Estudo randomizado de Fase 2 orientado por biomarcadores (BIONIKK) demonstrou a viabilidade e o efeito positivo de uma seleção prospectiva de pacientes com base no fenótipo molecular do tumor para selecionar o tratamento mais eficaz entre nivolumabe com ou sem ipilimumabe e um VEGFR-TKI no tratamento de primeira linha do carcinoma renal de células claras metastático. O trabalho foi publicado no Lancet Oncology dia 4 de abril, em artigo de Vano et al. Fábio Schutz (foto), oncologista na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, comenta os resultados.
Os autores argumentam que em pacientes com câncer renal com histologia de células claras, a eficácia do tratamento pode diferir com nivolumabe, a combinação de nivolumabe-ipilimumabe ou inibidores de tirosina-quinase de VEGFR (VEGFR-TKIs), de acordo com o perfil molecular do tumor. Este estudo randomizado de fase 2 conduzido por biomarcadores incluiu pacientes de 15 hospitais universitários ou centros especializados em câncer na França.
Foram elegíveis pacientes com idade ≥18 anos, com bom status de desempenho (ECOG 0-2) e carcinoma renal de células claras metastático, sem tratamento prévio. Os pacientes foram randomizados (1:1) para receber nivolumabe ou nivolumabe-ipilimumabe (grupos ccrcc1 e ccrcc4), ou um VEGFR-TKI ou nivolumab-ipilimumab (grupos ccrcc2 e ccrcc3). Os pacientes do braço nivolumabe-ipilimumabe receberam nivolumabe 3 mg/kg intravenoso mais ipilimumabe 1 mg/kg a cada 3 semanas por quatro doses seguidas de nivolumabe 240 mg intravenoso a cada 2 semanas. Os pacientes do braço de nivolumabe receberam nivolumabe intravenoso 240 mg a cada 2 semanas. Os pacientes do braço VEGFR-TKIs receberam sunitinibe oral (50 mg/dia por 4 semanas a cada 6 semanas) ou pazopanibe oral (800 mg diários, continuamente). O endpoint primário foi a taxa de resposta objetiva por avaliação do investigador (RECIST V 1.1) compreendendo a população que recebeu pelo menos uma dose do medicamento do estudo.
Entre 28 de junho de 2017 e 18 de julho de 2019, foram elegíveis 202 pacientes randomizados para tratamento (61 para nivolumabe, 101 para nivolumabe-ipilimumabe, 40 para um VEGFR-TKI). No grupo nivolumabe, dois pacientes foram excluídos devido a um evento adverso grave antes da primeira dose do estudo e um paciente foi excluído das análises por diagnóstico incorreto.
Em um seguimento mediano de 18,0 meses (IQR 17,6–18,4), os autores descrevem que no grupo ccrcc1, as respostas objetivas foram observadas em 12 (29%; IC 95% 16-45) de 42 pacientes com nivolumabe e em 16 (39%; 24-55) de 41 pacientes tratados com nivolumabe-ipilimumabe (odds ratio [OR] 0,63 [IC 95% 0,25–1,56]). No grupo ccrcc4, Vano et al. descrevem respostas objetivas em sete (44%; IC 95% 20-70) de 16 pacientes com nivolumabe e em enove (50% 26-74) de 18 pacientes com nivolumabe-ipilimumabe (OR 0,78 [95 % CI 0·20–3·01]). No grupo ccrcc2, as respostas objetivas foram observadas em 18 (50%; IC 95% 33-67) de 36 pacientes com VEGFR-TKI e em 19 (51%; 34-68) de 37 pacientes com nivolumabe-ipilimumabe (OR 0 ·95 [IC 95% 0·38–2·37]). No grupo ccrcc3, não foram observadas respostas objetivas nos quatro pacientes que receberam VEGFR-TKI e em um (20%; IC 95% 1-72) dos cinco pacientes tratados com nivolumabe-ipilimumabe.
Quando considerado o perfil de segurança, eventos adversos graves relacionados ao tratamento ocorreram em 3% dos pacientes no grupo nivolumabe, 38% no grupo nivolumabe-ipilimumabe e em 25% dos pacientes no grupo VEGFR-TKI. Três óbitos foram relacionados ao tratamento: um por hepatite fulminante com nivolumabe-ipilimumabe, um por insuficiência cardíaca com sunitinibe e um por microangiopatia trombótica com sunitinibe.
“Demonstramos a viabilidade e o efeito positivo de uma seleção prospectiva de pacientes com base no fenótipo molecular do tumor para escolher o tratamento mais eficaz entre nivolumabe com ou sem ipilimumabe e um VEGFR-TKI no tratamento de primeira linha de carcinoma renal de células claras metastático”, concluem os autores.
Este estudo está registrado no ClinicalTrials.gov, NCT02960906 e no Registro de Ensaios Clínicos da União Europeia, EudraCT 2016-003099-28, e está fechado para inscrições.
Resultados são promissores, mas não modificam a prática
Por Fabio Schutz, oncologista na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo
O estudo BIONIKK foi recentemente publicado na Lancet Oncol. Os resultados deste estudo foram apresentados previamente no congresso ESMO de 2020 que ocorreu de maneira virtual em decorrência da pandemia de COVID-19. Este estudo teve uma iniciativa bastante interessante e inovadora de selecionar tratamentos conforme o perfil genético molecular de cada tumor separando-os em 4 grupos: 1- ccrcc1, considerado um tipo sem infiltrado inflamatório (immune-low); 2- ccrcc4, com infiltrado inflamatório (imune-high); 3- ccrcc2, considerado como perfil de angiogênese alta (angio-high); e 4 - ccrcc3, considerado como normal (normal-like).
Seria esperado que os pacientes ccrcc4 apenas o tratamento com nivolumabe seria suficiente, enquanto que no grupo ccrcc1 seria necessário o tratamento combinado com ipilimumabe e nivolumabe, e nos grupos ccrcc2 e ccrcc3 o tratamento com inibidores de tirosina quinase do VEGFR (sunitinibe e pazopanibe) apresentariam bons resultados.
Os pacientes dos grupos ccrcc1 e ccrcc4 foram randomizados para receber nivolumabe apenas ou combinação de nivolumabe e ipilimumabe, e foi observado que o grupo ccrcc4 (imune-high) não houve diferença diferenças nas taxas de RO (44 e 50%, respectivamente), enquanto que no grupo ccrcc1 (imune-low) houve aumento da taxa de RO em favor do tratamento combinado de nivolumabe e ipilimumabe comparado com nivolumabe apenas (39 e 29%, respectivamente).
No grupo ccrcc2 as taxas de RO foram comparáveis entre a combinação de nivolumabe e ipilimumabe versus os VEGFRs TKIs (51% e 50%, respectivamente), porém, com taxa de resposta completa maior no grupo tratado com a combinação de imunoterapia.
Este é um dos primeiros estudos que tentou utilizar a expressão genética molecular na estratificação da randomização, e apesar de resultados bastante interessantes e promissores, no momento ainda não deve ser utilizado para a modificação na nossa prática. Entretanto, é um claro sinal de que melhor seleção dos pacientes necessita ser feita para permitir selecionar o melhor tratamento.
Referência: Nivolumab, nivolumab–ipilimumab, and VEGFR-tyrosine kinase inhibitors as first-line treatment for metastatic clear-cell renal cell carcinoma (BIONIKK): a biomarker-driven, open-label, non-comparative, randomised, phase 2 trial - Yann-Alexandre Vano, MD; Réza Elaidi, PhD; Mostefa Bennamoun, MD; Prof Christine Chevreau, MD; Delphine Borchiellini, MD; Diane Pannier, MDet al. - Published: April 04, 2022 DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(22)00128-0