Greyce Lousana, da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica, e o oncologista Fábio Franke, presidente da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, falam do Projeto de Lei que discute a pesquisa clínica no Brasil, atualmente em tramitação no Congresso.
Greyce Lousana, da Sociedade Brasileira de profissionais em Pesquisa Clínica
A resolução 196 do CNS é o marco de bioética que passou a regular a pesquisa clínica com seres humanos no Brasil e por 20 anos serviu de moldura regulatória, até a atualização com a 466. Por que levar ao Congresso um projeto de lei, diante dessa base já existente?
Greyce Lousana: Um sistema com mais de 20 anos merece atenção no que se refere à sua consistência e adequação às novas demandas tecnológicas, frente aos dilemas éticos que elas impõem. O sistema CEP/CONEP perdeu inúmeras oportunidades ao longo dos anos de revisar seus fluxos e adequar suas regras. Ele não foi capaz de entender as necessidades das diferentes áreas de atuação que conduzem estudos envolvendo seres humanos no país. Como consequência dessa rigidez que veio acompanhada de pouca consistência técnica e de um alto grau de interesse político, ações como a elaboração de um projeto de lei (ainda que esse projeto possa ter imperfeições) não podem surpreender. São várias as cartas abertas, manifestos, pareceres de juristas, enfim, são muitas as formas de documentos que mostram o quanto o sistema CEP/CONEP perdeu sua essência e ganhou novas formas, gerando desconfiança quando passou a assumir um papel político. Desta forma, ainda que o atual Projeto de Lei não seja ideal, ele comprovou que, por meio de ações políticas que estão muito distantes de questões relacionadas com os interesses da população que participa de uma pesquisa, foi possível fazer com que a CONEP eliminasse seu passivo de estudos, reduzisse seus prazos de análise e passasse a fazer um marketing (com o dinheiro do governo) para mostrar o quanto ela trabalha. Ou seja, o PL fez com que a CONEP trabalhasse em 1 ano o que ela não trabalhou em 20.
A lentidão dos prazos de aprovação ética era uma das principais queixas da comunidade de pesquisa clínica na oncologia e comunicado da SBOC, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, mantém a crítica. Como está isso hoje e quais as perspectivas?
Greyce Lousana: Os prazos melhoraram em boa parte dos projetos, no entanto, quando se tem um problema sistêmico, você pode melhorar o aspecto, mas não corrige a estrutura. O sistema apresenta falhas significativas. Suas normas são inconsistentes, sua base de dados é ilusória, os membros do próprio sistema não se entendem, seus custos não são revelados. Se você perguntar detalhes sobre quantas e quais são as pesquisas que estão cadastradas desde 1996, quantos são os participantes efetivos, com quais indicadores o Sistema CEP/CONEP trabalha e se temos como provar que ele é efetivo no que se refere à proteção dos participantes, você vai se surpreender com a resposta. Assim, falar em perspectiva é difícil, até porque no momento vivemos o Brasil uma verdadeira montanha russa, fica difícil saber o que vem depois da próxima curva.
Para pesquisadores e instituições de pesquisa, o que na sua opinião fica como avanço e que aspectos são negativos no PL de Pesquisa Clínica?
Greyce Lousana: O avanço do PL foi mostrar de forma ampliada que temos um problema real que precisa ser encarado. O aspecto negativo é que ele focou apenas em parte e não no todo do problema relacionado aos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos em todas as áreas do conhecimento.
Para encerrar, que take home message fica para o mundo da oncologia quando está em debate a pesquisa clínica?
Greyce Lousana: Pesquisa clínica não é assistência, pode trazer benefícios, mas também provocar danos. No entanto, em situações nas quais pouco se pode fazer, ela certamente pode ser a diferença na vida de um paciente.
Fábio Franke, presidente da Aliança Pesquisa Clínica Brasil
A resolução 196 do CNS é o marco de bioética que passou a regular a pesquisa clínica com seres humanos no Brasil e por 20 anos serviu de moldura regulatória, até a atualização com a 466. Por que levar ao Congresso um projeto de lei, diante dessa base já existente?
Fábio Franke: Na verdade, do ponto de vista legal, tudo tem que ser regido por leis e não por normativas e regulamentações. Na minha opinião, do ponto de vista legal, a pesquisa clínica em seres humanos no Brasil carece de um marco regulatório legal, e por isso a ideia de um projeto de lei. A ideia do projeto de lei também surgiu depois de insistentes convites para as entidades que trabalham com a parte regulatória no Brasil, como a CONEP e a ANVISA, de participação nos congressos brasileiros de oncologia. Eles confirmavam a presença e simplesmente não apareciam. Então, o que a gente via era um grande atraso regulatório no Brasil, via que os prazos estabelecidos na resolução não eram cumpridos. Isso nos levou a solicitar que esse debate fosse realizado no Senado. A primeira audiência pública foi em 2014, quando foi formado um grupo de trabalho que não apresentou nenhuma solução para o problema. Foi então que envolvido pelo desejo de pacientes, pesquisadores e de trabalhadores na pesquisa veio a ideia de um projeto de lei para que a gente pudesse formalmente regulamentar, legalmente. Uma resolução, uma normativa, ela pode ser facilmente alterada. Um projeto de lei, depois de debatido amplamente pela sociedade, é algo que fica como um marco. E que mostra para a comunidade científica internacional que o Brasil tem uma regulamentação séria, tem uma lei, e que enfim está fazendo alguma coisa para mudar seus prazos regulatórios que privam o paciente brasileiro de participar da maioria dos protocolos de pesquisa.
A lentidão dos prazos de aprovação ética era uma das principais queixas da comunidade de pesquisa clínica na oncologia e comunicado da SBOC, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, mantém a crítica. Como está isso hoje e quais as perspectivas?
Fábio Franke: É outra coisa que me deixa feliz, porque exatamente pela mobilização, pelo projeto de lei, a CONEP e a Anvisa passaram a ter mais celeridade na aprovação. Então, de prazos que antes chegavam a um ano, hoje nós temos uma média entre 7 meses, 8 para a aprovação final do protocolo. Realmente esses prazos diminuíram, mas ainda estão longe do que seria o ideal. E vejam, só pelo debate, pela discussão, esses prazos já se reduziram. Então a gente crê que debatendo isso com toda a sociedade, e mais, auxiliando a Anvisa a aumentar sua capacidade de trabalho e desburocratizando o sistema de aprovação ética no Brasil, fazendo com que ele não seja mais duplicado, e seja apenas uma aprovação por um comitê de ética local, a gente crê que vai ter prazos mais aceitáveis e mais próximos do que seriam os prazos ideias. Hoje, para um estudo de fase I, por exemplo, você teria que ter um prazo máximo de 60 dias. Então, você vê que é por isso que os estudos fase I e até os estudos fase II não são abertos e ofertados para o Brasil, porque nós ainda demoramos muito.
Tenho que reconhecer que foi feito um esforço, que os prazos diminuíram, mas se o Brasil se tornar, mais uma vez, atrativo para receber novos protocolos, e mais protocolos internacionais, certamente essa força de trabalho que existe hoje não vai dar conta desse modelo, e nós vamos ter fila e demora nos prazos novamente. Então, é por isso que nós temos que, juntos, articular primeiro a criação de um marco legal, através do projeto de lei; descentralizar essa aprovação ética, e, fundamentalmente, apoiar a Anvisa para aumentar sua capacidade de trabalho, para que ela tenha uma aprovação mais ágil. Como essas aprovações são paralelas, nós temos que desburocratizar e agilizar o sistema.
Para pesquisadores e instituições de pesquisa, o que na sua opinião fica como avanço e que aspectos são negativos no PL de Pesquisa Clínica?
Fábio Franke: O projeto de lei visou contemplar todos os pontos de maior discussão, como o uso de placebo, que obviamente vai seguir toda a regulamentação internacional, e friso, coloco categoricamente, que nenhum paciente vai deixar de receber o tratamento se houver uma opção. O placebo é utilizado apenas como metodologia cientifica ou em casos onde não exista mais nenhum tratamento disponível, esse paciente não receberia mais nada, ou em combinação com outros tratamentos como fórum de metodologia cientifica. Acho que nós avançamos também na questão do acesso pós-estudo, o projeto de lei coloca que essa medicação será fornecida até os remédios estarem disponíveis pelo SUS, talvez a gente tenha que discutir isso para cada especialidade médica, porque existem diferenças importantes com relação a isso, e a padronização da pesquisa clínica também através das boas práticas clínicas internacionais, ou seja, estabelecer que aqui a pesquisa clínica, a normatização, regulação, vai ser igual ao que já é praticado pela comunidade científica internacional, ou seja, apenas seguir o modelo que já é aplicado no mundo inteiro.
Para encerrar, que take home message fica para o mundo da oncologia quando está em debate a pesquisa clínica?
Fábio Franke: A pesquisa clínica é fundamental para a vida dos nossos pacientes. E se nós tivermos regras claras de proteção aos pacientes, nós teremos potencial para tornar o Brasil uma referência mundial. A pesquisa é uma maneira simples de enfrentar o câncer e outras doenças de forma imediata e todos os envolvidos saem ganhando: os pacientes, os investigadores, quem desenvolve o medicamento e o país como um todo, que carece de investimento nessa área. Nós temos que abrir as portas do Brasil para a retomada de investimentos e que o Brasil ganhe credibilidade novamente como um país que vale à pena receber novos protocolos. Mas para isso nós precisamos de prazos que sejam prazos concretos. O grande problema hoje é que, quando o Brasil é contatado, se pede qual é o prazo de aprovação dos nossos protocolos. E a nossa resposta é: depende. Não tenho um prazo certo, e um prazo sério, que realmente seja cumprido. O que nós queremos é que o Brasil tenha uma regulamentação séria, e acho que o projeto de lei vem colocar tudo isso no seu devido lugar. E vem mostrar para a comunidade científica internacional que o Brasil também é um lugar onde pode se fazer pesquisa séria, ágil e, obviamente, sem atropelar os preceitos éticos, que acho que não é isso que está em discussão aqui. A questão é apenas agilidade e a facilidade de acesso à pesquisa para todos os pacientes do Brasil.
O prazo ideal é 60 dias. Com todas as aprovações finalizadas em 60 dias o Brasil poderia participar de qualquer protocolo de pesquisa, em qualquer fase, seja I, II ou III, então nós teríamos que chegar nesse prazo, de 60 dias. Para isso nós teríamos que estar em uma constante capacitação e ampliação da nossa força de trabalho. É por isso que descentralizar agiliza a nossa aprovação ética porque nós temos hoje uma dupla aprovação e nós temos aí também uma sobreposição das funções do comitê de ética local e da CONEP. Se a gente conseguisse deixar isso só com a aprovação do comitê de ética local agilizaria muito, até porque o Brasil é um país de dimensões continentais. Você imagina se todo pesquisador tiver que se deslocar à Brasília para fazer uma reunião, isso torna inviável as discussões. Você podendo ir até o CEP local e fazendo essa discussão, você esclarece, protege os direitos do paciente e possibilita maior agilidade nesse processo. E o foco na Anvisa é na ampliação da sua capacidade de trabalho. Felizmente hoje a Anvisa tem muitas funções, e certamente, não tem força de trabalho compatível para dar conta de uma aprovação mais rápida. Nós temos que fazer um esforço como sociedade para poder aparelhar melhor a Anvisa para que ela possa também fazer o seu trabalho.
Existe também por parte do Ministério da Saúde um plano de ação, se chama Plano de Ação de Pesquisa Clínica no Brasil, que também visa apoiar mudanças e melhorias na pesquisa clínica e tentar agilizar os nossos processos regulatórios. Bacana ver que depois de tantos anos está havendo um esforço conjunto para que a gente finalmente consiga transformar isso. Acho que se a gente não aproveitar essa oportunidade para debater amplamente em todo o Brasil, talvez não tenha uma outra oportunidade tão cedo.