O radio-oncologista Carlos Lima Júnior (foto), da clínica de Radioterapia São Sebastião, em Santa Catarina, comenta estudo de Fase III publicado em maio no Lancet Oncology e discute: após a publicação dos resultados de estudo japonês1, existe papel para a radioterapia cerebral profilática em respondedores à quimioterapia no CPPC avançado?
Por Carlos Lima Junior, radio-oncologista da clínica de Radioterapia São Sebastião
RT no CPPC com doença extensa, existe papel após resposta à QT?
A edição de maio de 2017 do periódico The Lancet Oncology traz estudo de Fase III multicêntrico randomizado, comparando irradiação cerebral profilática (ICP) com observação em pacientes com tumores pulmonares de pequenas células com doença extensa, respondedores à quimioterapia1.
Estudo randomizado prévio da EORTC (European Organization for Research and Treatment of Cancer)2 atestou aumento da sobrevida global de 13,3 meses (pacientes sem irradiação) para 27,1 meses em pacientes submetidos a ICP após resposta na doença extensa. Contudo, no estudo da EORTC o exame de imagem cerebral não foi mandatório (efetuado em apenas 29% dos pacientes), o percentual de pacientes com resposta completa não foi relatado – e são os que mais se beneficiam da irradiação cerebral - e houve muita variação de dose e fracionamento na radioterapia prescrita.
O grupo japonês conduziu o atual estudo randomizando pacientes com qualquer resposta após pelo menos 2 ciclos de quimioterapia baseada em cisplatina e sem metástases cerebrais à ressonância ou recrescimento do tumor torácico. A radioterapia cerebral era uniformemente prescrita como 25Gy em 10 frações e os pacientes eram seguidos com ressonâncias a cada 3 meses no primeiro ano de seguimento, e posteriormente aos 18 meses de seguimento e aos 24 meses.
Na análise interina planejada dos primeiros 163 pacientes alocados, a probabilidade preditiva Bayesian de que a IPC fosse superior à observação foi de apenas 0,011%, levando ao término precoce do estudo. A análise final demonstrou sobrevidas médias de 11,6 meses no grupo irradiado e de 13,7 meses no grupo observado. As sobrevidas globais em 1 ano foram, para o grupo não-tratado e o irradiado, respectivamente, 48% x 54%, sem diferença estatística, apesar de terem se desenvolvido mais metástases cerebrais no grupo apenas observado (69% x 48%).
No estudo da EORTC, a maior incidência de metástases cerebrais sintomáticas no grupo observado (40,4% x 14,6% em 1 ano) resultou em menor sobrevida, fato que não se deu no estudo japonês. Os autores asiáticos atribuem este achado à administração de irradiação cerebral terapêutica nos pacientes inicialmente observados e à utilização em maior frequência de quimioterapia de terceira ou quarta linhas, quando da recidiva, no grupo observado.
Os próprios autores do estudo nipônico advertem que seus resultados podem não ser aplicáveis à comunidade global de pacientes. A utilização frequente de ressonâncias no seguimento pode não ser factível: ela é aplicável no Japão, que possui 47 unidades de ressonância por 106 habitantes, a maior taxa do mundo. Não há estudos de custo-efetividade abordando o uso do exame no seguimento.
Outro ponto importante é considerar como diferenças étnicas podem existir na resposta à irradiação. A literatura discute amplamente diferenças relativas a efeitos adversos e resposta às drogas quando se comparam diferentes etnias, o que sugere que os resultados do estudo asiático podem não ser extrapoláveis para a população ocidental.
Ben Slotman, um dos autores do estudo da EORTC, escreve o comentário do artigo do grupo japonês3 e fundamenta sua argumentação considerando que cada centro do país asiático contribuiu com apenas 1 paciente/ano; o uso da ressonância tão frequentemente no seguimento pode gerar custos (aspecto já discutido pelos próprios autores do trabalho) e ansiedade injustificados nos pacientes.
A partir das considerações expostas no Comentário e das limitações arroladas pelos próprios autores do estudo, revela-se prematura a proposta de abolir a irradiação cerebral profilática neste cenário clínico. Continuamos a advogá-la, dada a evidência até o presente, não refutada por este novo ensaio clínico.
Referências: