O bloqueio duplo de CD47 e HER2 pode efetivamente eliminar as células resistentes à radioterapia no câncer de mama. É o que mostra estudo publicado 14 de setembro na Nature Communications, com dados que prometem reformular o cenário de tratamento. "Os resultados são impressionantes, assim como a grande complexidade cientifica do trabalho”, analisa o radio-oncologista Daniel Przybysz (foto), que comenta os principais achados.
Cada vez mais ensaios clínicos avaliam os benefícios sinérgicos da radioterapia combinada com imunoterapia no controle do câncer, indicando a necessidade de compreender a interação entre as células tumorais e as células imunes no microambiente tumoral tratado com radiação.
“Aqui, relatamos que a antifagocitose mediada por CD47 é simultaneamente regulada por HER2 em células de câncer de mama radiorresistente”, descrevem os autores. “A co-expressão de ambos os receptores é detectada com mais frequência em pacientes com câncer de mama recorrente, com prognóstico ruim”, acrescentam. Os achados de Candas-Green et al. Indicam que o bloqueio duplo de CD47 e HER2 foi capaz de inibir a clonogenicidade e aumentar a resposta mediada por macrófagos.
Assim, os autores mostram como dois receptores com diferentes funções biológicas estão contribuindo coordenadamente para o fenótipo agressivo de células de câncer de mama radiorresistentes e abrem caminho para novas estratégias de tratamento. “Em resumo, as células de câncer com proliferação promovida por HER2 podem ser equipadas com uma vantagem adicional de sobrevivência devido à antifagocitose mediada por CD47 e vice-versa, levando a um microambiente tumoral imunossupressor e à falta de resposta ao tratamento. Portanto, em tumores recorrentes que expressam HER2, um bloqueio duplo de CD47 e HER2 pode levar à inibição sinérgica do tumor por radioterapia”, concluem.
O radio-oncologista Daniel Przybysz destaca a importância da publicação. "Imunoterapia e radioterapia andam mais e mais de mãos dadas. Já vimos resultados positivos em estudos prospectivos de qualidade envolvendo pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão, melanoma e carcinoma de células renais, entre outros. A complexa interação e cascata dos efeitos da radiação nas células neoplásicas atrai muito interesse terapêutico da comunidade cientifica mundial. Desta vez, o grupo californiano da Universidade California Davis publicou seu trabalho sobre o duplo bloqueio imunoterápico em pacientes com câncer de mama radiorresistente na revista Nature Communications (IF 12.121). O estudo tem como racional o down-regulation que a radioterapia causa no sistema imune ativo (efeito imunossupressor, uma vez que Linfócitos são radiossensíveis mesmo em baixas doses), permitindo possível progressão tumoral de variantes agressivas e mais resistentes do câncer de mama. Desta forma, o bloqueio simultâneo de receptores HER2 e CD47 expressos em tais linhagens leva a um aumento na radiossensibilidade destas células malignas. E por fim, o up-regulation imunológico causado pela radioterapia (efeito abscopal) promove uma substancial resposta imune anti-tumoral. Os resultados são impressionantes, assim como a grande complexidade cientifica do trabalho. Existe uma clara e significativa sinergia entre os dois tipos de tratamento - traduzindo-se em esperança clínica. Sem dúvida, estudos clínicos randomizados e bem estratificados in vivo são necessários. Este é mais um importante tijolo na construção de uma barreira sólida contra a progressão e/ou resistência tumoral. O uso de terapias combinadas torna-se cada vez mais racional, eficaz e benéfico para nossos pacientes, reforçando a importância das decisões multidisciplinares e da pluralidade terapêutica".
Referência: Candas-Green, D., Xie, B., Huang, J. et al. Dual blockade of CD47 and HER2 eliminates radioresistant breast cancer cells. Nat Commun 11, 4591 (2020). https://doi.org/10.1038/s41467-020-18245-7