Mais de trinta anos depois da tragédia provocada pelo césio-137 em Goiânia, no maior acidente radiológico já ocorrido em área urbana, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás e da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) publicaram novos dados sobre a associação entre a incidência de câncer de mama e os níveis de radiação ionizante na região afetada. Os resultados estão na edição de agosto do Sao Paulo Medical Journal, em artigo com participação do mastologista Ruffo de Freitas Júnior (foto).
Neste estudo ecológico, que tem como primeiro autor Leonardo Bastos Lage, do CNEN, os pesquisadores usaram dados do Registro de Câncer de Base Populacional de Goiás e medidas radiométricas obtidas com apoio da CNEN. A região central de Goiânia, com as sete principais fontes de contaminação por césio-137, foi delimitada como área de estudo e os endereços das mulheres diagnosticadas com câncer de mama entre 2001 e 2010 foram identificados, georreferenciados e associados a dados censitários, para estimar as médias anuais das taxas de incidência.
A existência de clusters de novos casos foi verificada pela média do índice de Moran. A correlação entre incidência e medidas radiométricas foi avaliada por regressão linear.
Resultados
Entre 2001 e 2010 foram identificados 4.105 novos casos, dos quais 2.233 na área de estudo. Destes, 1.286 (57,59%) foram georreferenciados. As taxas brutas de casos totais e referenciados foram de 102,91 e 71,86 / 100.000 mulheres, respectivamente.
Os autores destacam que as taxas são próximas à média das capitais brasileiras, que é de 79,37 / 100.000 mulheres. A análise de clusters mostrou pequenas correlações em três pequenos conjuntos de setores censitários, mas todos distantes das fontes de contaminação.
Uma possível explicação é que as mudanças genéticas induzidas na população exposta não eram patogênicos ou não se traduziram em aumento do risco de câncer, aponta a publicação, lembrando que estudo de base populacional com quase 30 anos de acompanhamento também sugeriu que não houve associação entre o acidente radiológico e a incidência de câncer na cidade2,3,.
“Este estudo reforça a hipótese de que os níveis de radiação ionizante a que as mulheres de Goiânia foram expostas não estão associados ao surgimento de novos casos de câncer de mama”, conclui a publicação, que tem a chancela da Rede Brasileira de Pesquisa em Câncer de Mama.
Comparison of the crude incidence rates per 100,000 women over the period from 2001 to 2010, in specific regions of Goiânia and other locations in Brazil
Geographical region | New cases of breast cancer | % of new cases in the sample | Average female population | Incidence rate per 100,000 |
Goiânia | 4,105 | 100 | 616,435 | 66.59 |
Study area | 2,233 | 54.40 | 216,981 | 102.91 |
Campinas-Center HD | 1,053 | 25.65 | 108,108 | 97.40 |
South HD | 1,180 | 28.75 | 108,873 | 108.38 |
Outside of study area* | 1,872 | 45.60 | 399,454 | 46.86 |
Brazil** | 56.20 | |||
State of Goiás** | 52.09 | |||
Goiânia** | 76.07 |
HD = healthcare district.
*In healthcare districts in Goiânia, other than those in the study area;
**Estimates for 2016
Referências
1 - LAGE, Leonardo Bastos et al. Evaluation of ionizing radiation as a risk factor for the incidence of breast cancer: long-term analysis after the cesium-137 accident in Goiânia, Brazil. An ecological study. Sao Paulo Med. J. [online]. In press. , pp.- Epub Aug 14, 2020. ISSN 1806-9460. https://doi.org/10.1590/1516-3180.2020.0041.r1.04052020.
2 - Curado MP, Oliveira MM, Valverde NJL, Cruz AD. Cancer incidence in the cohort exposed to Cesium-137 accident in Goiânia (Brazil) in 1987. J Health Biol Sci. 2019;7(3):228-32. doi: 10.12662/2317-3076jhbs. v7i3.2429.p228-232.2019.
3 - Rahal RMS, Rocha ME, Freitas-Junior R, et al. Trends in the incidence of breast cancer following the radiological accident in Goiânia: a 25-year analysis. Asian Pac J Cancer Prev. 2019;20(12):3811-6. PMID: 31870126; doi: 10.31557/APJCP.2019.20.12.3811.