Com a proposta de auxiliar na definição de estratégias de redução de riscos, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) publicou um novo guideline com recomendações para a realização de testes de genética e genômica de suscetibilidade ao câncer. Benedito Rossi, fundador do Grupo de Estudos de Tumores Hereditários (GETH), comenta com exclusividade para o Onconews.
Na era da medicina personalizada, compreender quando as variações genéticas são benignas e, ao contrário, em que situações são drivers deletérios para a expressão do câncer continua a ser um enorme desafio.
Com o aumento da oferta dos testes de sequenciamento genético e a progressiva diminuição dos custos, a aplicação da seleção molecular cresceu na prática clínica, com estudos para mutações genéticas clinicamente importantes, como BRCA1 / 2 (câncer de mama), MSH (câncer do cólon), RB, e P53 (retinoblastoma e síndrome de Li-Fraumeni), entre outras. Agora, a recomendação da sociedade americana reforça o apelo às equipes médicas para adotar estratégias adicionais de redução de riscos, o que inclui a adequada seleção dos pacientes que podem realmente se beneficiar dos testes genéticos.
“É fundamental identificar os indivíduos e as famílias sob risco, o que significa que a anamnese familiar é indispensável para recomendar os testes”, explica Benedito Rossi. “Em segundo lugar, é preciso ter uma hipótese diagnóstica clínica ou pelo menos uma suspeita”, ensina o especialista, que também destaca a importância de saber interpretar os resultados e, finalmente, saber orientar adequadamente os pacientes.
Parece óbvio, mas não é. “Com o advento dos testes em NGS, o custo caiu muito e são incluídos dezenas de genes, quase pelo preço de dois. Então, muitos exames são pedidos sem se preocupar com o diagnóstico clínico, porque todos o principais genes já estão incluídos no painel. Mas o diagnóstico clinico sempre deve fazer parte da indicação”, reforça.
Não há dúvida de que testes genéticos e de suscetibilidade genômica ao câncer têm proporcionado benefícios clínicos a um pequeno segmento de pacientes. Agora, crescem apelos em todo o mundo para a aplicação mais ampla de testes como esses. No entanto, o papel de muitas mutações na carcinogênese ainda é desconhecido, o que motiva as chamadas variantes de significância incerta (VSI). É essa área de fronteira que motiva dúvidas e faz com que muitas mutações classificadas como VUS acabem reclassificadas como mutações patogênicas ou benignas.
A qualidade da análise preocupa. Muitos laboratórios estão ingressando no mercado e mesmo laboratórios reconhecidos estão diante do desafio da redução de custos e do aumento da competitividade. “Qual o controle de qualidade dos testes realizados?”, questiona Rossi, que reconhece distinções na oferta do serviço. “Existem variações de nomenclatura nas mutações identificadas entre os laboratórios e alguns não descrevem de forma sistemática todas as alterações encontradas nos testes de painel, "selecionando" o que vai no laudo. Isso pode ser perigoso, pois a interpretação é muito dinâmica e pode ficar incompleta”, alerta.
Quando está em perspectiva a seleção molecular, as diretrizes da ASCO mais uma vez recomendam cautela e uma abordagem seletiva, reconhecendo também preocupações com o rastreio desnecessário intensivo e na forma de intervenções preventivas, incluindo cirurgias profiláticas.
Admirável mundo novo
Ao longo da última década, diversos genes de susceptibilidade foram identificados. Desde então, alguns testes de mutação já estão comercialmente disponíveis e têm sua importância reconhecida, como ilustra o BRCA1 / 2. No entanto, em alguns casos a utilidade clínica das informações fornecidas por testes genéticos é incerta e os resultados tanto podem conduzir a falsos alarmes para os pacientes como levar à comunidade médica a decisões clínicas inadequadas.
Em resumo, a rápida expansão e aplicação das novas tecnologias alimenta o modelo de medicina de precisão e afeta a forma como abordamos o câncer, inclusive na perspectiva social.
Apesar de implicações éticas e principalmente clínicas, não há dúvida de que pacientes e famílias que podem estar em maior risco de abrigar uma mutação de suscetibilidade ao câncer têm benefícios claros com o aconselhamento genético e testes que podem auxiliar na redução de riscos.
Referência: Genetic Cancer Susceptibility Testing: Increased Technology, Increased Complexity - Peter Paul Yu et al - doi:10.1200/JCO.2015.63.3628