A bióloga Luisa Lina Villa, coordenadora do Instituto do HPV, comenta a vacinação contra o HPV no Brasil e o rastreio de câncer do colo do útero. Estamos no caminho certo?
“Vários tumores ginecológicos são causados pelos papilomavírus humano de alto risco, infelizmente com elevada incidência e mortalidade em algumas regiões brasileiras. A cada ano, são esperados 500 mil novos casos de câncer da cérvix uterina em todo o mundo, dos quais 70% ou mais em países em desenvolvimento, que concentram as maiores taxas de mortalidade.
O câncer de vagina também está associado ao HPV de alto risco em cerca de 70% dos casos, assim como o câncer de vulva, com 30% a 45% das etiologias associadas ao HPV.
Na cérvix uterina, 14 tipos diferentes de HPV são relacionados ao câncer, entre eles o HPV 18, mas nos casos de câncer de vulva e de vagina, o HPV 16 mostra maior oncogenicidade, mais presente em tumores de origem glandular, os adenocarcinomas.
No Brasil, há décadas o Papanicolaou é empregado como método bastante simples e relativamente barato de rastreamento. No entanto, o programa brasileiro tem deficiências importantes, como a baixa cobertura em algumas regiões, a baixa qualidade e problemas no modelo de referência para centros especializados. O próprio sistema de informação levanta dúvidas sobre quem é essa mulher rastreada, mas há mudanças para aprimorar o registro e análise de dados.
A concentração da cobertura nas capitais dificulta o acesso ao exame em regiões mais remotas no interior do país. Quando o INCA anuncia que a cobertura do Papanicolaou é em torno de 70%, esse é um número enviesado para as capitais, o que é indiscutível. São as mulheres das regiões mais distantes que aumentam as estatísticas e chegam aos centros de câncer com tumores em estágio avançado, muitas vezes quando só a paliação resta como alternativa. O programa tem falhas na busca ativa e no seguimento das mulheres com lesões de risco e essa, infelizmente, ainda é uma realidade.
Agora, as diretrizes para o controle do câncer do colo do útero estão em revisão para lançar uma versão atualizada em 2015. Vejo com muito bons olhos que, sob a orientação do INCA, se passe a considerar a contribuição dos testes moleculares de HPV no rastreamento do câncer do colo do útero. Provavelmente estará na próxima diretriz, em 2015.
Outro avanço foi a vacina quadrivalente contra o HPV, em uma campanha muito bem sucedida iniciada este ano e que segue a tradição dos programas de imunização no Brasil. A campanha superou as expectativas e em menos de três meses alcançou 4 milhões de meninas na primeira dose, com quase 90% de cobertura. Nós temos dados claros na literatura, mostrando que países que adotaram a vacina começaram a observar e registrar a redução das lesões precursoras do câncer do colo do útero. O resultado mais recente, da Austrália, o primeiro a introduzir um programa de imunização com a mesma vacina que estamos usando aqui, observou em cinco anos mais de 50% de redução das lesões de alto grau, aquelas NIC 3. Espera-se que em 10 anos os números comecem a refletir a redução dos casos de câncer. Para os cânceres de vulva e vagina os dados provavelmente tardarão um pouco mais, mas desde já é importante reforçar a importância de manter bons registros de câncer no Brasil”.