Estudo publicado no British Medical Journal demonstrou que níveis elevados de vitamina D podem significar menor risco de desenvolver câncer, incluindo câncer de fígado. Em artigo, a nutricionista clínica Bruna Moraes (foto), do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), analisa os resultados.
O recente estudo “Plasma 25-hydroxyvitamin D concentration and subsequent risk of total and site specific cancers in Japanese population: large case-cohort study within Japan Public Health Center-based Prospective Study cohort”, publicado pelo British Medical Journal, apresenta a possibilidade da vitamina D possuir efeitos na prevenção de todos os tipos cânceres.
O estudo, uma coorte prospectiva iniciada em 1990, investigou o papel do estilo de vida e outros fatores no risco de câncer e outras doenças crônicas na saúde pública do Japão, e foi conduzido por um grupo de pesquisa designado pelo Ministério da Saúde, do Trabalho e do Bem-Estar até o ano de 2009.
Após uma seleção bastante criteriosa dos dados obtidos que incluiu amostra de sangue para avaliar dosagem de 1,25(OH)2D3 (calcitriol, metabólito ativo de vitamina D), histórico de câncer prévio ao início do estudo ou previamente a coleta de sangue, histórico de câncer na família, nacionalidade japonesa e presença de questionário preenchido com dados sobre estilo de vida (atividade física, alimentação, índice de massa corpórea (IMC), consumo de bebidas alcóolicas, tabagismo e presença de diabetes), os estudiosos dividiram a população do estudo entre os que apresentaram câncer no período de acompanhamento (n = 3301) e os que não apresentara (n = 4044).
As diversas análises estatísticas mostraram que uma maior concentração de vitamina D foi associada ao menor risco de câncer. Esse achado permaneceu significativo mesmo após o ajuste para fatores de risco conhecidos para diversos tipos de câncer e em uma variedade de análises de sensibilidade. Entretanto, parece haver um limite de dose de vitamina D benéfica na redução do risco de cancer.
As análises compararam também pacientes que consumiram suplemento de vitamina D e aqueles que não consumiram com relação ao risco de câncer bem como o sítio específico do câncer e a associação com a vitamina D. Em ambos os casos, não houve diferença significativa a não ser para câncer de fígado, onde houve uma associação inversa, com maior risco de câncer quanto menor a concentração de vitamina D.
A relação da vitamina D e câncer tem sido abordada por inúmeros estudos fundamentados no fato do calcitriol exercer papel regulatório sobre genes que são envolvidos na transformação de células normais em cancerígenas, agindo no controle do ciclo celular, na apoptose, na adesão celular e na regulação da diferenciação e proliferação celular.
Entretanto, não há evidencias nas diferentes populações com relação aos resultados mostrados nesse estudo em população japonesa. Outros estudos similares, com menor número de participantes, não mostraram os mesmos resultados, não permitindo relacionar a prevenção em todos os tipos de cânceres. Tal observação pode vir da diferença genética e polimorfismos no gene que codifica os receptores de calcitriol (VDR) que também são relacionados ao desenvolvimento de câncer. Aparentemente, os asiáticos têm uma maior freqüência do alelo f em polimorfismos FokI, que é relatado como resultado de uma proteína VDR mais longa com menor atividade transcripcional alterando a expressão genica.
Embora o tamanho da amostra desse estudo fosse grande, a variedade de tumores em diferentes órgãos era relativamente pequena, particularmente para cânceres raros, e as análises podem não ter sido suficientes para associar todos os tipos de câncer. A maior relação entre câncer de fígado e vitamina D pode ser pelas funções metabólicas da vitamina e precisa ser mais estudada.
Esse estudo apresenta sua importância por sua metodologia, número de participantes e esses serem asiáticos. Contudo, a aplicação desses resultados na prática clínica ainda não pode ser feita pelo desconhecimento dos diversos mecanismos no desenvolvimento dos inúmeros tipos de câncer e a ação da vitamina D. São necessários mais estudos, incluindo a população brasileira, que possui miscigenação genética, para melhor definição desse padrão protetor. Além disso, são fundamentais estudos avaliando o impacto de hábitos de vida e comportamentos saudáveis com relação a dosagem de vitamina D e câncer, bem como revisões sistemáticas e metanálises que analisem os resultados encontrados por diversos estudos populacionais nos diversos tipos de tumores.
Referência: Plasma 25-hydroxyvitamin D concentration and subsequent risk of total and site specific cancers in Japanese population: large case-cohort study within Japan Public Health Center-based Prospective Study cohort - Sanjeev Budhathoki, Akihisa Hidaka, Taiki Yamaji et al - BMJ 2018; 360 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.k671 (Published 07 March 2018)
Leia mais: Vitamina D e câncer, novas evidências