Estudos que devem impactar a prática clínica foram apresentados na 60º ASTRO, reunião anual da American Society for Radiation Oncology, realizada entre os dias 21 e 24 de outubro em San Antonio, Texas. As inovações tecnológicas estiveram em pauta, dessa vez com foco nas interações com novas drogas, além de tratamentos com mais precisão e doses elevadas de radioterapia. O radio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto), médico do serviço de radioterapia do HCOR-Onco e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), comenta os principais estudos.
Por Bernardo Salvajoli
Relação entre radioterapia e imunoterapia
Diversos estudos e painéis de discussão abordaram a segurança e eficácia da sinergia entre radioterapia e inibidores de checkpoint. Nos últimos congressos tem havido muitas discussões sobre os possíveis benefícios da concomitância, com a busca de reproduzir os relatos de efeito abscopal além de como mimetizar e melhorar a reposta imune utilizando a radioterapia. Na edição desse ano foi abordada a segurança em utilizar inibidores de PD1/PDL1 e anti-CTLA4, drogas já administradas com mais frequência na nossa rotina, com a radioterapia, principalmente num cenário de doença metastática.
Os estudos institucionais e especialistas sugerem que é seguro a utilização das duas estratégias em conjunto, tanto com doses de radiação paliativa quanto radiocirurgia e SBRT. Alguns trabalhos sugerem um leve aumento de radionecrose cerebral com radiocirurgia, mas novos estudos não reproduziram esses dados. O conceito atual é de que o tratamento concomitante pode até aumentar discretamente uma possível taxa de radionecrose, mas essa taxa é baixa e não muda nossa conduta. Foi sugerido que se faça, com cautela, tratamentos focais utilizando técnicas sofisticadas de radiação, principalmente em órgãos conhecidos para possíveis efeitos colaterais da imunoterapia, como pulmão, fígado e gastrointestinal, afim de se evitar uma possível interação e aumento da toxicidade. Outra recomendação é não utilizar campos muito grandes de radioterapia nesse cenário para tentar evitar a depleção linfocitária. Agora, ficaremos no aguardo dos estudos sobre o possível aumento de reposta quando combinado, principalmente, radiocirurgia extracrânio com imunoterapia, como sugerem estudos preliminares.
Mama - NRG/RTOG 9804
A radio-oncologista Beryl McCormick, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, apresentou os dados de longo prazo (12 anos) do estudo do RTOG 9804, o único estudo randomizado de fase III avaliando tratamento de tumores in situ de mama de “bom prognóstico” (<2.5cm, margem ≥3mm e grau nuclear 2 ou 3). O estudo mostrou que mesmo em pacientes com perfil bastante favorável de tumores inicias e com uso de tamoxifeno, as pacientes ainda mantém um número expressivo de diminuição de recorrência local. O braço que recebeu radioterapia apresentou uma recorrência em 12 anos de 2.4% versus 11.4% do grupo observação (HR 0.26, 95% CI 0.13, 0.54; p=0.0001). O índice de recorrência de forma invasiva foi de 1.5% versus 5.8% em benefício da radioterapia (HR 0.34, 95% CI 0.14, 0.85; p=0.016). McCormick destaca que apesar das recorrências maiores no braço sem radioterapia, as pacientes não tiveram desfechos negativos de mortalidade, somente mais tratamentos. Além disso, cada especialista possui definições diferentes do que é “aceitável”, e devemos discutir prós e contras com as pacientes, além de avaliar condições clínicas como expectativa de vida, por exemplo.
SBRT para oligometástases
Entre os principais destaques do congresso estão os dados de sobrevida de 02 estudos que avaliam o uso de radioterapia em pacientes oligometástaticos. O primeiro, um estudo do radio-oncologista Daniel Gomez, do M.D. Anderson Cancer Center, já havia sido publicado no JCO, com dados de sobrevida livre de progressão. No ASTRO 2018 o especialista apresentou os aguardados resultados de sobrevida global. Este é um estudo de fase II, que foi fechado prematuramente, com 49 pacientes randomizados. Os participantes eram portadores de adenocarcinoma de pulmão estádio IV com no máximo 03 lesões metastáticas, receberam quimioterapia baseada em platina ou droga-alvo por três meses. Aqueles pacientes que não progrediram foram randomizados para tratamento ablativo com cirurgia ou radiocirurgia. A diferença em sobrevida global foi 41.2 meses versus 17 meses para o grupo sem tratamento, e a sobrevida livre de progressão foi de 14.2 meses versus 4.4 meses. Para os que receberam tratamento agressivo, o tempo para surgimento de novas lesões foi de 14.2 meses versus 6 meses no grupo de manutenção de terapia sistêmica, números bastante impressionantes.
O segundo trabalho, apresentado na sessão plenária e que será publicado no Lancet em breve, é o SABR-COMET, um estudo randomizado de fase II, multicêntrico, realizado em 10 centros divididos em 04 países. Apresentado por David Palma, do Lawson Heath Research Institute em Londres, o trabalho também mostrou dados de sobrevida bastante impressionantes. Um pouco diferente do estudo de Gomez, este trabalho incluiu 99 pacientes com oligometástases de múltiplos sítios primários de doença (próstata, mama, cólon e reto) com até cinco (05) lesões metastáticas. A maioria tinha entre uma e três lesões. Os pacientes no grupo de tratamento viveram 57% a mais do que o grupo paliativo, com mediana de 41 meses versus 26 meses. Os pacientes tratados com SBRT também demoraram mais a progredir, 12 meses versus 6 meses no grupo controle. Vale ressaltar que em 5 anos, quase metade dos pacientes do grupo SBRT estavam vivos, contra apenas 24% do controle. Entretanto, este estudo apresentou uma porcentagem de toxicidade mais elevada no grupo SBRT, 30% versus 9%, incluindo três casos de toxicidade grau 5, mostrando que apesar de seguro na nossa prática, é preciso selecionar muito bem os pacientes, e talvez doses mais moderadas possam ser utilizadas. Apesar do pequeno número de pacientes, esses dados chamam muita atenção para a grande diferença de sobrevida entre os grupos com tratamento local e novos estudos de fase III já estão abertos para confirmar esses resultados e avaliar outras drogas associadas, como imunoterapia, não utilizadas na época da abertura destes estudos.
Próstata
Entre os diversos estudos apresentados sobre radioterapia no trato geniturinário, dois chamaram mais atenção. O primeiro foi o trabalho apresentado por Daniel SPratt, da Universidade de Michigan Rogel Cancer Center, onde foram feitas analises genéticas e clínicas de um grande banco de dados e de estudos prospectivos do RTOG. O estudo foi dividido em duas partes, sendo que na primeira foram feitas análises biológicas de como a resposta ao tratamento do tumor de próstata pode ser diferente. Os autores investigaram diferenças em como um gene específico era expresso em 17.003 homens com tumor de próstata (11.5% negros), focando na atividade do receptor de androgênio e sensibilidade a radiação. Tumores com baixa atividade do receptor de androgênio apresentavam maior probabilidade de metástases a distância em 10 anos (37 vs 17% p<0,001). Tumores de homens negros, entretanto, tinham indicadores de maior sensibilidade a radioterapia, menor expressão de via de reparo de dupla fita de DNA (p<0.001), aumento de expressão de vias imunes (p<0,001) e maior radiosensibilidade testado através de um painel de 24 genes desenvolvido pelos pesquisadores. Diferenças de expressões gênicas entre brancos e negros revelou que os negros apresentavam menos reparo de DNA e um tumor mais imunogênico, ambos fatores que contribuem para melhores respostas a tratamentos com radioterapia.
Na segunda parte do estudo os pesquisadores realizaram uma meta-análise de 5,854 pacientes (19,3% negros) de 04 estudos randomizados do RTOG. Essa meta-análise mostrou que homens afro-americanos tratados com radioterapia tinham menor chance de recorrência do que homens caucasianos, menores taxas de recorrência bioquímica (HR 0.82, 95% CI 0.74, 0.92; p=0.0005) e metástases a distância (HR 0.70, 95%CI 0.57, 0.86; p=0.0008). Esse estudo quebra um pouco o paradigma de que homens negros tendem a ter tumores mais agressivos e com menores taxas de controle. Spratt salientou que não somente a diferença racial parece ter prognósticos similares, como homens negros parecem ter uma taxa de cura ainda maior quando tratados com radioterapia. E concluiu que os pacientes devem ser tratados de forma igual, independentemente da raça.
O segundo estudo importante, que provavelmente deve mudar nossa prática clínica, é o RTOG 0534 SPORTT TRIAL. Apresentado por Alan Pollack, da Universidade de Miami e Sylvester Comprehensive Cancer Center, o estudo de fase III randomizado é o primeiro a analisar a utilização de radioterapia em drenagem pélvica, adicional a loja prostática, em homens portadores de recidiva bioquímica de adenocarcinoma de próstata.
No total, 1792 homens foram recrutados e divididos em 03 grupos: radioterapia da loja prostática (LP), loja mais bloqueio hormonal (LP+ADT) e loja mais bloqueio hormonal e radioterapia da drenagem linfática pélvica (LP+ADT+RP). Na análise de 5 anos foi mostrada uma diferença de sobrevida livre de recorrência de 71.7 meses versus 82.7 meses versus 89.1 % (p<0,001) favorável a radioterapia pélvica (LP+ADT+RP). A probabilidade de metástases também se mostrou inferior, com uma análise dos pacientes que tinham seguimento de 8 anos - 45 falharam no grupo da loja (Hazard Ratio 0.52, 95% CI: 0.32-0.85), 38 loja + bloqueio hormonal (HR 0.64, 95% CI: 0.39-1.06) e 25 no grupo que incluiu tratamento linfático (LP+ADT+RP).
Com esses dados, podemos considerar a utilização de mais a radioterapia para drenagem pélvica em conjunto com bloqueio hormonal de curta duração, no cenário de recidiva bioquímica pós prostatectomia. Os dados são robustos e chamam atenção devido ao curto tempo de seguimento de 5 anos. Ainda existem algumas dúvidas sobre quem seria o melhor candidato, bem como se todos precisam da combinação de tratamento além da incorporação de novos exames como o PET/CT, mas uma boa parte dos pacientes deverão começar a receber mais tratamentos da drenagem linfática da próstata.
Sistema nervoso central
Outro estudo importante que deverá mudar conduta em casos de radioterapia de cérebro total foi apresentado pelo radio-oncologista Vinai Gondi, do Northwestern Medicine Cancer Center Warrenville. O estudo de fase III randomizado avaliou a preservação neurocognitiva poupando o hipocampo em 500 pacientes submetidos a radioterapia de todo cérebro por metástases. Já existia uma sugestão de benefício em estudos de fase II e de que a utilização da droga memantina diminuía o risco de toxicidade neurocognitiva quando utilizada durante e alguns meses após o tratamento. Nesse cenário, os pesquisadores randomizaram pacientes para radioterapia de todo cérebro (WB) com memantina versus WB+memantina e utilizaram uma técnica mais moderna de radioterapia, poupando a região dos hipocampos. Entre os pacientes que receberam a radioterapia poupando hipocampo, 59.5% tiveram déficit cognitivo em 6 meses versus 68.2% no grupo controle (HR 0,76 p=0.03). Não houve diferença em sobrevida livre de progressão (HR 1.14, 95% CI 0.93-1.41, P=0.208), nem de sobrevida global (HR 1.13, 95% CI 0.90-1.41, P=0.306). Assim, para pacientes com metástases cerebrais que tenham uma expectativa de vida maior que 04 meses, que serão submetidos a radioterapia de cérebro total associada a memantina, poupar hipocampo (quando possível) com técnica de radioterapia com modulação da intensidade do feixe (IMRT) deve ser considerado o novo padrão de tratamento.