Um estudo de citogenética realizado por pesquisadores do Roswell Park Cancer Institute pode fornecer novas bases para a compreensão do câncer de ovário familiar, demonstrando que, além da contribuição bem conhecida da mutação BRCA, um locus genético no cromossomo X contribui para o risco de câncer de ovário, com um padrão de hereditariedade que tem implicações para a estratificação do risco genético. O oncologista e oncogeneticista José Claudio Casali da Rocha (foto) comenta o trabalho.
O ponto de partida foi a revisão sistemática de Stratton e colegas, com evidências de que irmãs de uma mulher com câncer de ovário têm maior risco de desenvolver a doença do que a mãe, "o que não é explicável em termos de qualquer modelo genético", sustentavam os autores. Agora, este estudo de citogenética começa a explicar esse paradoxo: a existência de um gene ligado ao cromossomo X que passa preferencialmente de um pai portador para cada uma de suas filhas.
"O estudo mostra que a investigação genética de câncer de ovário/trompa/peritoneal primários vai além dos genes autossômicos, podendo ter uma herança ligada ao cromossomo X, principalmente nos casos suspeitos e com investigação genética para mutação BRCA1, BRCA2 e genes da família FANC (BRIP, BARD1, ATM, PALB2, RAD50, entre outros), todos negativos", afirma Casali.
Os pesquisadores identificaram 3499 pares de avós/netas do Registro de câncer de ovário familiar do Roswell Park Cancer Institute, observando 892 pares informativos com 157 netas afetadas. O sequenciamento do exoma do cromossomo X foi realizado em 186 mulheres do registro. A taxa de câncer foi de 28,4% em pares paternos de avó/neta e em 13,9% de pares maternos, o que é consistente com um modelo dominante ligado ao X (teste Qui-quadrado X2 = 0,02, p = 0,89) e inconsistente com um modelo autossômico dominante (X2 = 20,4, p <0,001).
Reforçando a hipótese relacionada ao X, o estudo observou associação entre câncer de próstata em homens e câncer de ovário em sua mãe e filhas (odds ratio, OR = 2,34, p = 0,034). Mães não afetadas tiveram significativamente mais filhas afetadas do que filhos (razão = 1,96, p <0,005).
Os casos de câncer de mama BRCA negativo relatados no registro também foram sequenciados. Uma variante específica (rs176026 em MAGEC3) foi significativamente associada ao cromossomo X (HR = 2,85, IC de 95%: 1,75-4,65), antecipando a ocorrência da doença em 6,7 anos.
Em conclusão, os autores mostram que além da contribuição bem conhecida da mutação BRCA, um locus genético no cromossomo X contribui para o risco de câncer de ovário através de um padrão de hereditariedade que tem implicações para a estratificação do risco genético. Mais estudos são necessários para validar esta variante e caracterizar as famílias de portadores.
"Mutações de genes ligados ao X são transmitidas pelo homem que apresenta risco aumentado para câncer de próstata e para 100% das filhas (todas recebem o X mutado do pai). Por outro lado, nenhum filho homem de pai com mutação pode ser afetado na herança ligada ao X, em contraste com a herança autossômica onde o risco de transmissão seria de 50% para filhas e filhos. Nessa situação, a orientação preventiva e aconselhamento genético são importantes para adoção de medidas preventivas. Até o momento, não há consenso sobre a indicação ou a idade para realizar cirurgia profilática", esclarece Casali.
Referências: Eng KH, Szender JB, Etter JL, Kaur J, Poblete S, Huang R-Y, et al. (2018) Paternal lineage early onset hereditary ovarian cancers: A Familial Ovarian Cancer Registry study - PLoS Genet 14 (2): e1007194. - https://doi.org/10.1371/journal.pgen.1007194