Onconews - HIPEC no Brasil – primeiros passos em busca de padronizações

Thales_Cirurgia_NET_OK.jpgThales P. Batista (foto), membro do Comitê de Cirurgia Citorredutora e HIPECda Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, comenta projeto piloto da SBCO em busca de padronizações para os procedimentos de CRS/HIPEC realizados no país.

A utilização de quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (i.e.: HIPEC, da sigla em inglês) associada à cirurgia citorredutora avançada (i.e.: CRS, da sigla em inglês) envolvendo ressecções multiviscerais e de segmentos peritoneais tem se consagrado como abordagem terapêutica multidisciplinar para o tratamento de diversas neoplasias malignas peritoneais1. Este método de tratamento se baseia na tríade de citorredução, calor e quimioterapia locorregional, na qual a hipertermia agrega o efeito citotóxico direto do calor sobre as células neoplásicas, além de atuar em sinergismo com os agentes quimioterápicos, potencializando sua ação antineoplásica.
 
Ainda, o método seria capaz de promover a redução dos mecanismos de resistência tumoral à quimioterapia e induzir uma eficaz resposta imunológica antineoplásica2-4. Em conjunto, estes argumentos têm justificado a utilização de CRS/HIPEC como promissor tratamento oncológico das metástases peritoneais, permitindo o uso de altas doses dos agentes antineoplásicos diretamente sobre os remanescentes tumorais microscópicos às custas de mínima absorção sistêmica.
 
Atualmente, esta modalidade representa o tratamento padrão para o carcinoma de apêndice cecal de baixo grau e pseudomixoma ou mesotelioma peritoneais, mas também tem sido utilizada com resultados animadores para o tratamento de metástases peritoneais secundárias a diversos outros tipos de câncer, principalmente de cólon, estômago e ovário. Contudo, muitas técnicas de HIPEC têm sido descritas e os dados da literatura são muito heterogêneos em torno de vários aspectos técnicos, o que prejudica a qualidade de revisões sistemáticas e a comparação de resultados.
 
As particularidades técnicas da HIPEC envolvem variáveis relacionadas aos dispositivos de perfusão hipertérmica, ao tempo de fechamento abdominal e de perfusão intraperitoneal às temperaturas-alvo, à escolha e dosagem dos agentes antimitóticos, dentre outras. Neste contexto, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), por meio de seu Comitê de Especialistas em CRS/HIPEC, empreendeu um projeto piloto em busca de padronizações para os procedimentos realizado em nosso país.
 
O estudo selecionou 55 médicos brasileiros, entre cirurgiões oncologistas, oncologistas clínicos e outros especialistas em oncologia, com experiência e interesse sobre o tema, para responder a duas rodadas de questionários eletrônicos formulados pelo respectivo Comitê de Área de Atuação da SBCO, contemplando diversos aspectos técnicos do procedimento, além de questões de ordem prática.
 
Com respostas de mais de 30 deles em cada rodada de perguntas, a análise contou com a experiência de 63% dos profissionais com mais de 5 anos de atuação na área, dentre os quais 28,6% com mais de 10 anos e cerca de 30% que acumulavam mais de 50 procedimentos realizados em equipe. A casuística destes participantes envolvia o tratamento de tumores do apêndice e Pseudomyxoma peritonei em 97%, além de outras neoplasias (Tabela 1), sobretudo no âmbito da assistência prestada a pacientes da rede privada de saúde ou a particulares (77,2%).

Tabela 1

Opções de resposta Respostas
Pseudomyxoma peritonei (PMP)/Tumores de apêndice cecal 97,14% /  34
Mesotelioma maligno 62,86%  /  22
Metástases peritoneais de origem colorretal 80,00%  /  28
Metástases peritoneais de origem gástrica 28,57%  /  10
Neoplasias epiteliais ovarianas 80,00%  /  28
Outras neoplasias (especifique) 11,43%  /  4
Total de respondentes: 35  

A grande maioria dos profissionais tinha realizado seu treinamento em CRS/HIPEC em instituições nacionais privadas (68,6%) ou públicas (28,6%), e em menor proporção em instituições da Europa (17%) e EUA (11,4%), destacando-se cirurgiões com residência médica em cancerologia/cancerologia cirúrgica (88,6%) que receberam algum tipo de treinamento ainda durante sua residência médica em 37% dos casos (Tabela 2).

Tabela 2

Opções de resposta Respostas
Durante a residência médica de cirurgia oncológica/cancerologia cirúrgica 37,14% /13
Durante a residência médica em outros ramos da cirurgia/oncologia 5,71%  / 2
Após a conclusão da residência médica de cirurgia oncológica/cancerologia cirúrgica 51,43% /18
Após a conclusão da residência médica em outros ramos da cirurgia/oncologia 5,71%  / 2
Total 35


Dentre os pontos mais consensuais, 100% dos respondedores concordaram com a necessidade de criação no país de centros de referência para a realização destes procedimentos, 91% apontaram que deveriam ser realizados em centros de referência em oncologia e para 97% deveria envolver a participação de equipe multiprofissional, com nutricionistas, psicólogos, anestesiologistas, oncologistas clínicos e cirurgiões, dentre outros especialistas.
 
Destacaram, ainda, a necessidade de criação de um banco de dados nacional sobre o tema (97%) e de treinamento específico na referida modalidade, tanto para anestesiologistas (93,8%) quanto para intensivistas (90,7%). Em linha com estes achados, cerca de 97% dos respondedores concordaram que uma diretriz nacional sobre o tema deveria incluir orientações específicas quanto ao manejo peri-operatório destes pacientes e para 94% também deveria envolver orientações quanto a parâmetros técnicos, como a escolha das drogas, sua concentração, tipo de solução diluente, tempo de perfusão e temperaturas-alvo para a perfusão. Muitas das questões técnicas neste inquérito, como esperado, tiveram respostas em concordância com as recomendações do último consenso internacional sobre o tema, realizado em Milão/IT, em dezembro de 2006.
 
Em resumo, a utilização de CRS/HIPEC tem conquistado espaço crescente em nosso país como modalidade terapêutica abrangente e multidisciplinar. A SBCO está empenhada em produzir orientações para padronizar estes procedimentos, pelo menos no que tange a suas indicações mais comuns. Este levantamento serviu de base para o planejamento político-educacional desta atividade e publicações neste sentido devem ser produzidas nos próximos meses. 
 
Referências

1 - Passot G, Vaudoyer D, Villeneuve L, Kepenekian V, Beaujard AC, Bakrin N, Cotte E, Gilly FN, Glehen O. What made hyperthermic intraperitoneal chemotherapy an effective curative treatment for peritoneal surface malignancy: A 25-year experience with 1,125 procedures. J Surg Oncol. 2016 Jun;113(7):796-803.
 
2 - Pelz JO, Vetterlein M, Grimmig T, Kerscher AG, Moll E, Lazariotou M, Matthes N, Faber M, Germer CT, Waaga-Gasser AM, Gasser M. Hyperthermic intraperitoneal chemotherapy in patients with peritoneal carcinomatosis: role of heat shock proteins and dissecting effects of hyperthermia. Ann Surg Oncol. 2013 Apr;20(4):1105-13.

3 - Zunino B, Rubio-Patiño C, Villa E, Meynet O, Proics E, Cornille A, Pommier S, Mondragón L, Chiche J, Bereder JM, Carles M, Ricci JE. Hyperthermic intraperitoneal chemotherapy leads to an anticancer immune response via exposure of cell surface heat shock protein 90. Oncogene. 2016 Jan 14;35(2):261-8.
 
4 - Stope MB, Koensgen D, Burchardt M, Concin N, Zygmunt M, Mustea A. Jump in the fire--heat shock proteins and their impact on ovarian cancer therapy. Crit Rev Oncol Hematol. 2016 Jan;97:152-6.
 
Comitê de CRS/HIPEC: Ademar Lopes, Bruno José de Queiroz Sarmento, Cassio Cortez dos Santos, Cláudio de Almeida Quadros, Eduardo Hiroshi Akaishi, Eduardo Zanella Cordeiro, Fábio de Oliveira Ferreira, Felipe José Fernández Coimbra, Gustavo Andreazza Laporte, Janina Ferreira Loureiro, Leonaldson dos Santos Castro, Samuel Aguiar Jr., Thales Paulo Batista,  Wilson Luiz da Costa Jr.

Contato para correspondência: Thales P. Batista. Telefone: +55 (81) 98886-1203. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.