Dos 46 medicamentos contra o câncer que receberam aprovação acelerada da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA entre 2013-2017, 63% foram convertidos para aprovação regular, mas apenas 43% demonstraram benefício clínico em ensaios confirmatórios após mais de cinco anos de acompanhamento. Os dados são de estudo apresentado no encontro anual da Associação Americana para Pesquisa do Câncer (AACR), com publicação simultânea no JAMA. “Os pacientes devem ser claramente informados sobre os muitos medicamentos contra o câncer que utilizam a via de aprovação acelerada e acabam não mostrando benefícios”, disse Ian Liu (foto), coautor do estudo.
“As aprovações aceleradas representam grande parcela das aprovações de novos medicamentos contra o câncer, mas sabíamos que na oncologia muitas vezes essas aprovações não confirmam posteriormente seu efeito sobre desfechos clínicos 'difíceis', como sobrevida global (SG)”, disse Ian Liu, que trabalhou no estudo e é pesquisador de pós-doutorado no Program on Regulation, Therapeutics and Law (PORTAL) da Divisão de Farmacoepidemiologia e Farmacoeconomia do Brigham and Women's Hospital e da Harvard Medical School.
O caminho de aprovação acelerada da FDA foi estabelecido há mais de 30 anos para permitir que medicamentos que tratam doenças graves e preenchem uma necessidade médica não atendida sejam aprovados precocemente com base em endpoints substitutos, os surrogates. A FDA define um endpoint substituto como um marcador ou medida que “considera-se prever o benefício clínico, mas não é em si uma medida do benefício clínico”. Qualquer medicamento aprovado sob esta via ainda deverá ser submetido a ensaios de acompanhamento para confirmar que o medicamento pode alcançar o benefício clínico previsto. Se o medicamento não fornecer essa evidência, o FDA poderá retirá-lo do mercado.
Liu e colegas procuraram avaliar o desempenho de um conjunto mais recente de medicamentos contra o câncer aprovados através do processo de aprovação acelerada, ao mesmo tempo em que consideraram se esses medicamentos melhoraram a qualidade de vida do paciente, o que estudos anteriores não examinaram. Para isso, conduziram duas análises. A primeira centrou-se em todos os medicamentos que obtiveram aprovação acelerada entre 2013 e 2017, o que significa que tiveram mais de cinco anos para concluir um ensaio confirmatório. A segunda análise examinou as evidências utilizadas para converter aprovações aceleradas em aprovações regulares para todos os medicamentos entre 2013-2023, mesmo que tivessem menos de cinco anos para avaliar a eficácia em ensaios clínicos.
Os pesquisadores utilizaram dados da FDA disponíveis publicamente para identificar medicamentos contra o câncer que receberam aprovação acelerada durante esse período, incluindo informações no site da FDA, comunicados de imprensa da indústria, ClinicalTrials.gov e artigos de periódicos revisados por pares. Informações consideradas relevantes foram extraídas dos ensaios, incluindo o número do ensaio clínico nacional, desenho do ensaio, endpoint primário e resultados primários e secundários.
No total, Liu e colegas identificaram que 129 medicamentos obtiveram aprovação acelerada para uma indicação relacionada com o câncer entre 2013 e 2023. Quarenta e seis deles tinham mais de cinco anos para ensaios de acompanhamento (a coorte examinada entre 2013-2017). Desses 46, 63% foram convertidos para aprovação regular, 22% foram retirados e 15% permaneceram em andamento após uma mediana de 6,3 anos. Apenas 43% demonstraram benefício clínico em ensaios confirmatórios.
Durante este período, o tempo para a conversão da aprovação regular aumentou de 1,6 para 3,6 anos, enquanto o tempo para a retirada de um medicamento do mercado diminuiu de 9,9 para 3,6 anos. “Decisões apropriadas de retirada mais rápidas são boas para os pacientes, pois garantem que os medicamentos fiquem no mercado por um período de tempo mais curto”, explicou Liu. “Embora nosso estudo tenha mostrado aumento no tempo entre a aprovação acelerada e a conversão para aprovação regular, acreditamos que as decisões devem ser oportunas e, principalmente, apoiadas por resultados clínicos de alta qualidade, o que é fundamental para o bom funcionamento do caminho de aprovação acelerada”, enfatizou.
Na segunda análise, os pesquisadores identificaram que 48 dos 129 medicamentos que obtiveram aprovação acelerada de 2013-2023 foram convertidos para aprovação regular. Destes, a conversão foi baseada na sobrevida global em 40% dos casos, sobrevida livre de progressão em 44%, taxa de resposta mais duração da resposta em 10% e taxa de resposta em 4%. Em um caso, um medicamento foi convertido em aprovação regular apesar de um ensaio confirmatório negativo.
O estudo também buscou correlacionar se as indicações de aprovação regular correspondiam às indicações de aprovação acelerada. Os resultados mostram que
63% foram convertidos para aprovação regular para uma indicação diferente, geralmente uma indicação mais ampla e muitas vezes em uma linha anterior de tratamento no mesmo tipo de câncer.
Em síntese, menos da metade dos medicamentos com aprovação acelerada mostrou benefícios clínicos em ensaios confirmatórios após cinco anos. “A maioria dos medicamentos contra o câncer que recebeu aprovação acelerada não demonstrou benefício na sobrevida global ou na qualidade de vida cinco anos após a aprovação. Os pacientes devem ser claramente informados sobre os muitos medicamentos contra o câncer que utilizam a via de aprovação acelerada e acabam não mostrando benefícios em processos centrados no paciente”, destacam os autores.
Referência: 918 - Clinical benefit and regulatory outcomes of cancer drugs approved via accelerated approval - I. T. T. Liu, A. S. Kesselheim, E. R. S. Cliff; Program on Regulation, Therapeutics and Law, Brigham and Women's Hospital, Harvard Medical School, Boston, MA