Onconews - Radioterapia paliativa mostra benefício no carcinoma hepatocelular

bernardo salvajoli 2020 bxEstudo randomizado de Fase 3 apresentado no ASCO GI`23 pelo Canadian Cancer Trials Group buscou determinar se a radioterapia (RT) tem papel no carcinoma hepatocelular avançado em pacientes sintomáticos, com melhora da dor em comparação com os melhores cuidados de suporte (BSC, da sigla em inglês). Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia, comenta os resultados.

“Esse estudo elegante, simples e funcional não avalia nenhuma nova tecnologia ou droga caríssima, mas traz resultados muito interessantes com uma tecnologia muito acessível na maioria dos centros oncológicos. Melhorar qualidade de vida para pacientes em fim de vida é algo tão importante quanto, ou até mais, do que ganhar alguns meses de sobrevida”, avalia Salvajoli.

Neste este multicêntrico de fase III, pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC) sintomático ou com metástases hepáticas (LM) foram randomizados (1:1) para receber BSC ou radioterapia (RT) de fração única (8 Gy). Os pacientes elegíveis tinham doença em estágio terminal sem indicação para terapias locais, regionais ou sistêmicas, > 4 semanas desde a quimioterapia ou quimioembolização arterial transcateter (TACE), > 2 semanas desde a terapia-alvo ou imunoterapia e nenhuma terapia sistêmica planejada.

O principal endpoint foi determinar se pacientes com dor decorrente do câncer hepático teriam melhora na "pior intensidade" avaliada por inquérito validado (Brief Pain Inventory (BPI) em ≥2 pontos desde o início até 1 mês após RT vs. BSC isoladamente. Os endpoints secundários incluíram a proporção de pacientes 1) vivos em 3 meses, 2) com melhora ≥2 pontos no BPI em 1 e 3 meses, 3) com redução de 25% nos opioides em 1 mês e 4) com melhora na qualidade de vida (QOL) pela escala Functional Assessment of Cancer Therapy-Hepatobiliary (FACT-Hep) ≥5 e pelo Índice de resultado do estudo (Trial Outcome Index) ≥7 em 1 mês.

Resultados

Os dados apresentados no ASCO GI`23 por Dawson et al. mostram que 66 pacientes foram randomizados, 43 com LM (12 colorretal, 5 mama, 4 pâncreas, 3 pulmão, 19 outros), 23 com HCC. 59% tiveram status de desempenho ECOG 2 ou 3, 64% pontuação de Child Pugh (CP) A vs. 36% CP B ou C. O volume alvo clínico irradiado foi o fígado inteiro ou quase todo o fígado (mediana de 2.013 cc).

Os autores descrevem que 42 pacientes (24 em RT e 18 em BSC) concluíram as avaliações de linha de base e de 1 mês. A média de dor basal na pior pontuação foi de 7/10. Uma melhora significativa no desfecho primário, 'pior' escore de dor no BPI, desde o início até 1 mês foi observada em 67% dos pacientes em RT e em 22% no BSC (p = 0,004). A proporção de pacientes com melhora da "pior" dor em 1 mês, sem aumento no uso de opioides, foi de 21% em RT versus 0% com BSC (p = 0,07). A proporção de pacientes com melhora significativa no BPI no critério “menos dor” foi maior para pacientes em RT vs. BSC (63% vs. 28%, p = 0,03), assim como o “alívio percentual da dor por tratamento” (59% vs. 25%, p = 0,04).

Dados de análise de sensibilidade que envolveu todos os pacientes, tratando aqueles sem avaliação de 1 mês como "sem melhora", encontrou alívio na "pior" dor da escala BPI em 49% dos pacientes em RT e em apenas 12% do grupo BSC (p = 0,002). Onze pacientes no braço BSC cruzaram para receber RT em 1 mês.

Uma tendência de melhora no FACT HBS pós RT vs BSC foi observada em 1 mês (p = 0,07), sem diferença estatisticamente significativa em outras subescalas do FACT-Hep. A proporção de pacientes com grau ≥2 AE (CTCAEv4.0) no dia 30 foi de 58% em RT versus 33% em BSC (p = 0,05). Em relação à toxicidade, eventos adversos Grau ≥3 foram incomuns.

Dawson et al. descrevem ainda tendência de melhora da sobrevida de 3 meses com RT (51% vs. 33% para BSC sozinho, p = 0,07).

“A RT de fração única (8 Gy) melhora a dor hepática na maioria dos pacientes com CHC terminal ou metástases hepáticas, com tendência a melhorar a sobrevida”, conclui o estudo financiada pela Canadian Cancer Society (Grant #703547). 

Para Salvajoli, o trabalho traz mensagens importantes e, sem dúvida, mostrou melhorar consideravelmente e estatisticamente a dor de pacientes com doença hepática avançada. “Primeiro, vale destacar que o endpoint primário foi a qualidade de vida através de questionários de dor, ressaltando a importância do bem estar dos pacientes. Também chama atenção uma tendência em ganho de sobrevida, mesmo num estudo pequeno sem tamanho de amostra para isso”, diz.

“Segundo que a tecnologia usada poderia ser campos simples de radioterapia conformacional 3D ou IMRT, expandindo esse tipo de tratamento para quase todo serviço de radioterapia disponível, mesmo em países menos desenvolvidos. Além disso, o tratamento é rápido e funcional, com apenas uma sessão de radioterapia é possível ajudar e melhorar consideravelmente uma dor extremamente limitante.

Alguns órgãos como fígado, rins e coração sempre foram considerados extremamente sensíveis a radioterapia e existia um mito de que nestes órgãos deveria ser evitado a radiação. Mas com a evolução técnica e de conhecimento estes órgãos se tornaram novos locais de interesse de tratamento, seja fazendo ablações por radiação (SABR) de tumores hepáticas, renais e até intracardíacos, tratamentos de arritmias cardíacas ou agora irradiação de todo fígado com dose única paliativa”, acrescenta o especialista.  

Referência: Canadian Cancer Trials Group HE.1: A phase III study of palliative radiotherapy for symptomatic hepatocellular carcinoma and liver metastases
First Author: Laura A. Dawson, MD, FASTRO, FRCPC
Meeting: 2023 ASCO GI Cancers Symposium
Session Type: Poster Session
Session Title: Poster Session B: Cancers of the Pancreas, Small Bowel, and Hepatobiliary Tract
Track: Hepatobiliary Cancer
Subtrack: Patient-Reported Outcomes and Real-World Evidence
Abstract #: LBA492