Os participantes de estudos em oncologia com fadiga clinicamente significativa (do inglês, CSF) no baseline tiveram pior sobrevida e experimentaram mais eventos adversos em comparação com participantes sem CSF. Os resultados são de uma análise de quatro ensaios do SWOG e foram publicados no JCO Oncology Practice. "A fadiga é um sintoma presente em 80% dos pacientes durante o tratamento antineoplásico e, com o advento da terapia-alvo, passou a ser mais significativo do que náuseas, dor ou outros sintomas”, observa o Ricardo Caponero (foto), oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Segundo Caponero, a fadiga é um dos grandes desafios da oncologia moderna. “As causas da fadiga são multifatoriais, indo desde disfunções endócrinas e sarcopenia até o próprio processo inflamatório crônico associado à neoplasia. A avaliação ampla de todas as causas subjacentes e a abordagem multidisciplinar é fundamental”, esclarece.
“É preciso corrigir fatores que estejam contribuindo para o sintoma, como anorexia, alterações no ritmo de sono, anemia, etc. A abordagem farmacológica ainda oferece resultados muito limitados. Também é importante vencer a ideia comum de que a melhor opção para a fadiga é o repouso. Hoje, sabemos que um programa de exercícios moderados é um fator de grande auxílio no controle desse sintoma”, afirma.
Nesta análise, os pesquisadores compararam os resultados em quatro estudos de quimioterapia de fase II ou III, dois de câncer de pulmão não pequenas células avançado e dois de câncer de próstata resistente à castração avançado, com ou sem fadiga clinicamente significativa no baseline.
O CSF foi definido como uma pontuação de dois ou mais no questionário de fadiga Functional Assessment of Cancer Therapy ou uma pontuação de 50% ou mais nos sintomas de fadiga do European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire—Core 30. A sobrevida foi comparada de acordo com a fadiga clinicamente significativa usando estimativas de Kaplan-Meier e modelos de regressão de Cox. As diferenças nas taxas de eventos adversos por CSF foram avaliadas por meio de testes de qui-quadrado, e as mudanças de qualidade de vida desde o início até 3 meses do baseline por meio de regressão linear.
Resultados
De 1.994 participantes, 1.907 (mediana de idade, 69 anos; variação 32-91) tinham dados completos da pesquisa de qualidade de vida no baseline, com 52% relatando CSF no início do estudo. Para os dois estudos de câncer de próstata resistente à castração, o CSF no baseline foi associado a taxas de mortalidade mais altas, com taxas de risco ajustadas de (95% CI, valor P) 1,32 (1,13 a 1,55, P <0,001) e 1,31 (1,02 a 1,67, P = 0,03) e com aumento da incidência de eventos adversos graus 3-5 constitucional (16,5% v 9,4%, P = 0,002; 13,9% v 6,3%, P = 0,002) e neurológico (11,7% v 6,1%, P = 006; 9,0% v 3,9%, P = 0,01). A fadiga clinicamente significativa no baseline foi associada a uma taxa de mortalidade mais alta em um estudo de câncer de pulmão de células não pequenas: hazard ratio 1,44 e 1,04 a 2,00, P = 0,03.
“Os participantes de estudos em oncologia com fadiga clinicamente significativa no baseline tiveram pior sobrevida e experimentaram mais eventos adversos em comparação com os participantes sem fadiga no início do estudo. Isso indica a fadiga como um importante fator prognóstico basal em estudos de tratamento oncológico”, destacaram os autores.
Para Caponero, o trabalho é muito interessante e relevante em mostrar o quanto a fadiga pode ser um fator preditivo de piores desfechos de eficácia e de maior toxicidade, pelo menos no câncer de pulmão e de próstata, abordados no estudo. “Provavelmente esses resultados podem ser extrapolados para outras neoplasias. Os autores alertam para o fato de que, ao identificarem a fadiga como um sintoma ao início do tratamento, os profissionais fiquem mais atentos a uma maior possibilidade de eventos adversos com o tratamento”, diz.
Segundo o especialista, apesar da correlação estatisticamente significativa encontrada, a dúvida que fica é se a fadiga leva a piores desfechos, ou se uma biologia mais agressiva da neoplasia leva a ambos os fatores, tanto à fadiga como aos piores desfechos. “Sabemos que o controle, pelo menos parcial, da fadiga depende do controle da neoplasia e da correção das causas subjacentes. Embora essa correção possa ter impacto na qualidade de vida, não sabemos se a correção da fadiga após o diagnóstico pode “neutralizar” esse fator preditivo de piores respostas ao tratamento”, afirma.
“A fadiga também pode ser graduada em sua intensidade e nas repercussões imputadas à qualidade de vida. Escalas como a de Piper, já validadas para o português, são de fácil aplicação e reprodutíveis, assim como os questionários empregados na metodologia do estudo”, recomenda, acrescentando que como todos os outros sintomas, o essencial é que os médicos estejam atentos a eles, os identifiquem de forma proativa e, sempre que possível, pela sua potencialidade de ocorrência, atuem de forma a prevenir a instalação de sintomas já que a reversão de grande parte deles é sempre muito menos eficiente. “Os achados apresentados reforçam a evidência de que o melhor tratamento antineoplásico pode ter seus resultados comprometidos pelo controle insatisfatório dos sintomas. O cuidado de suporte não é um luxo, nem algo voltado exclusivamente à qualidade de vida, mas pode ter um impacto significativo na tolerância, adesão e eficácia dos tratamentos”, conclui.
Referência: Association of Fatigue and Outcomes in Advanced Cancer: An Analysis of Four SWOG Treatment Trials - Julia Mo, BS; Amy K. Darke, MS; Katherine A. Guthrie, PhD; Jeff A. Sloan, PhD; Joseph M. Unger, PhD, MS; Dawn L. Hershman, MD, MS; Mark O'Rourke, MD; Marie Bakitas, DNSc, NP-C; and Robert S. Krouse, MD - Published online July 13, 2021. - DOI: 10.1200/OP.20.01096 JCO Oncology Practice