Onconews - Uma nova via terapêutica?

CART_NET_OK.jpgCom resultados empolgantes em tumores hematológicos, a eficácia das células CAR começa a ser testada também em diversos tipos de tumores sólidos. A abordagem se baseia no uso de uma molécula chamada CAR, os receptores quiméricos de antígeno, aplicada aos linfócitos T.

A eficácia observada em tumores hematológicos impressiona. Em 2011, o grupo da Universidade da Pensilvânia antecipou os resultados de um estudo de células CAR-T CTL019 em três pacientes de leucemia linfocítica crônica (LLC) avançada (M. Kalos et al, 2011), com dois pacientes ainda em remissão.

A terapêutica foi destaque na ASH. A equipe do National Cancer Institute relatou sucesso em pacientes com linfoma difuso de grandes células B refratário. Após o tratamento com células T alvejando o CD19, 22 dos 27 pacientes tiveram remissão completa ou parcial; 10 mantiveram-se livre do câncer em até 37 meses (ASH 2014, Abstract 550).

No mesmo encontro, o estudo da Juno Therapeutics, uma biotech lançada em 2013, mostrou que seu CAR-T JCAR015 colocou 24 de 27 adultos com leucemia linfoblástica aguda refratária (ALL) em remissão, com seis pacientes permanecendo livre da doença há mais de um ano (ASH 2014, Abstract 382). 

Tecnologia

As primeiras células CAR T foram desenvolvidas no Weizmann Institute of Science, em Israel, no final de 1980, pelo químico e imunologista Zelig Eshhar. A abordagem se baseia no uso de uma molécula chamada CAR, os receptores quiméricos de antígeno, aplicado aos linfócitos T. “Quando falamos CAR-T estamos dizendo que o linfócito T está carreando o CAR. Dependendo do antígeno tumoral que estou alvejando ele vai ter como alvo diferentes tecidos. Nada impede que ele seja aplicado, por exemplo, a outros linfócitos citotóxicos, como por exemplo células NK (Natural Killer),” explica Martin Hernan Bonamino, Pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (INCA) na área de imunoterapiae Especialista em Ciência e Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “É uma aplicação biotecnológica, onde o desenho da molécula é pensado para ativar efetivamente esse linfócito, mudar suas funções, a célula que ele reconhece e o que ele faz quando reconhece essa célula”, acrescenta.

O CAR é uma molécula modular, com basicamente três módulos. Um modulo vai reconhecer o antígeno, que reconhece a substância presente na superfície da célula tumoral. Outro vai atravessar a membrana da célula, e o terceiro módulo vai dar uma sinalização para essa célula. “Cada tumor tem moléculas diferentes na superfície, e dessa maneira eu vou ter que usar uma parte da molécula que interage com esse alvo na célula tumoral”, diz Martin.

A grande inovação é a possibilidade de pegar um linfócito, e cada linfócito tem a sua especificidade, determinada pelo receptor que ele gera durante seu desenvolvimento, e aplicar a quantos linfócitos quiser a mesma especificidade que vai ser conferida por esse CAR. 

O desafio dos tumores sólidos

Fica a questão: é possível transferir esse sucesso para tumores sólidos? A eficácia dos CARs em tumores sólidos tem sido dificultada pela falta de antígenos exclusivos associados ao tumor. Todos os tumores hematológicos que apresentaram bons resultados são derivados de linfócitos B, que têm na superfície a molécula CD19, alvejada por esses CARs. Nos tumores hematológicos esse antígeno é seguro pois está expresso exclusivamente em células B do sistema hematopoiético. Significa que se os linfócitos T, carreando esse CAR, forem supereficientes e matarem todos os linfócitos B do indivíduo, os tumorais e os normais, esse paciente não morre por causa disso. Ou seja, é possível ter uma resposta antitumoral muito boa acompanhada de um efeito colateral que é completamente administrável.

Já nos tumores sólidos, temos menos ofertas de moléculas exclusivas do tumor, ou que estejam compartilhadas entre o tumor e o tecido que a gente possa eliminar sem ser fundamental ao indivíduo. Essa é a primeira grande diferença.

“O CAR-T tem muito potencial, mas não conheço um antígeno que seja absolutamente exclusivo do tumor sólido. Essa especificidade é o maior desafio. A terapia pode reagir contra uma célula normal e desencadear um evento adverso justamente porque funcionou bem demais”, alerta Bryan Strauss, coordenador de pesquisa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP.

Segundo Martin, o microambiente dos tumores sólidos, frequentemente inóspito e pouco favorável à atividade dos linfócitos T, também é uma barreira. “Vai ser mais difícil obter uma resposta tão boa quanto a observada nos tumores hematológicos”, diz. Difícil, mas não impossível. “Ainda que a resposta não seja tão expressiva, sem dúvida existe uma expectativa da classe científica pela eficácia dessa abordagem. A resposta em tumores hematológicos foi a prova de princípio de que isso pode funcionar muito bem. O desafio agora é levar isso a outros contextos”, afirma. 

Associação de drogas

Esses são os dois principais motivos pelos quais se acredita que talvez em tumores sólidos a estratégia seja desenhada da mesma maneira, mas os resultados talvez não sejam tão bons. “O tumor sólido não é uma única entidade. Um determinado desenho alvejando um antígeno pode funcionar bem para um determinado tumor sólido, e para outro não. Nesse caso é preciso fazer a reengenharia da molécula e do desenho do esquema terapêutico, inclusive com associação de drogas, como os inibidores de checkpoint imunológico anti-PD1 e anti-CTLA4, para finalmente chegar a uma resposta”, afirma Martin.

Para Bryan, essa é uma direção possível. “As células CAR-T vão ter que reconhecer mais do que um alvo para ser ativado, ou terão algum mecanismo de diminuição da resposta caso seja ativado o alvo errado”, afirma. Um paralelo interessante permite vislumbrar que tumores são alvejáveis. Esses CARs geralmente têm essa porção extracelular que reconhece o antígeno derivado de anticorpos monoclonais. Para todos os tumores com um anticorpo monoclonal em fase de testes com bons resultados, eventualmente essa mesma porção que reconhece o antígeno do anticorpo monoclonal pode ser transposta para o CAR alvejando essa mesma molécula.

“É exatamente o que está acontecendo. Se olharmos os antígenos que são alvejados, são os mesmos que também são alvo de moléculas de anticorpos monoclonais”, explica Martin.

A grande vantagem é que enquanto os anticorpos monoclonais são biodrogas que são eliminadas do organismo ao longo do tempo, essas células vão para o organismo, reconhecem o antígeno, mas podem ficar como células de memória, reconhecendo esse mesmo antígeno por muito tempo, possivelmente por toda a vida do indivíduo. “É uma resposta não apenas a longo prazo, como sustentada. Já temos dados que mostram que essas células, dependendo do desenho, podem ficar por mais de dez anos no indivíduo”, diz. 

Ensaios clínicos 

O primeiro ensaio a mostrar efetividade desse tipo de receptor foi em neuroblastoma, com resultados mais tímidos do que os observados em tumores hematológicos. O estudo de Martin A Pule e colegas foi publicado em 2008 na Nature Medicine. “Foi uma quebra de paradigma”, afirma Martin. O estudo de fase I desenhado para verificar toxicidade acabou mostrando uma certa eficácia. Não foi o primeiro ensaio clínico a ser realizado, mas o primeiro a mostrar eficiência.

Agora, uma série de ensaios estão recrutando pacientes tanto para tumores hematológicos tendo outros antígenos como alvo (CD20, CD30), como para diversos tumores sólidos. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, instituição parceira da Novartis, apresentaram no último encontro da ASCO estudo de células CAR T contra câncer de pâncreas em seis pacientes com doença refratária (JCO 33, 2015 - suppl; abstr 3007). As células T utilizadas no estudo, conhecidas como células CARTmeso, mostraram boa tolerabilidade e evidências preliminares de eficácia antitumoral, com algumas lesões metastáticas desaparecendo em um paciente. A Juno Therapeutics é outra com estudos que serão iniciados nos próximos meses, e pesquisadores da City of Hope também buscam estender a abordagem para tumores sólidos, em ensaios clínicos que utilizam as células T modificadas dos pacientes para combater glioblastomas, gliomas e câncer de próstata avançado. 

Onde há fumaça...

A movimentação do mercado é um bom termômetro. Várias biotechs estão surgindo e sendo posteriormente incorporadas pelas big pharmas, em transações bilionárias. “É um movimento natural, mas que está acontecendo com muita velocidade. Isso espelha a confiança de pesquisadores e da indústria na eficácia da terapia com células CAR-T em vários tipos de tumores”, analisa Martin. A julgar pelos investimentos e pela quantidade de ensaios clínicos programados, o futuro das células CAR-T parece promissor. Afinal, como diz o ditado, onde há fumaça, há fogo.