Análise combinada de três grandes estudos randomizados (PORTEC 1, 2 e 3) buscou identificar potencial ligação entre idade avançada e piores desfechos no câncer do endométrio.  Os resultados foram publicados por Wakkerman et al. no Lancet Oncology e mostram que o aumento da idade elevou tanto o risco global de recorrência do câncer de endométrio quanto o risco de morte câncer específico, indicando que a idade avançada foi associada a maior frequência de invasão miometrial profunda, histologia serosa, mutações de p53 e recorrência vaginal. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto) comenta os principais achados.

Nesta análise, dados de 1.801 mulheres participantes dos ensaios randomizados PORTEC-1, PORTEC-2 e PORTEC-3 foram utilizados para análises estatísticas e de inferência causal. A coorte incluiu 714 pacientes com câncer endometrial de risco intermediário, 427 pacientes de risco intermediário-alto e 660 pacientes com câncer endometrial de alto risco.

Wakkerman e colegas utilizaram testes não paramétricos para estabelecer associações da idade com características clinicopatológicas e moleculares. Análises multivariadas foram realizadas para determinar o valor prognóstico independente da idade. Para analisar a idade como variável prognóstica causal foi utilizado um modelo de inferência causal de aprendizagem profunda denominado AutoCI.

Em um seguimento mediano de 12,3 anos (IC 95% 11,9–12,6) para PORTEC-1, 10,5 anos (10,2–10,7) para PORTEC -2 e de 6,1 anos (5,9–6,3) para PORTEC-3, os autores descrevem que tanto a recorrência global quanto a morte específica por câncer de endométrio aumentaram significativamente com a idade.  A idade foi um fator de risco independente para a recorrência global (razão de risco [HR] 1,02 por ano, IC 95% 1,01–1,04; p=0,0012) e para o risco de morte específica por câncer endometrial (HR 1,03 por ano, 1,01–1,05; p=0·0012), identificada como variável causal.

A análise mostra que a idade avançada foi associada a características tumorais mais agressivas, com maior frequência de invasão miometrial profunda, histologia tumoral serosa e tumores com mutações de p53, com piores desfechos oncológicos. “Portanto, nossos achados sugerem que mulheres idosas com câncer de endométrio não devem ser excluídas de avaliações diagnósticas, testes moleculares e terapia adjuvante com base apenas na idade”, destacam os autores.

O câncer endometrial é atualmente o câncer ginecológico mais comum nos países de rendimento elevado. Em 2020, foram diagnosticadas 60.127 pacientes com câncer do endométrio em todo o mundo e 341.831 morreram da doença.

O estudo em contexto

Por Maria Del Pilar Estevez Diz
Oncologista Clínica
Instituto do Câncer do Estado de São Paulo
Rede D’Or – Onco Star e Hospital São Luiz do Itaim, SP

Antes do perfil molecular, diversos fatores eram utilizados para caracterizar o prognóstico das pacientes portadoras de câncer de endométrio (CE), dentre eles a idade, pois a maior parte dos óbitos (~70%) por CE ocorre em mulheres com mais de 65 anos. Apesar desse conhecido dado, a idade nunca foi incorporada nos algoritmos de risco, por não estar claro se se tratava de um fator independente de risco.

Apesar de maiores taxas de recorrência e mortalidade, estudos anteriores mostraram maior prevalência de fatores patológicos adversos, como histologias de alto risco, invasão miometrial profunda e invasão linfovascular. Também identificaram menor possibilidade de estadiamento cirúrgico e menor possibilidade de prescrição de quimioterapia, mesmo para histologias não endometrióides.

A análise combinada dos estudos PORTEC 1, 2 e 3 teve como objetivo esclarecer essa questão. Neste estudo, mulheres mais idosas apresentaram maior incidência de invasão miometrial, histologia serosa e tumores com p53 mutado, mas a idade foi um fator de risco independente na análise multivariada. Além disso, a probabilidade de desfechos adversos aumenta progressivamente entre 50 e 80 anos, dificultando a determinação de um cut-off preciso.

A idade, portanto, não deve ser vista como um fator para de-escalonamento do tratamento. O estadiamento completo e a avaliação molecular devem ser realizados em todas as idades, bem como avaliação geriátrica para determinação das comorbidades de maneira clara e objetiva. Apenas dessa forma podemos definir qual o melhor tratamento para as pacientes, inclusive as idosas.

Referência: Wakkerman FC,Wu J,Putter H et al.Prognostic impact and causality of age on oncological outcomes in women with endometrial cancer: a multimethod analysis of the randomised PORTEC-1, PORTEC-2, and PORTEC-3 trials.Lancet Oncol. 2024; (published online April 30.) https://doi.org/10.1016/S1470-2045(24)00142-6