Onconews - Comprometimento linfonodal e prognóstico na neoplasia de ânus

rodrigo perez NET OKPublicada no Lancet Oncology, uma revisão sistemática de Hema Sekhar e colaboradores incluiu um grande número de pacientes com câncer de ânus e permitiu observar um interessante fenômeno de migração do estágio clínico linfonodal ao longo dos anos e seu efeito na sobrevida global dos pacientes. Rodrigo Oliva Perez (foto), cirurgião do Instituto Angelita & Joaquim Gama e do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e coordenador da área de cólon e reto da BP Mirante, e colegas publicaram uma análise do estudo na mesma edição do periódico. Confira.

Por Rodrigo Oliva Perez, Guilherme Pagin São Julião e Bruna Borba Vailati

Após a inclusão de 62 estudos com mais de 10 mil pacientes, os pesquisadores perceberam um aumento progressivo na proporção de pacientes que apresentavam acometimento linfonodal primário (sem modificação significativa no parâmetro T). Este achado poderia sugerir que a sobrevida destes pacientes apresentaria piora ao longo do mesmo período. Apesar disso, observou-se melhora progressiva da sobrevida global.

Estas observações aparentemente paradoxais entre aumento do estadiamento linfonodal ao longo do tempo com melhoria da sobrevida é frequentemente observada em variados contextos e é conhecida como fenômeno ou efeito “Will Rogers”. No estudo apresentado, observa-se ainda a redução da capacidade do estadiamento linfonodal em predizer o prognostico destes pacientes ao longo do tempo.

Entretanto, essas conclusões devem ser adequadamente interpretadas considerando algumas limitações do estudo. Há menos de vinte anos atrás, o estadiamento locorregional da neoplasia de ânus era baseado unicamente em achados clínicos. A ampliação recente do uso da ressonância magnética permitiu a detecção cada vez mais precisa e detalhada das metástases lifonodais. Da mesma forma o uso PET-CT, permitindo a associação entre informações anatômicas e metabólicas, afetou de forma drástica o estadiamento local e sistêmico da neoplasia de ânus.

Essas mudanças tornam provável que o aumento progressivo da proporção de pacientes com metástases linfonodais ao longo do tempo seja pelo menos parcialmente justificado pela melhora progressiva da acurácia dos métodos diagnósticos atuais. Assim sendo, o incremento observado na proporção de pacientes com metástases linfonodais deixaria de ser real e simplesmente seria mais corretamente identificado com exames radiológicos mais modernos. Se por um lado o aumento das taxas de linfonodos comprometidos possa não ter sido real ao longo do tempo, por outro, alguns fatores também podem ter contribuído para a melhoria da sobrevida destes pacientes.

Pacientes que, nos estudos mais antigos, foram diagnosticados com doença linfonodal negativa poderiam representar pacientes com linfonodos positivos ou até doença metastática sistêmica sub-diagnosticadas. À medida que se observa melhoria no estadiamento radiológico locorregional e sistêmico destes pacientes, observa-se uma melhoria da sobrevida já que pacientes com cN+ ou M1 deixam de ser equivocadamente classificados com cN0 ou M0.

A melhora da acurácia dos métodos diagnósticos para o estadiamento pode levar a um tratamento mais efetivo e agressivo para os pacientes com doença linfonodal positiva (e metastática sistêmica) trazendo melhora significativa na sobrevida. Dessa forma, a melhora da sobrevida pode ser um paradoxo menor do que parecia inicialmente. O fenômeno descrito por Sekhar e colaboradores tem as limitações de qualquer estudo observacional histórico para comparação de desfechos clínicos.

Além disso, o estadiamento por métodos diagnósticos no câncer de ânus é meramente especulativo. A maioria destes pacientes será submetido à tratamento multimodal sem qualquer tipo de confirmação histopatológica do estadiamento linfonodal. Mesmo nos pacientes submetidos à tratamento cirúrgico de resgate, o estadiamento patológico final não é necessariamente representativo da avaliação radiológica inicial em função dos efeitos da radio e quimioterapia.

Em conjunto, a melhora na acurácia dos métodos diagnósticos para estadiamento permite uma classificação mais adequada dos pacientes, indicação mais precisa (e agressiva) de tratamento e, como consequência, melhora na sobrevida geral estádio por estadio. No entanto, na ausência completa de confirmação histológica dos achados radiológicos (antigos e modernos) estes achados podem ser, ainda que interessantes, meramente especulativos.

Referência: Nodal status and survival in anal cancer - Rodrigo Oliva Perez, Guilherme Pagin São Julião, Bruna Borba Vailati - Published: 09 August 2017 -
DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(17)30587-9