Dois estudos apresentados no ESMO Breast Cancer 2019 analisam o câncer de mama em mulheres jovens. Um trabalho português buscou caracterizar uma coorte de mulheres jovens quanto à incidência, estadiamento do tumor, biologia, tratamento e sobrevida. Outro estudo analisou as taxas de recorrência em pacientes jovens com câncer de mama tratadas na Ticino Breast Unit, na Suíça. Os estudos mostram que apesar de apresentar características biológicas mais agressivas quando comparadas à doença em pacientes mais velhas, os tratamentos recomendados em guidelines conferem bons resultados a esse grupo de pacientes. A oncologista Lilian Arruda (foto), coordenadora médica do Centro de Pesquisas e coordenadora do Departamento de Oncologia Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) comenta os trabalhos.
Agressividade do tumor
A agressividade dos tumores é ilustrada em um estudo português com 207 pacientes com menos de 35 anos, diagnosticadas com câncer de mama entre 2008 e 2017, e tratadas em cinco centros de câncer.1 Trinta e cinco pacientes foram excluídas: 27 por falta de dados, 1 devido a dois tumores síncronos diferentes e 7 com carcinoma ductal in situ.
A mediana da idade foi de 31 anos e o carcinoma ductal invasivo foi o subtipo histológico mais frequente (91%). Na análise do subtipo de tumor, 4% dos tumores eram luminal A, 20% luminal B HER2-positivo, 47% luminal B HER2-negativo, 8% HER2-positivo (receptor hormonal negativo) e 20% triplo-negativo. Entre as participantes, 48% foram diagnosticadas com câncer de mama precoce, 45% localmente avançados e 6% tiveram câncer metastático de novo.
A oncologista Lilian Arruda, coordenadora do Departamento de Oncologia Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), observa que a dificuldade na detecção de tumores nos seios de mulheres jovens acontece por não ser uma faixa etária comum, e também devido à densidade das glândulas mamárias. "Por isso o diagnóstico é, comumente, dado em estágio mais avançado da doença, e esse problema é particularmente pronunciado entre mulheres grávidas e lactantes", diz.
Entre as pacientes tratadas com quimioterapia neoadjuvante (39%), 12% atingiram resposta patológica completa. 83% das pacientes foram tratadas com terapia sistêmica adjuvante (CT ou terapia endócrina), e 18% exclusivamente com terapia endócrina. A mediana do tempo de seguimento foi de 53,5 meses.
A doença metastática ocorreu em 37 pacientes: 7 pacientes com metástase óssea apenas, 17 com metástase óssea e visceral e 14 pacientes com sistema nervoso central, além de doença óssea e visceral. A mediana de sobrevida dos pacientes metastáticos foi de 16,5 meses. A recorrência local ocorreu em 3 pacientes com um tempo médio de 27 meses. 85% dessas mulheres estão vivas.
Como esperado, a frequência de tumores HER2-positivo e triplo-negativo foi maior neste grupo etário, e a frequência de doença localmente avançada e metastática de novo é mais prevalente. A mediana de sobrevida de pacientes metastáticos é baixa nessa faixa etária, assim como a mediana de sobrevida. “A sobrevida livre de doença foi mais longa em mulheres com tumores receptor hormonal positivo, seguido por aqueles com doença HER2-positiva e por fim com câncer de mama triplo negativo. A mediana de sobrevida dos pacientes sem metástases foi de 130 meses em comparação com 37 meses para aqueles com doença metastática”, afirmou a oncologista Ines Eiriz, médica do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, em Amadora, Portugal, e primeira autora do estudo.
“Devido à biologia mais agressiva, estadiamento inicial e sobrevida, o grupo de mulheres muito jovens com câncer de mama merece abordagens especiais de tratamento”, acrescentou.
Recorrência do tumor
Também apresentado no congresso europeu de câncer de mama, um estudo suíço analisou prontuários de 381 mulheres com idade ≤50 anos, com câncer de mama invasivo estádios I-III, tratadas com intenção curativa, no período de 2010 a 2017. Foram avaliados dados demográficos, biologia tumoral, tipo de cirurgia, terapia adjuvante e neoadjuvante, local de recorrência, tempo de recorrência e sobrevida.
A sobrevida global (SG) foi definida como o período de tempo desde o diagnóstico até a morte por qualquer causa. Sobrevida livre de doença (DFS) foi definida como o período de tempo entre a cirurgia e a primeira recidiva locorregional e/ou metástases. As curvas de sobrevida foram calculadas pelo método de Kaplan-Meier.
Resultados
A mediana de idade no momento do diagnóstico foi de 45 anos (variação de 23 a 50 anos). A mediana de acompanhamento foi de 45,6 meses (intervalo de 1 a 105 meses). Vinte e dois pacientes (5,8%) tiveram o acompanhamento interrompido. A recorrência tumoral ocorreu em 29 casos (7,6%), dos quais 9 pacientes morreram. Quatorze pacientes (3,7%) desenvolveram uma recidiva locorregional, 6 pacientes (1,6%) desenvolveram metástases à distância e 9 pacientes (2,4%) metástases locorregionais e à distância.
O local mais comum de falha locorregional foi a mama omolateral (11 pacientes). Dois pacientes desenvolveram um segundo tumor na mama contralateral. O intervalo mediano de recorrência foi de 31 meses (intervalo de 3 a 87 meses). O risco de três e cinco anos para recidiva locorregional foi de 4,7% e 9,5%, respectivamente. A sobrevida livre de doença em três e cinco anos foi de 94,3% e 91,2%, respectivamente. A sobrevida global em 5 anos foi de 93,3%.
Os autores concluíram que as taxas de recidiva loco-regional e metástases à distância da população estudada não diferem das taxas publicadas na literatura. Mais análises são necessárias para reconhecer fatores de risco biológicos e clínicos para recorrência, com o objetivo de identificar modelos prognósticos e direcionar terapias. “A maioria das recorrências nessas pacientes era local e não metastática. Nosso estudo está em andamento e o próximo passo é identificar os preditores de recorrência local. Queremos examinar a probabilidade de recorrência local de acordo com o status HER2 e triplo-negativo”, observou Simona Cima, oncologista do IOSI - Instituto de Oncologia do Sul da Suíça, em Bellinzona, e principal autora do estudo.
Segundo LIlian, esses dois estudos mais uma vez argumentam em favor dos bons resultados do tratamento individualizado de mulheres jovens com câncer de mama. "Esta abordagem requer discussão multidisciplinar e habilidades especiais para lidar com as questões específicas deste grupo etário como a hereditariedade da doença, sexualidade, preservação de fertilidade e gravidez", conclui.
Referências:
1 - Abstract 101P_PR ‘Breast Cancer in Young Women - a multi-center 10-year experience‘ - I.F. Eiriz, N.G. Pereira, M.T. Neves, M.V. Batista, T.C. Tomás, S. Braga - Annals of Oncology, Volume 30, 2019 Supplement 3, doi:10.1093/annonc/mdz095
2 - Abstract 102P_PR ‘Breast cancer early recurrences in young women‘ - S. Cima, E.K. Cekani, M. Valli, A. Richetti - Annals of Oncology, Volume 30, 2019 Supplement 3, doi:10.1093/annonc/mdz095