A American Society of Hematology (ASH) publicou novas diretrizes de manejo de pacientes idosos com leucemia mieloide aguda (LMA). “A mediana de idade do diagnóstico de LMA é de 68 anos, e à medida em que aumenta a população de idosos, as recomendações baseadas em evidências para o tratamento ideal desses pacientes assumem maior urgência e importância”, destaca o guideline. Desenvolvidas em parceria com o McMaster GRADE Centre, as diretrizes foram publicadas na Blood Advances. “As novas recomendações para tratamento de LMA em idosos vem ao encontro da nossa prática atual”, afirma o hematologista Nelson Hamerschlak (foto), coordenador do Programa de Hematologia e Transplantes de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein.
Os idosos com leucemia mieloide aguda representam uma população vulnerável na qual fatores de risco clínico, objetivos do paciente, prognóstico e riscos e benefícios percebidos pelo médico e paciente influenciam as recomendações de tratamento. O prognóstico da doença em idosos é reservado. Em média, uma pessoa de 75 anos com diagnóstico de LMA tem uma expectativa de vida mediana de apenas alguns meses. O prognóstico para aqueles até 10 anos mais jovens é apenas ligeiramente melhor; a maioria morre um ou dois anos após o diagnóstico. Não há uma terapia curativa única e, embora tenha havido progressos no tratamento da doença, essa população costuma ter uma alta prevalência de comorbidades e declínio na função dos órgãos relacionado à idade, o que pode levar a uma maior probabilidade de toxicidade do tratamento.
“É fundamental a discussão sobre o risco-benefício e as opções de tratamento com cada paciente, além da avaliação geriátrica ampla para indicar terapêutica mais ou menos agressiva e o tratamento pós remissão, quando possível, com transplante de células tronco hematopoiéticas”, reforça Hamerschlak.
As diretrizes são baseadas em revisões sistemáticas de evidências conduzidas sob a coordenação do McMaster Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE) Centre. O painel aborda 6 questões críticas no tratamento de idosos com LMA: a decisão de buscar tratamento antileucêmico vs melhor tratamento de suporte, a intensidade do tratamento, o papel e a duração da terapia pós-remissão, combinação vs monoterapia para indução, duração da terapia menos intensiva e o papel do suporte transfusional para pacientes que não estão mais em tratamento.
Recomendações
Em linhas gerais, o tratamento é recomendado em relação aos melhores cuidados de suporte, assim como a terapia mais intensiva, quando tolerável. Para pacientes em remissão após pelo menos um único ciclo de terapia antileucêmica intensiva e não candidatos ao transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas (HSCT; allo-HSCT), o guideline sugere terapia pós-remissão em vez de nenhuma terapia adicional. “Em alguns cenários, os pacientes podem receber 2 ciclos de terapia antileucêmica intensiva, mesmo com remissão após o primeiro ciclo. Nessas situações, o Painel considera o segundo ciclo de terapia intensiva como terapia pós-remissão”, esclarecem os autores.
Para pacientes considerados aptos para terapia não intensiva, as diretrizes sugerem o uso de qualquer uma das opções ao escolher entre monoterapia com agente hipometilante (azacitidina e decitabina) ou monoterapia com citarabina de baixa dose. “Em pacientes tratados com terapia combinada, os agentes para os quais há evidência de eficácia são citarabina em baixa dose em combinação com glasdegib, com base em um pequeno estudo randomizado; e agentes hipometilantes ou citarabina em baixa dose em combinação com venetoclax, com base em dados promissores dos ensaios de Fase II”, observam os autores. Essas recomendações podem mudar, favorecendo terapias combinadas em vez de monoterapia, com a divulgação futura de resultados de estudos randomizados”, acrescentam.
Hamerschlak endossa a recomendação de tratamento com agentes hipometilantes, com ou sem venetoclax, para pacientes considerados vulneráveis (frágeis). “Para os não vulneráveis optamos por quimioterapia ou agentes hipometilantes (de forma mais intensa), com ou sem venetoclax, seguido de transplante de células tronco hematopoiéticas. O que se percebe na literatura é que pacientes aptos a terapias mais agressivas tem sua mortalidade mais relacionada à recidiva da doença do que à toxicidade do tratamento”, explica.
Nos pacientes com resposta após terapia menos intensiva, o guideline sugere continuar a terapia indefinidamente até a progressão da doença ou toxicidade inaceitável.
O documento também descreve o benefício clínico das transfusões paliativas de glóbulos vermelhos para aqueles pacientes que não estão mais recebendo terapia antileucêmica, incluindo pacientes em final de vida ou cuidados paliativos. “Para esses pacientes, a recomendação é que as transfusões de glóbulos vermelhos sejam consideradas cuidados de suporte padrão, pois podem atender às necessidades paliativas relacionadas à falta de ar, sangramento e fadiga profunda, bem como melhorar a qualidade de vida geral”, afirmam os autores. “Para alguns pacientes as transfusões de plaquetas podem ser benéficas em caso de sangramento, mas há poucos dados para apoiar esta prática e as transfusões de plaquetas parecem ter pouco ou nenhum papel no fim da vida ou cuidados paliativos”, ressaltam.
Entre as limitações do trabalho, o Painel de Especialistas destaca o baixo grau de evidência para muitas das questões, uma vez que grande parte do tratamento de idosos com LMA é baseado em estudos de braço único ou estudos observacionais. “Essas limitações devem ser vistas como uma chamada à ação para estudos mais rigorosos em idosos com LMA, para que futuras diretrizes possam fornecer níveis mais elevados de evidência”, concluem.
A íntegra do guideline pode ser acessada em www.hematology.org/AMLguidelines.
Referência: American Society of Hematology 2020 guidelines for treating newly diagnosed acute myeloid leukemia in older adults - Blood Adv (2020) 4 (15): 3528–3549. - https://doi.org/10.1182/bloodadvances.2020001920