A American Cancer Society (ACS) atualizou suas diretrizes para rastreamento do câncer de colo de útero para indivíduos de risco médio. Publicada no CA: A Cancer Journal for Clinicians, a atualização recomenda o início do rastreamento do câncer de colo de útero aos 25 anos, ao invés de 21 anos, conforme indicado no guideline anterior, de 2012. Arn Migowski (foto), médico epidemiologista e Chefe da Divisão de Detecção Precoce de Câncer e apoio à Organização de Rede do Instituto Nacional do Câncer (INCA), comenta as recomendações.
Segundo Migowski, a American Cancer Society tradicionalmente apresenta recomendações mais intensivas de rastreamento. “Para rastreamento com teste de HPV (seja primário ou co-teste) está bem estabelecido que a idade de início deve ser mais avançada do que com a citologia, e que a periodicidade entre os exames de rotina deve ser a cada 5 anos. A idade de término também está bem estabelecida e é a mesma utilizada para citologia na diretriz nacional. Um dos pontos mais controversos dessas diretrizes da ACS é a idade de início da recomendação de rastreamento com teste de HPV, que em geral é aos 30 anos”, avalia.
Outra alteração em relação às diretrizes de 2012 diz respeito à abordagem preferencial do rastreamento. O documento recomenda o teste primário de HPV de alto risco (hrHPV) a cada 5 anos até os 65 anos de idade. Caso o teste primário de HPV de alto risco não esteja disponível, o teste de HPV associado à citologia cervical (co-teste) a cada 5 anos ou a citologia cervical isolada a cada 3 anos é aceitável. “No entanto, essas alternativas devem ser eliminadas assim que o acesso total ao teste primário de HPV para rastreamento do câncer do colo do útero estiver disponível sem barreiras", afirma o documento.
A recomendação de citologia isolada trienal da ACS coincide com a diretriz brasileira. “Infelizmente no Brasil, tanto no SUS quanto na saúde suplementar, ainda é muito comum rastreamento com periodicidade anual e em início em mulheres muito jovens fora da faixa etária recomendada”, observa Migowski.
Na diretriz brasileira de rastreamento o método recomendado é o exame citopatológico. Os dois primeiros exames devem ser realizados com intervalo anual e, se ambos os resultados forem negativos, os próximos devem ser realizados a cada 3 anos. “O início da coleta deve ser aos 25 anos para as mulheres que já tiveram ou têm atividade sexual. Antes dos 25 anos prevalecem as infecções por HPV e as lesões de baixo grau, que quase sempre vão regredir espontaneamente, gerando muito resultados falso-positivos, procedimentos adicionais e riscos desnecessários”, ressalta.
Indivíduos com mais de 65 anos que não tenham histórico de neoplasia intraepitelial cervical grau 2 ou doença mais grave nos últimos 25 anos e que tenham documentado rastreamento prévio negativa adequada nos 10 anos anteriores devem descontinuar o rastreamento de câncer cervical.
A orientação se aplica a todas as pessoas assintomáticas e de risco médio, incluindo aqueles que foram submetidos à histerectomia subtotal e homens trans que mantêm o colo do útero. Esses indivíduos devem ser rastreados independentemente de seu status de vacinação contra o HPV ou histórico sexual.
No Brasil, o epidemiologista esclarece que os exames periódicos devem seguir até os 64 anos e, naquelas mulheres sem história prévia de doença neoplásica pré-invasiva, interrompidos quando tiverem pelo menos dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos. “Não há recomendação sobre teste de HPV, que não está incorporado ao SUS”, diz.
Para indivíduos com rastreamento positivo para HPV e/ou citologia, o acompanhamento deve estar de acordo com as diretrizes de consenso de manejo baseado em risco da 2019 American Society for Colposcopy and Cervical Pathology para testes de rastreamento de câncer cervical anormais e precursores de câncer.
Os autores ressaltam que as recomendações não se aplicam a indivíduos com risco aumentado de câncer do colo do útero devido a transplante de órgãos sólidos ou células-tronco, infecção por HIV, imunossupressão por outras causas ou exposição in utero ao dietilestilbestrol.
Com relação ao teste de HPV no Brasil, algumas das preocupações principais são a grande difusão no país de rastreamento em mulheres muito jovens e em periodicidades muito curtas (geralmente anual), o que aumenta a iatrogenia, sem oferecer benefícios”, diz.
Essa questão, que já é uma preocupação com a citologia, fica ainda mais crítica com o teste de HPV, que aumenta a referência para exames adicionais como colposcopia, necessitando de exames de triagem. “Todos esses aspectos precisam ser avaliados por meio de várias iniciativas que investigam novas tecnologias para o rastreamento do câncer do colo do útero no contexto do país”, observa.
Migowski acrescenta que um dos maiores desafios é a não adesão às diretrizes de faixa etária e periodicidade, incorrendo em riscos desnecessários sem oferecer benefícios, ou seja, repetição excessiva de exames em mulheres sem indicação, ao mesmo tempo que existem grupos de mulheres que não são rastreadas. “A prioridade deve ser a garantia da qualidade e o alcance dessas mulheres que habitualmente não são rastreadas”, conclui.
Referência: Fontham, ETH, Wolf, AMD, Church, TR, Etzioni, R, Flowers, CR, Herzig, A, Guerra, CE, Oeffinger, KC, Shih, Y‐CT, Walter, LC, Kim, JJ, Andrews, KS, DeSantis, CE, Fedewa, SA, Manassaram‐Baptiste, D, Saslow, D, Wender, RC, Smith, RA. Cervical cancer screening for individuals at average risk: 2020 guideline update from the American Cancer Society. CA Cancer J Clin. 2020. https://doi.org/10.3322/caac.21628