A decisão de avaliar a dose máxima tolerada precisa ser revista, tanto pelos patrocinadores, quanto pelas autoridades reguladoras, especialmente no caso de terapias direcionadas. É o que defende análise de Richard Pazdur e colegas, em artigo na New England Journal of Medicine (NEJM). "Esse estudo reforça a necessidade de testes pós-comerclialização para avaliar a dose, reduzindo custos e toxicidades desnecessárias", avalia Fabio Franke (foto), oncologista do Oncosite Centro de Pesquisa Clínica em Oncologia, de Ijuí-RS.
Em maio de 2021, a agência Food and Drug Administration (FDA) aprovou sotorasibe (Lumakras®) para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) metastático que abrigam a mutação KRAS p.G12C. “Sotorasib, que foi aprovado com base no ensaio CodeBreaK100, é o primeiro medicamento a atingir o KRAS que havia sido considerado ‘insondável’ e foi investigado sem sucesso por décadas”, descrevem. “Apesar dessa conquista, o desenvolvimento da droga foi dificultado pela falta de exploração robusta da dose, o que levou o FDA a exigir dos patrocinadores um teste pós-comercialização para avaliar a dose. Esta decisão foi baseada em dados que demonstram farmacocinéticas (níveis de droga no corpo), saturação-alvo e taxas de resposta do tumor semelhantes entre os pacientes tratados com a dose usada no ensaio de registro e aqueles tratados com doses menores”, argumentam.
A partir deste exemplo concreto, Pazdur e colegas convidam a uma reflexão crítica envolvendo aspectos que vão do ambiente de pesquisa à prática clínica. “Com medicamentos direcionados, aumentar as doses além de um certo nível pode não aumentar a atividade antitumoral”, sustentam os autores. Ainda assim, o paradigma "mais é melhor" ainda é usado para selecionar a dose e avaliar a exposição-resposta relacionada à eficácia e segurança.
Para Pazdur e colegas, a decisão de avaliar a dose máxima tolerada reflete tanto o desejo de desenvolver drogas oncológicas rapidamente para pacientes que têm opções limitadas, assim como a crença de que doses mais altas terão melhor atividade terapêutica. “Nós acreditamos que esta prática deve ser reexaminada para drogas direcionadas e terapias biológicas”, defendem.
O conceito de que doses superiores estariam necessariamente associadas a uma maior eficácia, que foi generalizado no desenvolvimento de drogas citotóxicas, hoje enfrenta desafios. “A Oncologia se beneficiou de mais de 70 anos de desenvolvimento de drogas citotóxicas, mas agentes com novos mecanismos de ação, maior eficácia e diferentes perfis de segurança exigem um reexame das práticas anteriores”, propõem.
Além de sotorasibe para CPCNP com mutação KRAS p.G12C, os autores listam outros 6 agentes cujas doses ou programações foram modificadas após a aprovação: ceritinibe (Zykadia®), dasatinibe (Sprycel®), niraparibe (Zejula®), ponatinib (Iclusig®), cabazitaxel (Jevtana®) e o conjugado anticorpo-droga gemtuzumab ozogamicin (Mylotarg®).
“Não é incomum que medicamentos oncológicos sejam insuficientemente caracterizados antes que os patrocinadores iniciem os testes de registro”, apontam.
O oncologista Fabio Franke observa que o desenvolvimento de novas terapias exige cada vez mais dados de vida real. "A quebra do paradigma dos tratamentos citotóxicos de que "mais é melhor" é observada na prática com drogas-alvo onde a redução da dose por toxicidade não diminui a eficácia, como demonstrado com ribocicllibe, por exemplo", afirma. "Esse estudo irá com certeza repensar a necessidade de testes pós comerclialização para avaliar a dose, reduzindo custos e toxicidades desnecessárias. A decisão do FDA abre um precedente interessante e que deve ser melhor explorado daqui para frente, principalmente para terapias direcionadas e medicamentos biológicos", conclui.
Referência: M Shah et al. The Drug-Dosing Conundrum in Oncology - When Less Is More. N Engl J Med. 2021 Oct 14;385(16):1445-1447. doi: 10.1056/NEJMp2109826.