O carcinoma adrenocortical (ACC) é um tumor pediátrico agressivo e a incidência é 15 vezes maior nas regiões Sul e Sudeste do Brasil comparada às estimativas globais, como aponta estudo multicêntrico internacional organizado por Carlos Rodriguez-Galindo com participação dos brasileiros Emilia Modolo Pinto, Raul C. Ribeiro (foto), Maria Jose Mastellaro, Eliana Caran e Antonio G. de Oliveira Filho. Os resultados foram publicados no Journal of Clinical Oncology (JCO) e mostram que mutações germline TP53 foram implicadas em 95% dos casos no Brasil, onde a variante TP53 p.R337H é prevalente.
Neste estudo prospectivo (ARAR0332) baseado em risco o principal objetivo foi investigar o papel da cirurgia estendida com dissecção de linfonodos retroperitoneais em grandes tumores localizados, além de avaliar a eficácia e segurança de um regime baseado em mitotano e cisplatina no carcinoma adrenocortical infantil avançado.
Entre setembro de 2006 e maio de 2013, foram inscritos 78 pacientes (77 elegíveis, 51 mulheres). Os autores descrevem que a estimativa de sobrevida livre de eventos em um ano para doença estágio I (24 pacientes), II (15 pacientes), III (24 pacientes) e IV (14 pacientes) foi de 86,2%, 53,3%, 81% e 7,1%, respectivamente. As estimativas de sobrevida global em 5 anos foram de 95,2%, 78,8%, 94,7% e 15,6%, respectivamente.
Na análise univariada, idade, estágio, presença de virilização, síndrome de Cushing ou hipertensão, status de TP53 da linha germinativa e presença de mutação somática ATRX foram significativamente associados ao resultado clínico. Na análise multivariável, apenas o estágio da doença e a idade foram correlacionados com o resultado final. Os pacientes com estágio IV eram mais velhos (mediana de 13 anos) em comparação com aqueles com estágio I (1,5 anos), II (2 anos) e III (3 anos). No Brasil, houve maior proporção de casos estágio I e menor de doença estágio IV versus Instituições norte-americanas, assim como mais casos no Brasil foram associados a variante germline p.R337H do TP53 (95% vs 50%, respectivamente).
Em relação ao perfil de segurança, a probabilidades de eventos com mitotano e quimioterapia foi de 10,5% e 31,6%, respectivamente.
Diante desses achados, os autores concluem que embora os pacientes com tumores pequenos e localizados possam ser curados com a cirurgia, a dissecção de linfonodos retroperitoneais falhou em melhorar os resultados para pacientes com tumores grandes e completamente ressecados. No grupo com doença irressecável e naqueles com doença avançada existe benefício da quimioterapia, mas o regime à base de mitotano e cisplatina resultou em altas taxas de toxicidade. Pacientes com doença metastática tem resultados considerados ‘desanimadores’ e representam uma população com necessidades médicas não atendidas. “Novos tratamentos devem ser explorados para este grupo de alto risco. A combinação de mitotano e quimioterapia como previsto no protocolo ARAR0332 resultou em toxicidade significativa; um terço dos pacientes com doença avançada não puderam completar o tratamento programado”, destaca o estudo.
O carcinoma adrenocortical infantil é raro, com apenas 25 casos esperados anualmente nos Estados Unidos e uma incidência global estimada em 0,2-0,3 casos por milhão de crianças e adolescentes. No entanto, o cenário no Brasil desperta atenção, com incidência 10-15 vezes maior no Sul e Sudeste do Brasil, onde a variante TP53 p.R337H é prevalente e foi implicada em grande parte dos casos.
Crianças com ACC normalmente são diagnosticadas nos primeiros 5 anos de vida, com forte predomínio feminino e quase universalmente com virilização. Outro importante achado do estudo mostra que o ACC pediátrico tem características distintas de sua contraparte adulta. “Primeiro, está fortemente associado a mutações germinativas no TP53, presentes em 53% dos casos analisados, em comparação com 10% em adultos. Em segundo lugar, o ACC pediátrico se apresenta em uma idade muito precoce, e o continuum de idade define a apresentação clínica e prognóstico”, destaca a publicação.
Na paisagem genômica do ACC infantil é evidenciada a perda de heterozigose dos cromossomos 11 e 17 e por variantes patogênicas germinativas TP53, a superexpressão do fator de crescimento semelhante à insulina-2, além de mutações somáticas em ATRX e CTNNB1.
Referência: Rodriguez-Galindo et al. Treatment of Pediatric Adrenocortical Carcinoma With Surgery, Retroperitoneal Lymph Node Dissection, and Chemotherapy: The Children’s Oncology Group ARAR0332 Protocol. DOI: 10.1200/JCO.20.02871 Journal of Clinical Oncology