estudo DADSPORT”, diz.
Os achados da meta-análise DADSPORT dos resultados do NRG/RTOG 9601, GETUG-AFU 16, NRG/RTOG 0534 e RADICALS-HD mostraram que 6 meses de terapia hormonal melhoraram a sobrevida livre de metástases (HR 0,82; 95% CI 0,70-0,96 ; p=0,01), mas não a sobrevida global em homens que receberam radioterapia após prostatectomia para câncer de próstata localizado após um acompanhamento médio de ≥8 anos (LBA64). Não houve evidência clara mostrando que a terapia hormonal melhorou a SG, independentemente de terem sido administrados 6 meses ou 24 meses de terapia hormonal.
“Em resumo, a hormonioterapia associada à radioterapia tem o seu papel para sobrevida livre de metástases, mas apenas com os resultados do RADICALS-HD é um pouco difícil tirar uma conclusão e mudar nossa prática clínica. É necessária uma avaliação individualizada do paciente, discutir melhor quem se beneficiaria. Não é um trial que vai mudar a prática clínica de imediato, mas é preciso levar bastante em consideração esses resultados, especialmente na terapia hormonal de longo prazo”, conclui Zucca.
Referências:
C.C. Parker, N. Clarke, A. Cook, C. Catton, W.R. Cross, H. Kynaston, J. Logue, P.M. Petersen, P. Neville, R.Persad, H. Payne, F. Saad, A. Stirling, W.R. Parulekar, M.K. Parmar, M.R. Sydes. Duration of androgen deprivation therapy (ADT) with post-operative radiotherapy (RT) for prostate cancer: first results of the RADICALS-HD trial (ISRCTN40814031). ESMO Congress 2022, LBA9
S. Burdett, D. Fisher, C.C. Parker, M.R. Sydes, P. Pommier, P. Sargos, D.E. Spratt, A.U. Kishan, M. BRIHOUM, C. Catton, S. Chabaud, N. Clarke, A. Cook, I. Latorzeff, J. Tierney, C. Vale. Duration of androgen suppression with post-operative radiotherapy (DADSPORT): A collaborative meta-analysis of aggregate data. ESMO Congress 2022, LBA64