Novo estudo da Escola de Medicina da Universidade de Washington identificou forte associação entre altos níveis de atividade física e a capacidade de manter a função cognitiva entre pacientes com câncer de mama tratadas com quimioterapia. A pesquisa estabelece as bases para futuros ensaios clínicos com o objetivo de investigar se o exercício moderado a vigoroso pode evitar o que é comumente referido como sintomas “quimioencefálicos”, um declínio na função cognitiva experimentado por muitas pacientes com câncer de mama. Os resultados foram reportados 18 de agosto no Journal of Clinical Oncology, em artigo de Salerno et al. Daniella Ramone (foto), oncologista do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, analisa os resultados.
“O declínio cognitivo relacionado ao tratamento do câncer é uma preocupação clínica crescente”, disse a primeira autora Elizabeth A. Salerno, professora assistente de cirurgia da Universidade de Washington. “Alguns pacientes com câncer apresentam lapsos de memória, dificuldade de concentração ou dificuldade de encontrar a palavra certa para terminar uma frase. Conhecendo os efeitos prejudiciais da quimioterapia na função cognitiva, nosso objetivo foi entender as relações dinâmicas entre a atividade física e a cognição antes, durante e após a quimioterapia para prover estratégias de prevenção precoces. Nossas descobertas sugerem que manter níveis mais elevados de atividade física pode realmente ser importante para proteger a cognição em pacientes com câncer de mama durante a quimioterapia”, destacou.
Neste estudo observacional, os pesquisadores analisaram dados de 580 pacientes com câncer de mama estágio I-IIIC (N= 580) com idade média de 53,4 anos, e participantes que atuaram como controles (N=363), com idade média de 52,6 anos. Um questionário validado foi utilizado para medir a atividade física antes, imediatamente após e seis meses depois da quimioterapia. Quatro medidas da função cognitiva também foram realizadas nesta população.
No início do estudo, cerca de 33% dos pacientes com câncer atendiam às diretrizes de atividade física estabelecidas pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. As diretrizes recomendam pelo menos 150 minutos de atividade física moderada a vigorosa por semana. Durante a quimioterapia, o percentual de pacientes que atendeu às diretrizes caiu para 21% e, em seguida, voltou a 37% seis meses após o término do tratamento. A proporção de participantes sem câncer que cumpriu o mínimo semanal de 150 minutos de atividade física moderada a vigorosa oscilou em torno de 40% em todos os três momentos.
“Apesar desta recuperação aos níveis de atividade física pré-quimioterapia, a maioria dos pacientes permaneceu insuficientemente ativa”, disse Salerno. Em relação à cognição, as 4 análises incluíram duas medidas autorreferidas, ou seja, como os indivíduos percebem sua própria cognição, além de um teste de memória visual e do teste de atenção sustentada. Pacientes inativos apresentaram o que é classificado como redução moderada na função cognitiva, considerada clinicamente significativa (P <0,05). Em todas as avaliações, os pacientes que atenderam às diretrizes de atividade física antes e depois da quimioterapia superaram consistentemente os pacientes que nunca atenderam às diretrizes (P <0,01). No grupo controle, os participantes tiveram desempenho semelhante em todas as avaliações, independentemente de terem cumprido as diretrizes de atividade física.
“Os pacientes que cumpriram consistentemente as diretrizes de atividade física durante a quimioterapia não apenas tiveram melhor recuperação cognitiva após a conclusão da quimioterapia, como também não demonstraram declínio cognitivo clinicamente significativo”, disse a autora senior Michelle C Janelsins, da Rochester Medical Center e do Wilmot Cancer Institute. “Pela avaliação com nossas medidas cognitivas objetivas, os pacientes que cumpriam as diretrizes de atividade física antes da quimioterapia tiveram melhores escores de função cognitiva após a quimioterapia e foram cognitivamente semelhantes a pessoas que não tinham câncer”, comparou.
Esses achados demonstram que manter atividade física antes e durante a quimioterapia está associado a melhor função cognitiva imediatamente e 6 meses após o término da quimioterapia. Os resultados contribuem para o crescente corpo de evidências que reforça a importância de promover a atividade física o mais cedo possível em todo o contínuo de tratamento do câncer.
Cuidado pleno durante e após a quimioterapia
Por Daniella Ramone
A redução da função cognitiva é realmente uma queixa comum entre as pacientes durante e após quimioterapia para câncer de mama, com relatos de desconforto pessoal e interferência na qualidade de vida. O estudo de coorte foi feito na tentativa de se entender quanto tempo de exercício e em que intensidade seriam necessários para as pacientes, fazer uma avaliação entre atividade física e funções cognitivas, além de se comparar as fases antes e depois da quimioterapia. Os resultados mostraram que as pacientes que conseguiram manter-se mais intensamente ativas durante o tratamento, seguindo as recomendações nacionais, apresentaram menor prejuízo na cognição quando comparadas com as que não conseguiram se exercitar adequadamente. As atividades reportadas variaram desde atividades domésticas à exercícios de alta intensidade.
Através de questionários validados de qualidade de vida, foram avaliados além da perda e recuperação cognitiva, sintomas como ansiedade, depressão e fadiga. Os autores subdividiram as pacientes em quimioterapia entre regimes contendo ou não antracíclicos e sugeriram que a quimioterapia afeta a capacidade de manutenção ótima da atividade física, mas os resultados entre os subgrupos não foram reportados.
O artigo respalda uma concepção mais atual na oncologia de que pacientes em quimioterapia, ao contrário do que se preconizava antigamente, devem se manter ativos. Segundo os autores, mantendo 150 minutos de atividade física de moderada a intensa, as pacientes tem grandes chances de evitar a redução da função cognitiva. Embora isso não tenha sido possível para a maioria das pacientes avaliadas durante a fase do tratamento, o retorno dos exercícios nos meses seguintes à quimioterapia também apresentou benefício, com maior recuperação das funções cognitivas perdidas. As informações nos estimulam ainda mais a oferecer às pacientes um cuidado pleno durante e após a quimioterapia para que se mantenham não só livres do câncer de mama, mas também com uma boa saúde física e mental.
Referência: Salerno EA, et al. Physical activity patterns and relationships with cognitive function in patients with breast cancer before, during, and after chemotherapy in a prospective, nationwide study. Journal of Clinical Oncology. Aug. 18, 2021.